Mogno Brasileiro – Uma história de sucesso? Pra quem?

Por: Reure Macena

Mogno Brasileiro – Uma história de sucesso? Pra quem?
Mogno Brasileiro :. Reprodução: Pensamento Verde

Você pode não ter visto ainda uma árvore dessa, pode não ter em casa nenhum móvel ou utensílio desse tipo de madeira, muito menos ter pego em uma semente dessa magnífica espécie amazônica, mas tenho quase certeza de que você já ouviu alguma vez o nome MOGNO! E nesse artigo, vamos fazer um apanhado histórico, falar das características dessa espécie arbórea e entender o porque a história do Mogno é um retrato tão fiel do modo como o grande Capital vê os recursos naturais da Amazônia e entender se o Mogno Brasileiro, é uma história de sucesso e pra quem foi ese sucesso!

O mogno brasileiro é uma espécie nativa do continente americano e endêmica na Amazônia. Possui uma madeira incrível nos mais diversos aspectos e foi uma madeira de enorme interesse por parte de consumidores estrangeiros que amam aquele ar charmoso de Amazônia e mata atlântica em suas construções, mas também eram o xodó de madeireiras aqui das nossas terras tupiniquins, fossem elas empresas sérias ou aquelas cujo o nome do CNPJ tem elevados índices de Vitamina C! (se é que me entendem). Justamente por conta disso, essa é uma das espécies que já foram das mais abundantes e hoje é uma das mais ameaçadas, por conta do avanço do desmatamento na floresta amazônica.

O Mogno Brasileiro ou apenas Switenia macrophyla, para os mais íntimos, é uma Magnoliophyta, dicotiledônea que pertence a família Meliaceae, e é uma espécie que pode ser encontrada em uma longa cadeia de distribuição geográfica que se estende desde o México até a Bolívia com focos de elevada ocorrência nas chamadas Florestas de Terra firme, que nada mais são que áreas de vegetação longe da influência das inundações, em solos do tipo Argiloso.

O mogno foi ou ainda é muito usado pra criação de mobiliário de luxo, objetos de adorno e painéis para acabamentos internos. Somado a esses usos, temos ainda outra indústria que faz uso dessa espécie, a indústria de instrumentos musicais!  Especialmente na produção de instrumentos como; guitarras e violões, pelo timbre característico e a ressonância sonora dessa madeira, que tende ao médio-grave.

O Mogno Brasileiro é uma das espécies de madeiras nativas mais nobres que temos e pra fins de comparação, em 2001 o preço por metro cúbico girava em torno de US$ 1.200 em uma época em que o salário-mínimo era da ordem de 180,00 R$ (Medida Provisória nº 2194-6, de 2001) e 1 Dólar custava cerca de 2,00 R$.

Assista nosso vídeo sobre a História do Mogno.

Aqui no Brasil e em terras Peruanas, o início do século XX já se iniciou uma briga de foice por conta da busca dessa espécie que teve inicio pelo Peru, nosso vizinho latino, que tem lá seus hectares de Amazônia também, e foi quem teve as primeiras serrarias instaladas na cidade de Iquitos, que mesmo com suas precariedades logísticas tiveram lá seu êxito, fato semelhante ao que aconteceu no mesmo período na região Norte do Brasil, que iniciava sua expansão e o Mogno estava lá no meio desse povo que queria levar o progresso pra essas bandas.

Apesar da exploração existir desde o início do século, somente nas últimas décadas do século XX ela ganhou força. Isso fez com que o debate entre ambientalistas e madeireiros se tornasse cada vez mais acirrado por conta da turma que acredita com base em dados, que a espécie corre sério risco de declinar seu povoamento em direção à extinção e a turma que “Acha que não”!

Muita gente fez fortuna com essa espécie, muita gente ainda tem peças incrivelmente lindas desse período, vendeu-se por muito tempo a imagem da prosperidade e também da geração de empregos gerada pela exploração dessa espécie. Porém, sabe-se que na verdade, muita gente fez fortuna comprando e vendendo madeira de procedência ilegal, tivemos ou temos inclusive um “Rei do Mogno” aqui no norte, e basta você colocar o termo “Rei do Mogno” na internet que vão aparecer notícias e menções judiciais suficientes pra você brincar de ligar “o que” a “quem”! Existem na verdade, mais detentores desse título do que se tem notícias, muitos deles seguiram no anonimato, tendo seus nomes revelados, apenas nas chamadas “Rádio-Peão”, que são “coisas que todos sabem, mas ninguém de fato, fala que sabe em público”.

Muita gente trabalhou da maneira mais precária que você pode imaginar pra gerar essas fortunas feitas a partir de uma destruição que parecia não ter mais fim, em um tempo em que cadeia de custódia era um sonho distante e cuidar de meio ambiente era papo de ambientalista ou esquerdista, nada de tão diferente de hoje em dia.

