Você sabia que laranja, mamão, banana, melancia, uva, morango e grande parte das frutas que recheiam as gôndolas dos supermercados são produzidas no Brasil, mas não são brasileiras? A maioria das frutas que compõe nossa alimentação não são nativas da nossa biodiversidade nacional. Apesar de a Mata Atlântica ter sido amplamente degradada, restando apenas 12% de sua cobertura original, este bioma ainda guarda uma incrível diversidade de animais e plantas com uma vasta coleção de frutas nativas ainda desconhecidas do grande público. Entre as principais espécies com potencial comercial, podemos citar palmeira juçara, grumixama, guabiroba, cereja-do-rio-grande, uvaia e tantas outras ainda desconhecidas ou inexploradas. São cores, sabores e nutrientes que poderiam estar na mesa de todos os brasileiros, de uma forma muito mais democrática, mas ainda seguem sendo cultivados apenas em pequena escala ou nos quintais de algumas poucas pessoas “sortudas”.
A produção comercial de alimentos em grande escala é realizada em sistemas de monocultivo, que envolvem a utilização de grandes áreas sem cobertura vegetal nativa ou com áreas desmatadas ilegalmente como uma forma de simplificação da natureza. Esses cultivos só são viáveis depois de concluir complexos processos de melhoramento genético, visando selecionar apenas um grupo de plantas com as características desejáveis, como frutos mais doces, de maior tamanho, mais resistentes às pragas e doenças e com alto uso de insumos químicos e agrotóxicos. Esse modelo de produção contrasta com a complexidade da vegetação tropical que possui uma avançada tecnologia capaz de otimizar o uso da água, a fixação de carbono, manutenção da fertilidade natural dos solos e a permissão para que a produção de alimentos seja aliada à conservação da biodiversidade na Mata Atlântica por meio dos sistemas agroflorestais.
Reflorestamento agroflorestais: mudando o panorama brasileiro
Os Sistemas Agroflorestais (SAFs), ou agroflorestas, não são uma novidade, já que se baseiam em um conjunto de técnicas ancestrais de cultivo que visam replicar a lógica de funcionamento das áreas tropicais em um ambiente produtivo composto por espécies agrícolas e florestais. Nas agroflorestas, diferente do cenário dos monocultivos, o grande trunfo é a biodiversidade. Nesses sistemas, as plantas cooperam entre si. As de crescimento mais rápido e ciclo de vida mais curto criam sombra e condição para que as mais exigentes se estabeleçam. Muitas das espécies nativas, como a palmeira juçara, só sobrevivem em “meia sombra” enquanto são jovens e precisam de ambientes sombreados para expressar todo seu potencial produtivo. A juçara é uma palmeira nativa da Mata Atlântica que sofre com a pressão do desmatamento e corte seletivo para extração de palmito. O palmito oriundo da juçara possui um valor comercial ínfimo se comparado ao valor dela em pé, pois é o seu fruto que lhe agrega valor. É dali que se extrai uma polpa que é muito semelhante ao açaí amazônico, ainda mais rico em antioxidantes e com menos emissão de carbono, já que pode ser produzida próxima ao mercado consumidor do eixo sul-sudeste. A palmeira juçara está em risco de extinção, o que faz com que sua extração em florestas nativas só seja possível mediante autorização dos órgãos ambientais competentes. Mas é nos sistemas agroflorestais que a juçara produz mais frutos, pois o arranjo das plantas permite uma entrada mais homogênea de luz, o que resulta em um porte mais baixo, facilitando a colheita e aumentando a lucratividade.
