A madeira do pau-brasil, nativa da Mata Atlântica, tornou-se essencial para a fabricação de arcos de violino desde o século XVIII, quando o francês François Tourte identificou na espécie a combinação ideal de rigidez e flexibilidade. Desde então, sua exploração evoluiu de artesanal para um esquema de alto valor comercial — e também criminoso. Levantamento obtido pelo jornal O Globo mostra que, entre 2002 e 2022, empresas que burlaram as regras ambientais brasileiras movimentaram cerca de R$ 1 bilhão com a venda irregular da espécie.

De acordo com o Ibama, a indústria de archeteria — responsável pela produção de arcos musicais — é hoje a principal ameaça à sobrevivência do pau-brasil. Em 31 de dezembro de 2024, a empresa Arcos Brasil foi autuada por manter um estoque irregular de madeira. A empresa acumulava quase 50 mil arcos, 57% dos quais vendidos à filial norte-americana, Arcos Brasil USA. Apesar disso, seu proprietário, Celso de Mello, afirmou ao O Globo que não possui operações internacionais.
Durante uma fiscalização em 2022, agentes do Ibama encontraram no depósito da empresa 0,969 m³ de madeira serrada em ripas — o equivalente a uma caixa d’água de mil litros — e 77.352 varetas sem documentação válida. As penalidades somaram R$ 23,2 milhões. A empresa já havia sido multada em R$ 8,2 milhões em 2018. Em nota, a Arcos Brasil alegou que seu estoque foi adquirido legalmente entre 1997 e 2001 e regularizado em 2006 no sistema DOF (Documento de Origem Florestal). A autuação de 2018, segundo a empresa, foi contestada com base em parecer técnico do Itufes, que apontou falhas nos critérios de cálculo do Ibama.
A atuação ilegal ganhou atenção nacional com a Operação Dó-Ré-Mi, deflagrada em 2019 nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. A operação apreendeu 292 mil varetas e arcos musicais, e aplicou quase R$ 100 milhões em multas a 16 empresas. O Ibama apontou que, embora a extração legal do pau-brasil seja permitida, algumas empresas utilizavam madeira sem serventia para mascarar a entrada de material novo, proveniente de serrarias da Bahia. Documentos eram adulterados para justificar estoques fictícios, dando aparência de legalidade às exportações.

Outra empresa autuada foi a Comercial Rofri, de Aracruz (ES), multada em R$ 11,9 milhões por armazenar 26.489 varetas ilegalmente. A empresa usava uma licença de 2005 para transporte de estacas de cerca como justificativa para movimentar o pau-brasil.
A Operação Ibirapitanga, desdobramento da anterior e realizada pela Polícia Federal em 2021, aplicou 12 autos de infração e cumpriu 20 mandados de busca e apreensão. Desde 2022, os aeroportos passaram a ser ponto estratégico de fiscalização. Em Guarulhos (SP) e no Galeão (RJ), foram impedidas exportações ilegais de mais de 100 arcos e quase 200 varetas — uma única carga estava avaliada em R$ 300 mil.
Um estudo do analista ambiental Felipe Guimarães aponta que, entre 2002 e 2022, foram registradas oficialmente a venda de 464.505 varetas e 7.986 arcos no Brasil, além da exportação de 45.163 varetas e 131.232 arcos — cerca de 95 m³ de madeira no total. Porém, segundo ele, os números oficiais representam apenas uma fração da realidade. Para cada vareta aproveitada, cerca de 20 são descartadas. Além disso, os valores declarados nas notas fiscais são subfaturados. Um arco vendido por R$ 500 no Brasil pode chegar a mais de R$ 5 mil no exterior.
Com base nesses dados, Guimarães estima que o real faturamento das empresas pode ultrapassar R$ 860 milhões, sem contar o mercado paralelo. Os principais destinos das exportações são Estados Unidos (49%), Bélgica (25%) e Japão (8%).
Diante da gravidade, o Itamaraty e o Ibama apresentaram uma proposta para elevar o pau-brasil ao Anexo I da Convenção CITES, o que implicaria em restrições máximas ao comércio internacional da espécie. A votação da proposta ocorrerá entre 24 de novembro e 5 de dezembro, no Uzbequistão. Caso aprovada, a comercialização será permitida apenas para madeira de origem comprovadamente legal e obtida antes de 2007 — ou proveniente de plantios autorizados.
Fonte: O Globo.
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