Cerrado resiliente após anos de cultivo de Pinus

Após mais de quatro décadas de cultivo comercial de Pinheiros (Pinus sp.) em Águas de Santa Bárbara, São Paulo, a Estação Ecológica da cidade implementou, em 2011, um plano de manejo para remover essa espécie exótica do local, que pertence ao Cerrado. Após esse processo, uma pesquisa conduzida pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP observou o ressurgimento de espécies vegetais características do bioma, provenientes da sobrevivência de estruturas subterrâneas durante o longo período de perturbação ambiental causado pelo cultivo exótico. De acordo com as pesquisadoras, a vegetação resistiu tanto tempo sob o solo e sem sofrer processos de decomposição devido a características morfológicas típicas das plantas do Cerrado.

O Cerrado abriga mais de 12 mil espécies de plantas, sendo um terço exclusivo desse bioma. Reconhecido como um “hotspot” de biodiversidade, o bioma perdeu mais de 66 mil km² entre 2016 e 2023 devido ao desmatamento, conforme relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre as ameaças ao Cerrado, o cultivo de vegetações exóticas comerciais reduz drasticamente a ocorrência e o desenvolvimento de espécies nativas.

No caso específico da plantação de pinheiros, as árvores formam uma densa camada de folhas no solo, alterando as condições do solo e liberando compostos que inibem o crescimento de outras plantas. Após a remoção dessas árvores da Estação Ecológica, as pesquisadoras observaram o surgimento de partes aéreas de algumas espécies.

Disponibilidade de água pode diminuir até 40% nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e em parte do Sudeste até 2040 | Florestal Brasil

O ressurgimento é atribuído à capacidade de regeneração a partir de tecidos celulares, conhecidos como gemas, presentes em órgãos subterrâneos das plantas adaptadas ao Cerrado, onde estão sujeitas a perdas ou danos nas partes aéreas.

“Quando cavamos nessas áreas para avaliar a regeneração das plantas, encontramos estruturas altamente desenvolvidas, com mais de um metro e meio de profundidade. São estruturas robustas que não poderiam ter se formado em um curto espaço de tempo”, afirma Beatriz Appezzato, professora da Esalq e coordenadora do Laboratório de Anatomia Vegetal.

Portanto, um dos objetivos do estudo era compreender como as plantas conseguiram permanecer tanto tempo sobrevivendo sob o solo.

Cerrado resiliente após anos de cultivo de Pinus
Área de estudo – Foto: cedida pela pesquisadora
“Florestas” subterrâneas

A pesquisa conduzida coletou e analisou exemplares de três espécies de plantas pertencentes à família Myrtaceae: Eugenia arenosa Mattos, Eugenia sellowiana e Eugenia suberosa Cambess, além da palmeira Syagrus loefgrenii Glassman, que não possui caule aéreo. A tese de doutorado de Gabriela Santos da Silva resultou na publicação de dois artigos: um sobre rebrotamento, divulgado no Australian Journal of Botany, e outro sobre a morfologia das partes aéreas das plantas, publicado na Plant Biology. Além disso, um artigo em andamento aborda palmeiras acaulescentes adaptadas a distúrbios ambientais.

Eugenia arenosa Mattos – Imagem: retirada do artigo

O estudo observou nas estruturas subterrâneas que as plantas possuem células com paredes lignificadas, que são resistentes e acumulam compostos, como substâncias fenólicas, que impedem o processo de decomposição. Adicionalmente, essas plantas possuem reservas de carboidratos que servem como fonte de energia durante a dormência e auxiliam na formação de novos tecidos aéreos durante o rebrotamento.

Outra estrutura relevante é a gema, composta por células capazes de divisão e formação de novos órgãos. Gabriela, autora principal dos artigos e doutora pela USP, explica que as gemas nos sistemas subterrâneos são protegidas por diversos fatores, como o solo, tecidos e compostos químicos. Isso preserva sua capacidade de formar novos órgãos, prontos para rebrotar quando as condições são favoráveis.

Durante a escavação do solo, as pesquisadoras identificaram plantas clonais, que também possuem estruturas subterrâneas. Essas plantas têm importância na exploração de água e nutrientes no solo, ramificando-se e explorando novas áreas para sobrevivência. Elas formam ramos que se estendem de 2 a 3 metros do eixo principal e podem gerar novos indivíduos quando o eixo de conexão é desligado. Embora sejam comuns no Cerrado, as plantas clonais ainda são pouco estudadas nesse bioma.

O estudo das partes aéreas das Myrtaceae concentrou-se em investigar se durante o processo de rebrotamento as plantas investem na proteção das gemas aéreas. Gabriela destaca que essas estruturas são tão importantes quanto as gemas subterrâneas, pois as plantas precisam rebrotar para formar órgãos aéreos e, em seguida, protegê-los.

A pesquisa revelou informações inéditas sobre as estruturas secretoras que mantêm a umidade nas células meristemáticas das plantas. Gabriela ressalta a importância dessas estruturas, como os coléteres e os tricomas, que produzem substâncias protetoras e refletem a luz solar, garantindo o desenvolvimento das gemas. Essas descobertas fornecem insights cruciais sobre a regeneração e adaptação das plantas a distúrbios ambientais.

Cerrado resiliente após anos de cultivo de Pinus
Área após a queimada dos pinheiros – Foto: cedida pela pesquisadora
Impactos

“A importância da pesquisa reside precisamente em evidenciar o impacto provocado pelos cultivos de pinus quando introduzidos em áreas de Cerrado. Esses cultivos comprometem de forma drástica o banco de gemas subterrâneas de espécies herbáceas e subarbustivas, muitas das quais são endêmicas ou encontram-se em risco de extinção”, destaca Beatriz. Um dos estudos conduzidos pelo Laboratório de Anatomia Vegetal constatou que nas áreas onde o pinus foi plantado, o número de gemas foi reduzido em 65 vezes em comparação com áreas onde essa espécie exótica não foi introduzida.

Para as pesquisadoras, demonstrar a capacidade de recuperação e a resiliência dessa vegetação abre caminho para novos planos de manejo de terra e de proteção ambiental. “Ao realizar esse tipo de estudo sobre a morfologia e anatomia das plantas, contribuímos para o entendimento de como essas plantas estão adaptadas às respectivas áreas”, acrescenta a orientadora.

A pesquisa foi financiada pela Fapesp e foi agraciada com o Prêmio Tese Destaque USP na área de Ciências Agrárias, na sua 12ª edição.

Fonte: Jornal da USP

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

View all posts by Arthur Brasil →

Comenta ai o que você achou disso...