Por volta dos anos 1940, sabia-se que o mogno ocorria no extremo oriental da região do rio Tocantins, porém as dificuldades de acesso e transporte para o Estado do Pará impediram a exploração nessa região. Entretanto, em meados dos anos 1960, a construção das rodovias Belém-Brasília e Transamazônica abriu a possibilidade de exploração nessa região.  A primeira “onda” de exploração de mogno ocorreu ao longo do rio Araguaia e seus afluentes. No início dos anos 1970, esses estoques de mogno haviam sido exauridos e a exploração deslocou-se para oeste em florestas ricas em mogno ao longo da nova rodovia estadual PA-150. Os estoques foram liquidados nessa região durante o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, e os exploradores deslocaram-se novamente para o oeste ao longo da estrada não pavimentada PA-279 em direção a São Felix do Xingu.

Durante os anos 1980, as regiões ricas em mogno situadas no sul do Pará e norte de Mato Grosso foram intensamente exploradas. Essa exploração ocorreu principalmente em terras devolutas e Terras Indígenas através de acordos ou simplesmente pela invasão das áreas, bem ao estilo “Aceita por bem ou por mal”.

Novas áreas ricas em mogno foram localizadas por exploradores através de sobrevoos em pequenos aviões.

Plano de integração Nacional / Reprodução: QuatroCincoUm (UOL)

As equipes de exploração deslocaram-se continuamente para oeste numa frente ampla de norte a sul, cruzando o rio Xingu, e daí extraindo mogno a oeste na região do rio Iriri. Depois disso, em anos recentes, as madeireiras migraram para a região de Novo Progresso (oeste do Pará) ao longo da Santarém-Cuiabá e sudeste do Amazonas. Enquanto isso, a extração continua ocorrendo na região da “Terra do Meio” situada entre os rios Iriri e Xingu, na medida em que os madeireiros retornam para extrair os estoques remanescentes – em muitos casos árvores com diâmetro menor do que 45 cm.

Essas informações, você pode correr lá no site do IMAZON e ler tudinho, porque isso aqui é só o que ocorreu no Pará, caso queira mais, tem tudo lá, sobre o que ocorreu em Rondônia e no Acre. Onde quer que o Mogno estivesse, tinha gente interessada em retirar até a última árvore mesmo que abaixo do diâmetro mínimo de corte e com a justificativa de levar o “progresso” para a região, gerando emprego e renda.

A espécie já desapareceu de grandes áreas da Amazônia e resiste apenas em regiões de difícil acesso e em áreas protegidas. Mas mesmo as áreas protegidas não intimidam madeireiros ilegais, que abrem estradas na mata em busca das valiosas árvores de mogno. E pra cada derrubada ilegal e arraste da madeira, pode levar à destruição, até 30 árvores próximas, o que agrava ainda mais o problema do desmatamento, fazendo com que ele tenha reflexo em outras espécies também.

Mas nem só de coisa ruim e desesperança vive o homem;

A partir de 1990, os órgãos brasileiros, após uma série de pressões de ONGS ambientalistas, instituições de pesquisa e seus respectivos pesquisadores, resolve agir de fato e  iniciou as tentativas de limitar a exploração de mogno através de cotas de exportação – uma política que na prática reconheceu a ameaça de exaustão sobre os estoques de mogno do País. As cotas de exportação sofreram uma redução acentuada nessa década. Tendo em 1990 uma cota de 150.000 m3, diminuindo para 65.000 m3 em 1998, e 30.000 m3 em 2001.

E pra dar aquele empurrãozinho a mais, em abril de 1999, foram registradas as populações de mogno brasileiras no Apêndice III da Cites, (que nós já temos vídeo no nosso canal do YouTube falando o que é a CITES) o qual exige que as nações produtoras se certifiquem de que a madeira exportada foi explorada legalmente, tendo pra tal comprovação, os planos de Manejo florestais, documentos de compra e venda, sendo esses itens os embriões do sistema que temos em operação no Brasil atualmente que trata com muita precisão o que conhecemos como cadeia de custódia.

E em 2001 veio algo que deu um raio de esperança pra essa espécie!

A exploração, o transporte e a comercialização do mogno brasileiro foram suspensos no Brasil a partir de outubro de 2001, por meio de Instrução Normativa, editada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e como o próprio governo brasileiro suspendeu os planos e proibiu a exportação do mogno, o secretariado da Cites aconselhou seus membros a pararem de importar mogno brasileiro em março de 2002. Com base nessa recomendação, a Diretoria Geral de Meio Ambiente da Comissão Européia recomendou aos países membros a suspensão da compra de mogno do Brasil.

