Arborização urbana de Belo Horizonte repete padrão de desigualdade social de outras cidades

Em 2023, conforme indicado pela Organização Meteorológica Mundial, testemunhamos o registro do ano mais quente já documentado. Essa intensificação do calor não passou despercebida pelos brasileiros, que sentiram diretamente os efeitos dessas mudanças climáticas. De acordo com dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), vinculado ao Governo Federal, o país enfrentou pelo menos nove ondas de calor ao longo do ano passado. Essas ondas são caracterizadas por períodos nos quais a temperatura máxima diária excede a média mensal em mais de 5°C, persistindo por pelo menos cinco dias consecutivos.

arborização urbana de Belo Horizonte
Praça da Liberdade, situada na região nobre da Savassi, em Belo Horizonte. Foto: Unesp.

Diante do desafio de adaptar nosso modo de vida a essas condições climáticas cada vez mais extremas e desconfortáveis, urbanistas e pesquisadores estão direcionando sua atenção para elementos e estratégias capazes de mitigar os impactos das ondas de calor nas grandes cidades. Um desses elementos é a arborização urbana.

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Especialistas destacam que a presença de árvores nas áreas públicas desempenha um papel crucial no equilíbrio do clima urbano, principalmente por meio da absorção de gases de efeito estufa, do sombreamento proporcionado pelas copas das árvores e do processo de evapotranspiração das folhas. Além disso, a presença de vegetação ajuda a retardar o escoamento da água da chuva e torna o ambiente viário mais agradável esteticamente, convidando os cidadãos a usufruir desses espaços.

Crianças e idosos, os mais vulneráveis

Recentemente, pesquisadores ligados ao Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação e ao Centro de Estudos Ambientais da Unesp, no campus de Rio Claro, em colaboração com a Universidade de Oxford, conduziram uma análise sobre a arborização urbana na cidade de Belo Horizonte, a sexta maior capital do Brasil. No decorrer do último ano, a capital mineira enfrentou quatro ondas de calor, sendo que em uma delas, em setembro, foi registrada a temperatura mais alta já observada em sua história: 38,6°C.

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Crianças e idosos emergem como os grupos mais vulneráveis quando se trata de enfrentar os rigores do calor prolongado e da exposição solar. Enquanto o calor intenso afeta a todos, esses dois grupos demandam atenção especial devido às suas particularidades e susceptibilidades a complicações de saúde, como desidratação e hipertermia. Os idosos, em virtude de suas dificuldades naturais em regular a temperatura corporal, estão sujeitos a complicações cardiovasculares e quadros de hipertermia. Por outro lado, as crianças, muitas vezes envolvidas em atividades ao ar livre, estão mais propensas a sofrerem com a exposição excessiva ao sol, o que pode resultar em casos de insolação e desidratação.

Ao mapear a distribuição desses grupos vulneráveis nos bairros da cidade, os pesquisadores procuraram identificar padrões de arborização que poderiam impactar sua exposição ao calor. Descobriu-se que, em áreas onde a população idosa é mais concentrada, há uma escassez de árvores nas ruas. Por sua vez, as regiões com uma densidade maior de crianças tendem a possuir árvores com copas de menor dimensão, característica comum em plantas jovens ou espécies com dosséis reduzidos, como as palmeiras.

Serviços Ecossistemicos e as árvores urbanas

O pós-doutorando da Unesp, João Carlos Pena, principal autor do estudo publicado na revista Urban Forestry & Urban Greening, ressalta a importância dessas descobertas para orientar políticas públicas futuras. Embora a correlação entre distribuição populacional e arborização não denote uma relação direta de causa e efeito, oferece insights valiosos para os gestores municipais. Por exemplo, pode ajudar na identificação de áreas prioritárias para o plantio de árvores, contribuindo assim para o bem-estar e saúde dessas populações vulneráveis.

Além disso, estudos anteriores, como um conduzido na cidade de São Paulo, destacam que bairros com maior cobertura vegetal tendem a registrar menos hospitalizações por problemas cardiovasculares, algo que afeta principalmente os idosos. Portanto, políticas públicas direcionadas a esses grupos vulneráveis estão em consonância com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11, que visa construir cidades mais sustentáveis.

