Recaatingamento: salvando o semiárido de virar deserto

O recaatingamento pode ser entendido como o ato recuperar o bioma Caatinga. Essa palavra pode não ser comum, mas ela representa aqueles que habitam esse ecossistema, pois querem cuidar do semiárido antes que vire um completo deserto.

Nos vastos territórios do norte da Bahia, a ideia de cercar a mata era impensável. De acordo com a tradição que orienta as comunidades de fundo de pasto, a Caatinga pertence a todos: desde os umbuzeiros até os mandacarus, tudo ali deve permanecer de livre acesso para o pleno aproveitamento de seus recursos. Fundo de pasto representa uma área de vegetação nativa preservada ao longo das gerações, permitindo que todos possam criar bodes, colher frutos e extrair ervas em conjunto. Isso era uma realidade constante em Lages das Aroeiras, uma comunidade na zona rural de Uauá. No entanto, tudo começou a mudar quando a Caatinga começou a definhar.

“A Caatinga morreu muito”, afirma Waldemar Cardoso da Silva, 75 anos, sob a sombra de uma das raras imburanas centenárias que ainda resistem em Lages das Aroeiras. O mesmo acontece com baraúnas, quixabeiras e até mesmo as aroeiras, que emprestam seu nome à comunidade: “é preciso andar muito para encontrar um exemplar”. Todas essas árvores eram imponentes, “que flutuavam”, conforme descreve Waldemar, com copas exuberantes que, no passado, tornavam impossível ver uma casa distante devido à densidade da Caatinga.

Quando Waldemar, habitante de Lages das Aroeiras desde seu nascimento, menciona uma Caatinga morta, sugere-se que, no passado, existia uma Caatinga viva. Isso desafia a concepção comum de que o semiárido nordestino é uma terra hostil, desprovida de vida. A evidência contrária está no fato de que esta é a região semiárida mais populosa do mundo, lar de 28 milhões de pessoas, e de toda a riqueza cultural que se desenvolveu aqui.

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Além disso, é o semiárido mais chuvoso do planeta, embora as chuvas estejam irregularmente distribuídas ao longo do ano, ocorrendo apenas durante quatro meses; o restante do tempo é marcado pela estiagem. Apesar do solo geralmente raso e pedregoso, o bioma exclusivamente brasileiro abriga 3.150 espécies vegetais, sendo um quinto delas endêmicas. Essa diversidade permite que aproximadamente 1.400 espécies de vertebrados, incluindo 548 espécies de aves e 183 de mamíferos, encontrem seu habitat nesse ecossistema.

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Essa convivência é possível porque todos, sejam vegetais, animais ou humanos, aprenderam a enfrentar um clima desafiador, onde o sol facilmente faz com que a água sobre a terra evapore. Para evitar a sede, as plantas desenvolveram maneiras de armazenar água durante os meses secos, aprimoraram suas raízes para absorver a máxima umidade do solo e se adaptaram a perder suas folhas para evitar a transpiração. Esse fenômeno, durante a estiagem, confere à Caatinga a tonalidade cinza que originou seu nome tupi, “mata branca”. Com as primeiras chuvas, o cenário se reverdece.

No entanto, a população humana na região da Caatinga tem enfrentado escassez de água e fome por mais de um século, devido ao que ficou conhecido como a “indústria da seca”. Isso envolve o desvio de verbas federais destinadas ao alívio dos impactos climáticos para a construção de poços e açudes nas terras dos grandes proprietários. Se não fosse por esse desvio, o acesso universal a sistemas simples, mas eficazes, de captação, armazenamento e reuso de água, como as cisternas, seria suficiente para manter toda a comunidade viva. Além disso, é crucial compreender que a vocação do sertão, como é comum em semiáridos ao redor do mundo, é mais adequada para a criação de animais do que para a agricultura.

“Vaca morre, roça acaba, mas a cabra sempre sobrevive”, destaca José Moacir dos Santos, presidente do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), uma das organizações mais importantes da Bahia dedicadas à convivência com o semiárido, fundada em 1990. Moacir explica que, desde os primeiros dias da colonização do sertão, o foco estava na criação de gado e em seu papel de abastecer carne para as cidades e engenhos do litoral. “A cabra era criada apenas para a subsistência da família do vaqueiro. Era a vaca dos menos abastados. No entanto, a seca foi dizimando o gado, e a cabra continuou sobrevivendo.”