As áreas nativas são provedoras de incontáveis serviços ecossistêmicos, que são benefícios que as florestas oferecem de forma gratuita a todos os cidadãos, tornando a vida possível, como produção de água, fertilidade dos solos, polinização, entre outros. A sua preservação depende não só da criação e manutenção de Unidades de Conservação intocadas ou de uso sustentável em áreas remanescentes, mas também da composição de um mosaico entre áreas nativas e área de produção sustentável que permitam que animais transitem entre elas e transportem pólen e sementes de um lugar ao outro. Ou seja: não precisamos apenas de ilhas de floresta preservada, mas da criação de paisagens permeáveis, interligadas e em harmonia com a conservação da biodiversidade.
Estudo revela alto risco de extinção para árvores da Mata Atlântica | Florestal Brasil
As agroflorestas cumprem muito bem o papel de ocupar os espaços vazios na paisagem e diminuem potencialmente a busca por recursos em remanescentes de áreas nativas que deveriam estar preservadas. Esses sistemas beneficiam a presença de pássaros, insetos e pequenos mamíferos e também servem como ponto de passagem para animais maiores que necessitam de grandes áreas para se estabelecerem, sendo importantes elos de ligação entre os fragmentos de área nativa, além de geraram renda e melhorarem a segurança alimentar dos agricultores que aderem a esta forma de cultivo.
A criação e a manutenção de paisagens sustentáveis dependem de iniciativas que busquem o equilíbrio entre a preservação da natureza e a geração de alternativas produtivas para a comunidade. Nesse sentido, a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), uma organização do terceiro setor que atua há 40 anos no litoral do Paraná, desenvolve um projeto que alia a produção de frutas nativas em agroflorestas, o enriquecimento de florestas secundárias e a restauração vegetal de áreas degradadas que atingem um total de mais de 800 hectares e já tem mais de 150 mil mudas plantadas. O impacto na comunidade pode ser observado com a geração de mais de 30 empregos diretos na pequena cidade de Antonina, no litoral do Paraná, a capacitação de mais de cem pessoas em restauração vegetal e produção de espécies frutíferas nativas em sistemas agroflorestais. O projeto é uma ação do estado brasileiro, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), no contexto da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, no âmbito da Iniciativa Internacional de Proteção ao Clima (IKI) do Ministério do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha (BMU). O módulo de cooperação financeira, por meio do KfW Entwicklungsbank (Banco Alemão de Desenvolvimento) e intermédio do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), foi estruturado em duas fases: sendo a primeira de 2014 a 2019 e a segunda, que ocorreu até dezembro de 2023.
Os trabalhos são desenvolvidos nas três reservas da SPVS, localizadas em Antonina e Guaraqueçaba, no litoral do Paraná: Reserva Natural das Águas, Reserva Natural Guaricica e Reserva Natural Papagaio-do-Peito-Roxo. O território fica compreendido pela Grande Reserva Mata Atlântica, um corredor ecológico que vai do sul do estado de São Paulo, passando pelo litoral do Paraná até atingir o norte de Santa Catarina. A área tem quase três milhões de hectares terrestres, cerca de 2,1 milhões de hectares de área marinha e conta com mais de 110 unidades de conservação. Essa iniciativa de desenvolvimento regional também conta com a colaboração de mais de 700 pessoas, empresas, instituições e poder público que, por meio da atuação de uma Rede de Portais, estão unidas e dispostas a transformar a realidade desse extenso território com enorme potencial turístico, cultural e ecológico.
A preservação dos remanescentes de florestas nativas da Mata Atlântica é tão importante quanto à criação de alternativas econômicas sustentáveis para as áreas degradadas, garantindo a permanência das pessoas no campo com condições dignas de sobrevivência e a consequente redução da pressão sobre as áreas naturais. Somente assim as áreas protegidas, antes vistas como empecilho do desenvolvimento da região, poderão fazer parte de uma economia restaurativa e serem enxergadas como valiosos ativos capazes de atrair pessoas para visitá-las e desfrutarem de uma rica gastronomia regional, da hospitalidade das comunidades tradicionais e pequenos negócios que formam esse território único que liga a região sudeste ao sul do Brasil.
Fonte: ((o))eco
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