É óbvio que a exploração ilegal de Mogno não cessou devido à proibição, ficou claro que ela continuou parcialmente com base em “planos de manejo ainda válidos”. E a fim de reprimir a exploração, especialmente na região sul do Pará, entre os rios Xingu e Iriri, conhecida como “Terra do Meio”, o Ibama e a Polícia Federal realizaram a “Operação Mogno”. Inicialmente, o Ibama suspendeu os 11 planos restantes de mogno (Instrução Normativa 17/2001 do Ibama) até que uma auditoria fosse realizada. Em dezembro de 2001, após uma auditoria que contou com a participação de consultores externos ao Ibama, 10 desses planos foram cancelados devido a falhas técnicas ou fraudes (Instrução Normativa do Ibama 22/2001). O Ibama proibiu a exportação da madeira explorada com base nos planos antigos, alegando que a origem da madeira era ilegal.

Parte dos madeireiros decidiu contestar judicialmente a proibição e conseguiu uma liminar permitindo a exportação da madeira. Em resposta, o governo brasileiro e organizações ambientalistas buscaram apoio de governos internacionais para impedir a venda da madeira. Como resultado desses esforços, remessas de madeira foram confiscadas na Europa e nos Estados Unidos. Os governos estrangeiros argumentaram que o comércio só poderia ser retomado quando a origem legal da madeira fosse claramente estabelecida, e ai nós temos mais uma menção as famosas cadeias de custódia e os procedimentos de devida diligência, sendo citados mais uma vez como mecanismos de mitigação de riscos. Em abril de 2002, o Presidente da República anunciou em um discurso transmitido pelas rádios que manteria a proibição da exploração de mogno e elogiou o Ibama e as ONGs que contribuíram para o controle da situação. E não cabe nesse vídeo, falarmos de ações contra ou a favor da preservação e conservação dos nossos recursos naturais, mas com um pouco de leitura e acompanhamento de normativas, podemos ter uma base de qual eixo tem trabalhado arduamente pra “passar a boiada”.

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Além da exploração predatória, existe outro problema, nesse caso, de ordem natural, que acomete essa espécie! A Hypsipyla grandela ou Broca de Ponteiro.

A broca das meliáceas Hypsipyla grandella (Zeller) (Lepidoptera: Pyralidae) é responsável pelo insucesso de inúmeras tentativas de plantações de mogno em diversos países do continente americano. Devido ao alto valor comercial da madeira, ensaios para o controle químico desta praga vêm sendo executados há oito décadas, envolvendo mais de 23 países dos trópicos, sem resultados satisfatórios
Hypsipyla grandella (Zeller) (Lepidoptera: Pyralidae) :. Reprodução: Internet

A broca das meliáceas Hypsipyla grandella (Zeller) (Lepidoptera: Pyralidae) é responsável pelo insucesso de inúmeras tentativas de plantações de mogno em diversos países do continente americano. Devido ao alto valor comercial da madeira, ensaios para o controle químico desta praga vêm sendo executados há oito décadas, envolvendo mais de 23 países dos trópicos, sem resultados satisfatórios

Essa Lepidoptera, possui uma lagarta que perfura e mata o broto terminal, fazendo túneis nas brotações em desenvolvimento, quebrando assim, a dominância apical, o que induz a ramificação do fuste, prejudicando a formação de um tronco retilíneo e comercialmente aproveitável.

O fato que podemos retirar desse apanhado histórico, é o fato de que o Mogno, assim como o Pau Brasil, o Jacarandá, Castanheiras e tantas outras espécies que tem potencial comercial, foram durante muito tempo, exploradas sem qualquer critério técnico, desconsiderando a capacidade regenerativa dessas espécies, sem o uso de técnicas de derruba, arraste ou qualquer senso de conservação.

Podemos entender o mal que a falta de um reforço em legislações ambientais, nas punições dessas realezas da madeira ilegal no Brasil e a falta de uma mão de ferro nos órgãos ambientais tem feito em nossa biodiversidade, e não falo nossa, no sentido de uma biodiversidade brasileira, falo no sentido de humanidade.

Tratar recursos naturais como meras mercadorias que podem ser mais ou menos especuladas em função de um aumento de capital, desconsiderando todos os aspectos sociais que são atrelados a esses recursos, é o erro que a humanidade como um todo, pode ter que pagar em breve, a custo de sua própria existência, apenas para que alguns poucos tenham o privilégio de ter títulos de realeza local, comprando agentes públicos e trocando vidas, sangue e suor por metros cúbicos a mais.

Fontes: Audtec Gestão, WWF, Imazon, Academia Edu, Embrapa, Unesp

Reure Macena

Engenheiro Florestal, formado pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), Especialista em Manejo Florestal e Auditor Líder - Sistema de Gestão Integrada (SGI). Um parceiro do Florestal Brasil desde o início, compartilhando conhecimento, aprendendo e buscando sempre a divulgação de informações que somem para o desenvolvimento Sustentável do setor florestal no Brasil e no mundo.

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