A abundância de caprinos e ovinos no sertão é possível porque a vegetação da Caatinga fornece todo o alimento necessário para sustentar esses rebanhos, especialmente durante os meses secos e em áreas que dependem exclusivamente da água da chuva. Nestas regiões, apenas as plantas mais resistentes sobrevivem, sendo uma fonte vital de alimento para os animais.

Entretanto, a atual superpopulação de cabras na região é um desafio significativo. Segundo o IBGE, o Nordeste abriga 95% do rebanho nacional de caprinos, totalizando 11,8 milhões, além de 70% dos 15 milhões de ovinos no país. Esses animais são destinados principalmente à produção de carne e couro, sendo a principal fonte de renda para milhões de famílias na região.

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A situação é complicada pela prática comum de permitir que esses rebanhos vaguem livremente pela Caatinga, sem cercas ou currais, consumindo não apenas a vegetação rasteira, mas também os brotos das árvores, impedindo seu crescimento normal. A ausência de restrições resulta em impactos severos na flora local, como a dificuldade de novas plantas se desenvolverem.

Moacir, presidente do Irpaa, destaca a complexidade da recuperação da Caatinga, cujo processo é lento e pode levar de 20 a 30 anos. Ao contrário da Amazônia, onde a floresta se recupera rapidamente após as chuvas, o semiárido nordestino enfrenta desafios adicionais, como a escassez de chuvas e a qualidade do solo, tornando praticamente inviável o reflorestamento convencional.

Diante desse cenário, o Irpaa propõe o “Recaatingamento”, um projeto iniciado em 2009 que busca recuperar áreas de Caatinga permitindo que a natureza atue de forma autônoma, com mínima intervenção humana. O projeto envolve o cercamento de áreas específicas da Caatinga para proteger a vegetação do pastoreio descontrolado de animais.

Esse método inovador, implementado inicialmente em Lages das Aroeiras e adotado por outras 34 comunidades no norte da Bahia, representa uma mudança de paradigma ao criar cercas para manter os animais afastados, em vez de confiná-los em currais. Atualmente, 1.500 hectares de terras sertanejas já estão cercados como parte desse esforço.

Essa abordagem se beneficia das comunidades de fundo de pasto, um arranjo social tradicional no norte baiano, onde grupos de famílias compartilham áreas de vegetação nativa para pastoreio e extrativismo. Essas comunidades são consideradas as “guardiãs da Caatinga” e desempenham um papel crucial na conservação desse ecossistema único.

O mais recente mapeamento, realizado em 2020, identificou a presença de 966 comunidades autoidentificadas como de fundo e fecho de pasto na Bahia. O termo “fecho” é utilizado quando os rebanhos, geralmente bovinos, são conduzidos para criatórios situados longe da comunidade. Dentro desse conjunto, 252 comunidades possuem algum tipo de regularização fundiária. Até 2013, a titulação dessas terras era vitalícia; desde então, as famílias firmam um Contrato de Concessão de Direito Real de Uso com o governo estadual, com validade de 90 anos, podendo ser prorrogado.

As comunidades envolvidas no projeto de recaatingamento, como são denominadas, também são comunidades de fundo de pasto. Elas abrangem 600 famílias em 14 municípios, responsáveis por mapear o território e escolher as áreas que serão alvo do processo de recaatingamento. Esse processo inclui duas estratégias principais: isolamento ou manejo.

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A área isolada pode ser um segmento de vegetação preservada ou degradada, a decisão é tomada pela própria comunidade. Um exemplo é a área de Lages das Aroeiras, que se tornou uma espécie de museu vivo da Caatinga. Essa região, rica em baraúnas e imburanas ancestrais, com seus galhos proporcionando sombra a jardins de macambiras e xique-xiques, foi cercada há apenas três anos. Dado o ritmo lento de resposta desse ecossistema, é ainda cedo para observar os resultados do recaatingamento nesse bioma peculiar.

