Produzindo soja sem intensificar o desmatamento na Amazônia

Uma estratégia eficaz para reduzir o desmatamento associado à cultura da soja na Amazônia consiste em incrementar a produção por hectare, simultaneamente ao cultivo de milho como uma segunda safra. Essa proposta se baseia nos dados apresentados por Fabio Marin, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba. No artigo intitulado “Protegendo a floresta amazônica e reduzindo o aquecimento global por meio da intensificação agrícola”, publicado na revista Nature Sustainability, o autor apresenta modelos matemáticos que estimam o aumento potencial no rendimento da produção através da implementação de tecnologia no campo, visando reduzir a expansão das áreas cultivadas na região amazônica. O estudo envolveu a avaliação dos potenciais de rendimento, ou seja, a quantidade ótima de produção por hectare em condições ideais, sem perdas decorrentes de ervas daninhas, insetos e patógenos, provenientes de diversas regiões do Brasil.

Produzindo soja sem desmatamento
Foto: Edição de Jornal da USP com imagens de Unsplash

Com mais de vinte anos de experiência em modelos matemáticos aplicados à agricultura, especialmente na cultura de cana-de-açúcar, uma forma comum de monocultura no interior do Estado de São Paulo, Fabio Marin destaca que muitas empresas agrícolas se beneficiam e aplicam os conceitos e resultados de seus estudos, os quais são amplamente reconhecidos e validados. “Os dados de entrada estão relacionados ao clima e ao solo. Além disso, conduzimos experimentos para observar as plantações em condições ideais de cultivo”, explica o professor.

A aplicação desses modelos à cultura da soja representa uma extensão recente de suas pesquisas. Para isso, ele colaborou com botânicos para compreender a fisiologia da soja e coletou dados de várias áreas de cultivo. Seus cálculos indicam que a região Sul, conhecida como Pampas, praticamente atingiu seu potencial produtivo.

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O professor Benjamin Osório Filho, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, fornece alguns insights: “No norte do Estado, observamos elevadas produtividades devido à irrigação, ao uso de sementes selecionadas e a um rigoroso controle de pragas. No entanto, essa realidade não se aplica a todos os agricultores, mas apenas às grandes fazendas que têm acesso à tecnologia”, destaca. Por outro lado, o Cerrado e as regiões da Amazônia apresentam o maior potencial de crescimento, permitindo ainda a viabilidade de uma colheita anual dupla devido ao regime de chuvas.

O estudo do professor Fabio Marin explora três cenários distintos em relação ao cultivo de soja e milho ao longo de um período de 15 anos. Esse período é considerado “suficientemente longo para facilitar a implementação de políticas, investimentos e tecnologias de longo prazo, a fim de fechar as lacunas de rendimento, e suficientemente curto para minimizar os efeitos a longo prazo das mudanças climáticas”, conforme destaca o artigo em questão.

Diante disso, os resultados obtidos nas três situações para a Amazônia são:

Foto: Jornal da USP e Acervo do Pesquisador

A intensificação agrícola, teoricamente, tem o potencial de aumentar significativamente a produtividade sem recorrer ao aumento do desmatamento. No entanto, Osório Filho sugere que alguns aspectos do modelo matemático podem precisar de revisão. Ele destaca que a produtividade já é impactada pelas mudanças climáticas, citando o exemplo da região Sul: “Em anos de La Niña, como o último, a seca foi intensa. A produtividade nas áreas não irrigadas diminuiu, e os reservatórios de água disponíveis para a irrigação diminuíram. Sem água, a produtividade diminui. Estamos vivenciando a realidade das mudanças climáticas.”

Além da produtividade, questões políticas urgentes surgem ao considerar a atividade agrícola na Amazônia, conforme destaca o professor de Geografia da Universidade de Brasília (UnB), Fernando Sobrinho. Ele relata observações recentes no Acre, onde as queimadas sem controle têm escurecido o céu em alguns momentos do dia. Ele menciona a falta de controle na expansão agrícola nos últimos anos e aponta para mudanças no paradigma de consumo internacional de soja, destacando que, em breve, a Comunidade Europeia pode rejeitar a soja proveniente da Amazônia, exigindo certificações. Ele também aponta o risco de depender exclusivamente do mercado chinês.

Uma consideração adicional é feita em relação à relação entre monoculturas e sustentabilidade, conforme destacado pelo antropólogo da USP, Guilherme Moura Fagundes. Ele ressalta a contradição entre esses dois termos, argumentando que a promoção constante da diversidade é um imperativo para a sobrevivência dos ecossistemas agrícolas. Sistemas agrícolas diversos são mais resilientes às mudanças climáticas, enquanto monoculturas dependem de insumos externos, como herbicidas e pesticidas, associados ao alto consumo de combustíveis fósseis. Fagundes destaca a importância da agrobiodiversidade e sua relação com a sociobiodiversidade, enfatizando que ecologia e justiça social são elementos inseparáveis na busca pela sustentabilidade.

Fonte: Jornal da USP

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