Imagine a possibilidade de cultivar uma única planta capaz de gerar óleo vegetal e biocombustível sustentável para aviação, além de apresentar elevada produtividade em seu plantio. Essa planta, a macaúba (Acrocomia aculeata), uma palmeira nativa do Brasil com 25 metros de altura, oferece um cenário promissor para a descarbonização de setores como aviação e agricultura.
A macaúba destaca-se estrategicamente em relação às principais espécies utilizadas na produção de biocombustíveis e óleo vegetal atualmente, a soja e o dendê. Em termos de produtividade, a macaúba supera a soja, produzindo aproximadamente 4 mil quilos de óleo por hectare, enquanto a soja alcança cerca de 500 quilos por hectare, mesmo sem melhoramento genético.
Um estudo encomendado pela WWF Brasil, conduzido pela Atrium Forest em 2022, confirmou que a macaúba tem capacidade para atender de forma sustentável à crescente demanda por biodiesel, sem exigir mudanças no uso da terra ou reduzir o rendimento das pastagens. Além disso, a macaúba apresenta a vantagem adicional de recuperar terras degradadas, contribuindo para a preservação da Amazônia e gerando subprodutos como proteínas vegetais, ração animal e produtos cosméticos, juntamente com a geração de créditos de carbono.
Comparada à palma (dendê), a produtividade da macaúba é semelhante, mas sua adaptabilidade a diversos solos e climas brasileiros, incluindo pastagens degradadas, a coloca em vantagem. Enquanto a palma, originária da África, é limitada a ambientes quentes e úmidos, gerando pressão sobre o bioma amazônico.
Diante desse potencial, empresas e startups internacionais estão investindo na macaúba. Durante a COP28, a Acelen Renováveis, ligada ao governo dos Emirados Árabes Unidos, anunciou um investimento de R$ 10 bilhões no Brasil para a produção de combustível sustentável para aviação a partir da macaúba. Startups como S.Oleum e Inocas também estão envolvidas em projetos ambiciosos para plantar extensas áreas de macaúba, contribuindo para a recuperação de terras degradadas no Cerrado.
Uma velha conhecida
O potencial da macaúba não é uma descoberta recente. De acordo com Sérgio Motoike, engenheiro agrônomo e pioneiro nas pesquisas sobre a utilização da macaúba no Brasil, a exploração dessa palmeira remonta pelo menos à década de 1930. Nesse período, o óleo extraído de seus frutos começou a ser empregado como substituto da banha, sendo amplamente utilizado na produção de sabão e até mesmo exportado pelo Brasil. No entanto, na década de 70, a macaúba perdeu espaço para um concorrente que rapidamente dominou o mercado de óleos vegetais.
“Por volta de 1970, a soja entrou em cena, sendo cultivada de maneira mais organizada, e a qualidade de seu óleo superou a da macaúba. O fruto da macaúba, de origem extrativista, demandava um processo de aproveitamento mais demorado, resultando em considerável desperdício. Enquanto isso, a soja já contava com maquinário que garantia a produção de óleo de alta qualidade”, explica o pesquisador.
Essa expansão da soja, no entanto, teve um alto custo ambiental, contribuindo significativamente para ondas de desmatamento no Brasil. Entre 1985 e 2021, a soja ocupou 10% do Cerrado, tornando-se a principal responsável pela perda de 27,9 milhões de hectares de vegetação nativa no bioma, conforme dados do MapBiomas.
O dendê compartilha uma história semelhante, desencadeando uma devastação considerável na Indonésia. Entre 2001 e 2019, essa espécie foi responsável por uma destruição estimada em 3,09 milhões de hectares, correspondendo a um terço do desmatamento observado no país durante esse período.
No Brasil, a expansão do dendê começou na década de 2010, incentivada pelo governo como alternativa para produtores rurais e estratégia de recuperação de pastos degradados na Amazônia. No entanto, especialistas alertam que essa espécie exerce pressão sobre o bioma amazônico, levando pecuaristas a adentrarem mais profundamente na floresta, além de causar conflitos em fronteiras com Terras Indígenas e outras comunidades tradicionais.
Conforme os problemas socioambientais dessas culturas se tornaram evidentes, a macaúba, assim como outras espécies, como a mamona, foi redescoberta. No entanto, a adoção em larga escala enfrentou desafios, principalmente relacionados à dificuldade de germinação das sementes para o plantio induzido. O grupo liderado por Motoike dedicou-se a resolver esse obstáculo, culminando em 2007 com o desenvolvimento de uma técnica eficaz que possibilita o estabelecimento de um ciclo de aproveitamento sustentável da macaúba em grande escala.
“Desde então, muitos estudos foram conduzidos, desenvolvendo formas de adubação e otimização da produção. Hoje, a macaúba pode ser plantada de maneira eficiente e sustentável”, afirma Motoike, que liderou a criação do principal banco de germoplasma de macaúba existente no Brasil, fornecendo uma variedade de materiais genéticos explorados por empresas interessadas nessa promissora cultura.
Os defensores da macaúba argumentam que ela pode ser muito mais eficiente do que o dendê na recuperação de pastagens degradadas. Segundo Sérgio Motoike, a diferença crucial entre as duas está na exigência hídrica, já que a macaúba pode ser cultivada em locais onde o dendê não seria viável. O dilema do dendê, causado pelo crescimento desenfreado da produção de óleo devido à demanda mundial, tornou-se uma preocupação global, sendo a macaúba apontada como a única alternativa viável para substituir o óleo de dendê.
O potencial da macaúba não se limita apenas ao aspecto ambiental; ele também possui relevância econômica. A startup S.Oleum, por exemplo, planeja plantar 180 mil hectares de macaúba no Cerrado, especialmente nas regiões central e noroeste de Minas Gerais, até 2029. A estratégia inclui a instalação de unidades de processamento próximas aos centros de produção, visando explorar as múltiplas possibilidades oferecidas pela macaúba, incluindo produtos alimentícios, cosméticos e, predominantemente, biocombustíveis.