Moacir destaca que “a partir de dez anos de isolamento, você percebe mudanças na paisagem”. A primeira transformação evidente é o crescimento das plantas já existentes. Livres da presença constante das cabras, novos brotos se desenvolvem em árvores, lançando sementes no solo que promovem a germinação de outras vegetações. “Observamos também um aumento na quantidade de plantas rasteiras, essenciais para manter o solo coberto e evitar a perda de água por evaporação. Isso cria um ambiente propício para o desenvolvimento de novas plantas”, explica Moacir.

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No contexto do semiárido, onde cada gota d’água é valiosa, o Irpaa instrui as comunidades a realizar ações que otimizam a captação da água da chuva nas áreas isoladas. Uma dessas práticas envolve a construção de barramentos com pedras, que, durante as chuvas, retêm a água nos riachos por mais tempo, permitindo sua infiltração no solo. Waldemar esclarece: “A água que fica parada infiltra. Com o tempo, pode-se formar um manancial no subsolo, facilitando a vida. Além disso, isso contribui para a acumulação de adubo orgânico, favorecendo o crescimento de muitas árvores”.

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Outra técnica empregada é a escarificação, que consiste em criar cortes no solo em áreas de declive, formando curvas de nível. Vanderlei explica: “Antes, a água descia rapidamente, com grande força. Com a escarificação, ela encontra uma curva de nível que reduz a velocidade. Em cada corte, é possível plantar macambiras, que ajudam a reter a água”. Essas práticas visam maximizar a utilização da água da chuva e promover a regeneração do ecossistema de forma sustentável.

Além do isolamento de trechos de Caatinga, o Recaatingamento emprega outra estratégia crucial: o manejo dos fundos de pasto. Essa abordagem visa lidar com os bodes, cabras e ovelhas que continuam pastando em áreas não cercadas. De acordo com a Embrapa, cada caprino ou ovino necessita de 1 hectare de Caatinga para viver bem e permanecer produtivo. “Aí nós temos feito as contas”, resume Vanderlei.

Esse cálculo, conhecido como “capacidade de suporte da área”, considera quantos animais a comunidade possui, o tamanho do território onde pastam e se há alimentação suficiente nesse espaço. Outra área, sem cercas, é designada para o uso sustentável da Caatinga, com o número exato de animais que o local pode sustentar.

Em Lages das Aroeiras, por exemplo, dos 258 hectares totais declarados como fundo de pasto, 189 hectares foram destinados ao manejo (além dos 21 hectares em recuperação). Nas 35 comunidades recaatingueiras da Bahia, já são preservados 40 mil hectares de Caatinga sob esses termos, onde cabras e plantas coexistem em um equilíbrio delicado, sem comprometer a sobrevivência um do outro.

Quanto aos animais que não podem ser acomodados nessas áreas, devido à lógica econômica no sertão, onde reduzir o rebanho implica reduzir a receita, restam duas opções: encontrar novas fontes de renda ou novas fontes de alimento para os animais.

Uma prática incentivada pelo projeto Recaatingamento é a produção de ração para caprinos e ovinos a partir de plantas exóticas, especialmente a palma, um cacto nativo do México. Há uma década, Lages das Aroeiras possui uma Casa de Ração comunitária próxima à área de manejo, onde são elaborados os alimentos que nutrem os aproximadamente 1.800 animais da comunidade.

José Rodrigues Cardoso, conhecido como Carlinhos, presidente da Associação Comunitária e Agropastoril dos Pequenos Produtores de Lages das Aroeiras (Acapplas), explica: “A gente produz tudo aqui: palma, andu, sorgo. E não usa nada de químico, só esterco e água. Os animais agora vêm todos para cá se alimentar. Vêm até sozinhos já.” Essa prática visa garantir a sustentabilidade da comunidade, equilibrando as necessidades econômicas com a preservação ambiental.

A mesma forragem que nutre os rebanhos e alivia a pressão sobre a vegetação da Caatinga também serve como alimento para um grupo selecionado de cabras, todas brancas, trazidas de outras regiões, que vivem no curral próximo à Casa de Ração. Antevendo uma nova fonte de renda, Lages das Aroeiras está agora investindo na produção de leite de cabra.

