Sistemas baseados em Inteligência Artificial podem monitorar travessia de animais em rodovias

Sistemas baseados em inteligência artificial (IA) que detectam objetos em movimento podem ser adaptados e treinados para monitorar a travessia de animais em estradas brasileiras. Além de classificar automaticamente as espécies atropeladas com maior frequência, modelos desse tipo, se devidamente refinados e instalados em dispositivos eletrônicos, poderiam emitir alertas quase instantâneos sobre a presença de bichos em trechos vigiados das rodovias.

Sistemas baseados em IA podem monitorar animais em rodovias
Cerca de 5 milhões de animais de grande porte são mortos anualmente nas rodovias brasileiras, segundo estimativas do Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas. Paulo Baqueta / Getty Images

Esses são os principais resultados de um trabalho coordenado por pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação de São Carlos da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), que analisou o desempenho de 14 versões de sistemas baseados na arquitetura Yolo (You only look once), utilizada para identificar e delimitar a localização de objetos específicos (animais, no caso) em uma imagem ou vídeo. O estudo foi publicado em janeiro na revista Scientific Reports.

Nenhuma variante dos modelos desempenhou com perfeição essas tarefas quando confrontada com registros de cinco classes de animais silvestres que os algoritmos aprenderam a reconhecer: anta, jaguarundi (felino), lobo-guará, onça-parda e tamanduá-bandeira. Mas algumas versões dos sistemas, como a Scaled-YoloV4, obtiveram desempenho superior a 85% na maior parte das situações. “Estudos comparativos são importantes para determinar qual é o tempo de resposta necessário para que esses sistemas funcionem de forma eficiente nas estradas, um cenário que envolve veículos em alta velocidade, e avaliar sua viabilidade de implantação”, comenta o cientista da computação Rodolfo Meneguette, chefe do grupo de pesquisa.

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Os testes foram feitos em computadores diminutos, do modelo Raspberry Pi 4, que pesam cerca de 50 gramas e apresentam especificações modestas. Por ter tamanho reduzido e custar pouco, esse tipo de dispositivo poderia, teoricamente, ser usado em sistemas instalados nas rodovias que tenham conexão Wi-Fi de internet. O microcomputador faria localmente a análise e a classificação das imagens captadas e transmitiria pela internet apenas seu veredito (se há ou não um animal na pista) a um sistema mantido em nuvem. Essa estrutura externa é que teria a missão de disparar, quase em tempo real, algum tipo de aviso a motoristas circulando pela estrada.

Segundo estimativas do Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas (CBEE), ligado à Universidade Federal de Lavras (Ufla), de Minas Gerais, cerca de 5 milhões de animais de grande porte, como capivaras, onças, macacos e lobos-guará, são mortos anualmente nas estradas brasileiras.

Para treinar os sistemas da arquitetura Yolo a reconhecer especificamente esses cinco animais, os pesquisadores criaram um banco de dados, denominado BRA-Dataset, com 1.458 imagens das espécies. O banco é formado por registros dos bichos encontrados em fontes gratuitas na internet com o emprego do buscador Google Imagens. Para testar com qual velocidade os modelos Yolo conseguiam reconhecer os animais, foram utilizados vídeos das espécies feitos pelos autores do estudo no Parque Ecológico de São Carlos, além de filmagens gratuitas disponíveis na internet.

Três exemplos de resultados fornecidos pelos sistemas de análise que delimitam e classificam animais silvestres em imagens. BRA-Dataset

A arquitetura Yolo mistura processamento de imagens e inteligência artificial para formar redes neurais convolucionais, muito usadas na área de visão computacional. “Essa abordagem permite que a máquina, ao receber novas imagens ou vídeos, compare as características aprendidas com as classes predefinidas”, explica o cientista da computação Gabriel Ferrante, primeiro autor do artigo, que, sob orientação de Meneguette, defendeu dissertação de mestrado em 2023 sobre o tema no ICMC-USP.

Esse tipo de rede divide uma imagem parada ou em movimento (vídeo) em partes menores, em conjuntos de pixels (pontos) que serão transformados em dados numéricos. Por meio de cálculos matemáticos e probabilísticos, tais dados são usados para classificar, com determinado grau de certeza, que tipo de objeto aparece na imagem e qual sua localização no registro.

No trabalho com os animais que atravessam estradas, os sistemas Yolo forneceram resultados como os que aparecem nas fotos menores desta reportagem. Ele traçou linhas retas em torno da espécie reconhecida, formando um quadrado ou um retângulo, e a classificou como sendo de uma das cinco classes que aprendeu a reconhecer. No final do processamento, aparece na imagem o nome do bicho que o modelo reconheceu, seguido de um número entre 0 e 1. Por exemplo, a expressão “anta 0,90” significa que o sistema tem 90% de certeza que o objeto delimitado na imagem pertence a essa classe.

“Testamos diferentes modelos da arquitetura Yolo para tentar entender qual deles poderia ser ideal para contextos específicos”, comenta o cientista da computação Luís Nakamura, do campus de Catanduva do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), coautor do artigo. Mesmo depois de terem sido treinados, os sistemas são imprecisos para distinguir os animais em cenários desafiadores, como quando estão encobertos por outros objetos, aparecem camuflados na paisagem ou se encontram muito distantes.

“Para entender os padrões dos pixels de uma imagem, os modelos de redes neurais convolucionais escaneiam, em sequência, partes desse registro”, explica Ferrante. “Se o ambiente interfere no reconhecimento de características visuais importantes, como bordas, texturas e cores, os modelos apresentam dificuldade para classificar e definir a área de um possível objeto.”

Sistemas que trabalham com imagens no comprimento da luz visível não se prestam para vigilância noturna ou em condições de baixa visibilidade. Nesses casos, talvez a adoção de câmeras que operam no infravermelho e são capazes de “ver” no escuro possa ser uma alternativa. Essa abordagem, no entanto, não foi testada no trabalho.

Para o cientista de dados Alexandre de Siqueira, que não participou do trabalho, um próximo passo desse tipo de pesquisa seria ampliar o número de espécies animais cobertas pelo banco de dados usado para treinar os sistemas. “Se essa tecnologia for instalada em câmeras estáticas, seria possível observar, por exemplo, se há espécies migrando entre as diferentes regiões do país”, diz Siqueira, que atuou no Berkeley Institute for Data Science (Bids), da Universidade da Califórnia, entre 2019 e 2022. “Também seria importante testar redes com arquiteturas diferentes da Yolo para avaliar qual a mais rápida ou a mais barata, dependendo do propósito da aplicação.”

Projetos
1. Serviços para um sistema de transporte inteligente (n° 20/07162-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Rodolfo Meneguette (USP); Investimento R$ 146.438,83.
2. Gerenciamento de recursos dinâmicos para aplicativos de sistema de transporte inteligente (nº 22/00660-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Programa Sprint; Convênio Universidade de Manchester; Pesquisador responsável Rodolfo Meneguette (USP); Investimento R$ 64.930,00.

Artigo científico
FERRANTE, J. S. et al. Evaluating Yolo architectures for detecting road killed endangered Brazilian animals. Scientific Reports. 16 jan. 2024.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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