Felipe Morbi, cofundador e vice-presidente da S.Oleum, destaca a variedade de coprodutos da macaúba como um diferencial significativo para o investimento. Além dos dois tipos de óleo, a macaúba gera biomassas com características diversas, proteínas, amido, celulose, entre outros. Em comparação, a soja e a palma produzem apenas óleo e farelo, enquanto a macaúba oferece a oportunidade de criar uma gama mais ampla de produtos.
A Acelen Renováveis, financiada pelos Emirados Árabes, está investindo R$ 12 bilhões por meio do programa Seed to Fuel para produzir a partir da macaúba um combustível sustentável para aviação (SAF), considerado uma das soluções ambientais mais promissoras da atualidade. Yuri Orse, diretor de novos negócios da empresa, destaca a alta produtividade de óleo da macaúba como um fator crucial para avançar com combustíveis renováveis, ressaltando seu uso eficiente de água e solo, perenidade no Brasil e adaptação a regiões mais secas, contribuindo para a recuperação da biodiversidade e gerando impactos sociais e econômicos positivos. A macaúba, portanto, é vista como uma solução sustentável e eficiente a longo prazo para a crescente demanda projetada.
O plano ambicioso da Acelen visa produzir 1 bilhão de litros de combustível sustentável para aviação (SAF), com a expectativa de reduzir até 80% das emissões de CO2 ao substituir os combustíveis fósseis nas aeronaves. Em 2023, a produção global desses combustíveis sustentáveis atingiu 600 milhões de litros, conforme dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA). Embora a produção deva triplicar este ano, ainda representará menos de 1% do total de combustível utilizado pela aviação, um setor intensamente instado a ser mais ambicioso em suas metas de descarbonização.
No entanto, todos esses projetos são de longo prazo, uma vez que a macaúba leva cinco anos após o plantio para começar a dar frutos. Os testes com plantações em larga escala ainda são limitados, destacando desafios que a expansão sistemática dessa espécie enfrentará.
Ambientalistas e pesquisadores ressaltam que não adianta promover a macaúba como substituta de outras culturas se ela repetir os problemas ambientais de suas predecessoras. Um desafio crucial é resistir à tentação de criar uma nova rede de monocultura, como ocorreu com a soja, ou gerar pressão por mais desmatamento, como aconteceu com o dendê.
Ricardo Fujii, especialista em conservação da WWF Brasil, alerta sobre a necessidade de estudos adicionais sobre a utilização industrial e semi-industrial da macaúba. Ele destaca que a produção em larga escala de milhões de litros por ano levanta a questão crucial de como domesticar eficientemente essa espécie, considerando que a monocultura é desaconselhada devido à perda dos serviços ecossistêmicos.
A startup Inocas, fundada em 2015 e com mais de 2 mil hectares de macaúba plantados, está ciente dessa preocupação. A empresa busca aliar o plantio da macaúba à pecuária, aproveitando os benefícios mútuos entre as duas atividades, como sombra para os bois, melhoria do solo do pasto, utilização da “torta” resultante da macaúba como ração para os animais e redução da necessidade de abrir novas áreas para ambas as atividades. Essa abordagem visa integrar de maneira sustentável a produção de macaúba com outras práticas agrícolas.
A Inocas, ao entender que a macaúba consorciada com pastagem cria um sistema de “dois andares” no campo, destaca a capacidade dessa abordagem em manter o uso do solo sem desmatamento ou abertura de novas áreas, alcançando uma produtividade notável. Johannes Zimpel, diretor executivo da empresa, estima que essa prática, aplicada aos pastos degradados do Brasil em conjunto com a agricultura familiar, poderia aumentar a oferta mundial de óleo vegetal em 50%, sem a necessidade de expandir áreas cultivadas ou desmatar.
Zimpel ressalta a importância de evitar a monocultura para a produção de combustível sustentável para aviação, pois a sustentabilidade seria comprometida. Ele destaca que algumas culturas alegam não causar desmatamento, pois substituem áreas já ocupadas por pasto. No entanto, ele argumenta que essa prática muitas vezes leva ao avanço do gado em direção à floresta, atribuindo ao dendê uma responsabilidade indireta pelo desmatamento na Amazônia.
Além da pecuária, a macaúba pode ser associada ao cultivo de outras espécies agrícolas, proporcionando um efeito ecossistêmico e melhorando o rendimento de culturas como a soja. Sérgio Motoike sugere a intercalação de fileiras de macaúba com áreas de soja, promovendo a rotação de culturas e melhorando o solo, além de reduzir problemas relacionados a pragas ao atrair mais pássaros para a região.
A S.Oleum e a Acelen também exploram essas práticas associadas de plantação. A S.Oleum realizou experimentos intercalando a macaúba com outras espécies, obtendo produtividade elevada e um ambiente mais equilibrado ambiental e economicamente. A Acelen planeja associar a macaúba a pastos e outras culturas em parte de sua área plantada, em colaboração com agricultores familiares.
No entanto, os agricultores representam um desafio significativo para esses projetos, já que precisam introduzir uma nova espécie em suas produções, cujos resultados em larga escala ainda não são totalmente conhecidos. Convencer os produtores a adotarem uma ideia nova e inovadora não é fácil, mas Johannes Zimpel destaca a importância de identificar agricultores empreendedores que possam liderar o caminho, mostrando aos seus pares que a ideia é viável. O desafio é grande, mas a expectativa é que o sucesso em pequena escala possa inspirar outros a adotarem práticas mais sustentáveis.
Fonte: Um só Planeta
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