Embora se espere que a produção de leite de cabra seja comum em uma região com um grande rebanho de caprinos, Moacir explica que as cabras que vivem atualmente no sertão, descendentes das originais trazidas pelos portugueses, tiveram que se adaptar ao semiárido e perderam a capacidade de fornecer leite de qualidade. Portanto, qualquer produção leiteira na região implica a introdução de animais de fora, menos rústicos. Ele destaca: “A cabra de leite precisa de mais cuidado, mais comida. Se soltar uma cabra branca dessas na Caatinga, ela não rende.”

O leite das novas cabras de Lages das Aroeiras agora é destinado à sede da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc), a mais importante cooperativa agroecológica da região, localizada em Uauá. Recentemente, a cooperativa inaugurou um laticínio dedicado à produção de queijos e iogurtes de cabra. Esse é o mesmo destino para os umbus, licuris e maracujás-da-caatinga coletados no fundo de pasto pela comunidade. Esses produtos serão transformados em sucos, geleias, licores e compotas, que serão comercializados em todo o Brasil. Essa diversificação de atividades econômicas contribui para a sustentabilidade da comunidade e valoriza os recursos locais.

“O Recaatingamento incentiva outras atividades que vão gerar renda e fazer com que a família não dependa 100% das cabras soltas na Caatinga”, destaca Moacir. “Em médio prazo, ela pode reduzir o tamanho do rebanho sem perder renda porque ela desenvolveu outras atividades econômicas.”

A diversificação de fontes de renda é particularmente incentivada quando provém do extrativismo de frutas nativas, pois a preservação da Caatinga é crucial para essa atividade. Carlinhos, de Lages das Aroeiras, compartilha que a comunidade já teve uma minifábrica de derivados de frutas, parte de uma iniciativa da Coopercuc para espalhar pequenas unidades de beneficiamento pela zona rural. No entanto, a partir de 2016, com o impeachment da Dilma, a fonte de escoamento, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), foi perdida, resultando no fechamento de várias unidades.

Atualmente, diversas comunidades da região vendem frutas in natura para a fábrica central da Coopercuc. No entanto, Lages das Aroeiras inovou ao reestruturar sua unidade para a produção de picolés de umbu e licuri, que estão sendo distribuídos nas cidades vizinhas e obtendo sucesso. Carlinhos resume: “Tem dado certo”.

O próximo passo é a produção de mel de abelhas nativas, e Lages das Aroeiras já estabeleceu um meliponário no meio da área cercada. Embora ainda não produtivo, já abriga uma colmeia repleta de mandaçaias, especialistas na polinização de umbuzeiros e aroeiras. Dessa forma, o ciclo do Recaatingamento se completa: mais renda em casa, mais árvores na mata. Esse modelo sustentável não apenas fortalece economicamente a comunidade, mas também contribui para a preservação e regeneração do ecossistema local.

O sertão, que já enfrenta desafios naturais como secas recorrentes, agora lida com mudanças climáticas que se intensificam rapidamente. A dinâmica do semiárido sempre envolveu períodos de seca, mas as comunidades recaatingueiras enfrentam episódios cada vez mais extremos e prolongados devido ao aquecimento global.

A última grande seca, persistente de 2012 a 2017, foi a mais longa da história recente do Nordeste. A Caatinga, um bioma frágil, perdeu 54 mil hectares de sua superfície de água de origem natural (excluindo hidrelétricas e reservatórios) entre 1985 e 2022, equivalente a 17% do total original, de acordo com o MapBiomas.

As projeções futuras indicam um agravamento das condições. O Primeiro Relatório de Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas, que analisa os impactos do aquecimento global no Brasil, prevê um aumento de 0,5 ºC a 1 ºC na temperatura e uma redução de até 20% nas chuvas até 2040. Até o final do século, as projeções apontam para temperaturas 4,5 ºC mais altas e uma redução de 50% nas chuvas. Isso significa que, mesmo com o aumento da construção de represas, a taxa de evaporação tende a superar a capacidade de armazenamento de água.

Moacir relata as mudanças ocorridas no norte da Bahia: “As chuvas se manifestam em períodos mais curtos, e as plantas têm menos tempo para vegetar. Mas o mais grave é o aumento da temperatura: a evaporação cresce e torna ainda mais difícil a sobrevivência das plantas. As mais sensíveis tendem a desaparecer, enquanto as mais resistentes ocupam novas áreas.”