A pesquisa também evidenciou uma disparidade socioeconômica na distribuição de árvores na capital mineira, com regiões de menor poder aquisitivo apresentando menor quantidade de vegetação urbana. Isso reforça o que a literatura denomina de “efeito do luxo”, indicando que o acesso a espaços verdes pode estar correlacionado com o poder econômico dos moradores de determinada região.

arborização urbana de Belo Horizonte

O termo “luxury effect” surgiu pela primeira vez em 2013 para descrever um fenômeno observado em várias partes do mundo, incluindo cidades latino-americanas como Belo Horizonte. Este fenômeno refere-se à tendência de áreas urbanas habitadas por grupos étnicos ou socioeconômicos específicos, como famílias de baixa renda, receberem menos investimentos em arborização e infraestrutura verde. Segundo João Carlos Pena, esse padrão de desigualdade está intrinsecamente ligado à falta de planejamento urbano e investimento insuficiente em infraestrutura, especialmente em regiões periféricas e economicamente desfavorecidas.

Acesso desigual a infraestrutura verde da cidade

Apesar da crença comum de que comunidades periféricas possuem acesso garantido a elementos naturais devido à sua proximidade com áreas verdes, os dados revelam uma realidade diferente. Embora essas comunidades possam estar localizadas em áreas próximas a remanescentes florestais ou unidades de conservação, na prática, essas áreas verdes muitas vezes não são acessíveis ou não oferecem as mesmas vantagens que uma estrutura verde planejada, como parques e praças. Enquanto isso, os bairros mais abastados tendem a desfrutar de melhor acesso a esses espaços de lazer e recreação.

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Para compreender melhor a relação entre as características socioeconômicas da cidade e a distribuição de árvores, os pesquisadores utilizaram dados do último censo, realizado em 2010, e um inventário das árvores de Belo Horizonte, realizado entre 2012 e 2016. No entanto, o levantamento arbóreo abrangeu apenas uma parte das regiões administrativas da cidade, limitando o escopo do estudo e excluindo algumas comunidades e favelas. Mesmo assim, o estudo conseguiu cobrir uma parcela significativa do território da cidade, onde reside a maioria da população.

Vista aérea da Praça Carlos Chagas, em Belo Horizonte, cujos jardins foram projetados por Burle Marx. Foto: Unesp.

Apesar de ser uma amostragem incompleta, o inventário engloba mais de 250 mil árvores, fornecendo dados cruciais sobre cada uma, incluindo nome científico e popular, coordenadas geográficas, medidas da copa e do tronco, conflitos com calçadas ou fiação aérea, e o estado de saúde das plantas. João Carlos Pena destaca que Belo Horizonte é uma capital que disponibiliza uma grande quantidade de dados geoespaciais, com órgãos como a Prodabel fornecendo informações sobre a altura dos edifícios, o uso dos lotes, a localização de postes de luz e o relevo do terreno. Anteriormente, em um trabalho relacionado, Pena combinou esses dados com observações de campo para entender melhor como as aves urbanas interagem com a paisagem da cidade, publicando os resultados em um artigo na revista Landscape and Urban Planning no ano passado.

O estudo recentemente publicado revelou a presença de 559 espécies diferentes de árvores em Belo Horizonte. No entanto, essa diversidade é desequilibrada, com apenas 144 espécies respondendo por mais de 244 mil árvores, o que representa 93% dos indivíduos contabilizados. Esse padrão de concentração em poucas espécies pode levar a problemas fitossanitários, onde um único problema pode afetar significativamente um grande número de árvores. Pena ressalta a importância de equilibrar melhor essas populações, mas reconhece que a cidade apresenta uma mistura adequada de espécies nativas e exóticas.

Entre as espécies mais comuns nas ruas da capital, seis são árvores não-nativas, com destaque para a murta. No entanto, espécies nativas como a sibipiruna, o jerivá e a quaresmeira também são amplamente utilizadas na arborização urbana. Pena enfatiza a importância de considerar não apenas a origem da espécie, mas também sua adaptação ao ambiente urbano e potenciais impactos, como danos às calçadas.

Ele expressa a esperança de que a população reconheça a importância crucial da arborização urbana e da estrutura verde em face das mudanças climáticas. Destaca-se que as cidades desempenham um papel fundamental na crise climática atual e devem ser parte da solução, não apenas do problema.

Fonte: Jornal da Unesp

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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