Essa realidade é evidente nos dados: o IBGE relata que 294 espécies de plantas da Caatinga já estão sob alguma ameaça, quase 10% do total. Um estudo prevê que até 2060, 99% das comunidades de plantas do bioma sofrerão perda de espécies, indicando uma paisagem sertaneja cada vez mais homogênea nas próximas décadas.

A presença humana complica ainda mais a situação. Não se trata apenas da superpopulação de bodes, cabras e ovelhas; a Caatinga já é o terceiro bioma mais desmatado anualmente no Brasil. De acordo com o MapBiomas, o número de alertas de desmatamento aumentou 2.500% entre 2019 e 2022, totalizando 140 mil hectares de vegetação suprimida.

O desmatamento ocorre principalmente nas áreas de transição com o Cerrado, especialmente na região conhecida como Matopiba, uma grande frente de expansão agropecuária entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O desenvolvimento de tecnologias de irrigação incentivou a produção comercial de frutas e mamona nas áreas mais centrais do semiárido.

Além disso, a expansão das instalações de energia renovável, como usinas eólicas e solares, também tem causado impactos, incluindo a perda de vegetação. Em 2022, foram mais de 4 mil hectares afetados, de acordo com o MapBiomas. Vale destacar que 50% da matriz energética do Nordeste é proveniente de energia eólica.

Dessa forma, a Caatinga está enfrentando o risco de desertificação. Moacir esclarece que desertificação não se refere a um deserto, pois este também é um bioma com um ciclo de vida adaptado às condições climáticas específicas. Desertificação, por outro lado, implica na esterilização do solo e na impossibilidade de vida naquele ambiente, sendo uma causa humana e artificial.

Vamos aos números: 126.336 km², correspondendo a 12,85% do semiárido, já estão em processo de desertificação, conforme cálculos do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas. Essa área é equivalente à de Portugal e está fragmentada em manchas que se espalham por toda a Caatinga e além — a maior delas se encontra entre o sul de Pernambuco e o norte da Bahia, onde está localizada Uauá.

Apesar desse cenário desafiador, Moacir destaca um fato encorajador: “Em 10 anos, essa comunidade aqui praticamente triplicou o número de casas”, referindo-se a Lages das Aroeiras. “Os filhos não foram embora.” Essa tendência é observada em outras comunidades recaatingueiras, demonstrando que é possível reverter o êxodo climático se as comunidades encontrarem razões para permanecer na terra. “A convivência com o semiárido é uma questão de conceito, de percepção do ambiente. Nós não criamos uma cultura de pensar o desenvolvimento local porque nossa cabeça estava na ideia de que aqui não presta, que tinha que ir embora.”

É por isso que as ações do Irpaa, indo muito além do Recaatingamento, concentram-se também na fixação das famílias à terra: aprimorando os meios de captação de água da chuva, incentivando a produção de alimentos, e investindo em tecnologias sustentáveis, como a produção de biogás a partir do esterco de animais. Tudo isso é feito mantendo a Caatinga em pé. Até o momento, 3 mil famílias foram beneficiadas pelos projetos do Irpaa.

Moacir é otimista, destacando o lado positivo da situação: “Se tem 50% da Caatinga em estado de degradação, então tem 50% em conservação. Bem mais que a Mata Atlântica, né?”. Segundo o MapBiomas, o número exato é 57,9% de vegetação nativa, tornando a Caatinga o terceiro bioma mais preservado do Brasil. “A metade degradada tem dois caminhos: a desertificação ou a recuperação. Se pararmos com o desmatamento e começarmos a conservar o que já foi degradado, há, sim, uma possibilidade de recuperação. A tendência é que apareçam plantas mais adaptadas à mudança climática.”

Waldemar, protegido pela sombra da imburana centenária diante da Casa de Ração de Lages das Aroeiras, demonstra um pouco menos de confiança: “A gente sabe que, por muito que a gente faça, não consegue mais recuperar a Caatinga, voltar a ser como era”. Mesmo assim, ele não se rende. Vestindo uma camiseta estampada com dois pés de mandacaru coroados pela frase “Defensores da Caatinga”, Waldemar conclui: “A gente veio aqui para isso, não veio por acaso. Cada um com uma missão. A gente tem que fazer algo nesta vida, para a gente e para os outros.”

Fonte: Mongabay

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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