No alto da Amazônia, na Serra do Imeri, surge uma nova espécie de sapo

No topo de uma montanha no norte da Amazônia, o canto peculiar de um pequeno sapo chamou a atenção dos pesquisadores. Era um som inédito, vindo de um local nunca antes explorado — fortes indícios de que poderia ser uma nova espécie.

No alto da Amazônia, na Serra do Imeri, surge uma nova espécie de sapo
Neblinaphryne imeri: uma nova espécie de sapo descoberta na Serra do Imeri, no norte da Amazônia — Foto: Antoine Fouquet.

Ouvir o sapo foi fácil; localizá-lo no meio da densa vegetação, nem tanto. Foram necessários quatro dias para capturar o primeiro exemplar e dois anos para definir sua identidade científica. Confirmando as suspeitas, tratava-se de uma espécie desconhecida, que recebeu o nome de Neblinaphryne imeri, em homenagem à Serra do Imeri, onde foi descoberta, na fronteira do Amazonas com a Venezuela.

A descrição oficial da espécie foi publicada em 25 de setembro na revista científica Zootaxa, por um grupo de pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP, do Centro de Pesquisas sobre Biodiversidade e Ambiente (CRBE) da França e da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha. Eles participaram de uma expedição pioneira à Serra do Imeri em novembro de 2022.

Durante 12 dias, os cientistas acamparam no topo de uma montanha próxima ao Pico do Imeri, a quase 1.900 metros de altitude, coletando uma ampla diversidade de plantas e animais em uma das regiões mais preservadas e inexploradas da Amazônia. Ao retornarem, levaram mais de 260 espécies de flora e fauna, muitas inéditas para a ciência. O Neblinaphryne imeri foi a primeira dessas a ser descrita em uma revista científica — o equivalente à sua certidão de nascimento oficial.

Um dos sapinhos coletados na expedição e usados para descrever a nova espécie, batizada de Neblinaphryne imeri – Foto: Leandro Moraes

“Assim que chegamos, ouvimos o canto de um pequeno sapo que era claramente desconhecido, pelo menos para nós. Desde o primeiro instante, tentamos localizar o emissor daquele som, mas foi difícil, pois a espécie é extremamente pequena e se esconde muito bem no musgo”, relata o biólogo Antoine Fouquet, pesquisador do CRBE e colaborador de longa data da equipe do IB, onde realizou seu pós-doutorado em 2010-2011. Ele, junto com o colega Leandro Moraes, do IB, foi responsável por coletar o primeiro exemplar da nova espécie na Serra do Imeri.

Para localizar o sapo em meio a musgos e raízes, os pesquisadores utilizaram a técnica de playback, que consiste em gravar o canto do animal e reproduzi-lo, na tentativa de atraí-lo ou fazê-lo se mover e revelar sua posição. “Eu segui o som de um cantor, comecei a cavar com o Leandro, e depois de alguns minutos de playback, um sapo pulou, justo quando estávamos quase desistindo”, contou Fouquet em entrevista ao Jornal da USP.

Nos dias seguintes, a equipe capturou outros nove exemplares da espécie (sete machos e três fêmeas), todos medindo entre 1,5 e 2 centímetros de comprimento. O Neblinaphryne imeri é predominantemente marrom, com pintas brancas e manchas amarelas espalhadas pelo corpo, especialmente na parte ventral. As fêmeas são ligeiramente maiores que os machos, que costumam cantar ao amanhecer e no final da tarde. Alguns exemplares foram encontrados em áreas de floresta, escondidos no musgo, enquanto outros estavam em áreas abertas, disfarçados entre a vegetação ou folhas de bromélias.

O holótipo — o exemplar utilizado como referência para a descrição oficial da espécie — foi um macho de 1,6 centímetro, capturado em 16 de novembro de 2022, a 1.800 metros de altitude. Ele foi encontrado enquanto cantava na entrada de uma toca de tarântula. (O holótipo não precisa ser o primeiro animal coletado, mas sim aquele que possui o maior número de informações associadas, como gravações de canto, fotografias no ambiente, localização precisa e amostras de tecido.)

Paisagem da Serra do Imeri, com o acampamento da expedição e o Pico do Imeri ao fundo – Foto: Herton Escobar / USP Imagens.

Todos os exemplares coletados durante a expedição estão armazenados nas coleções biológicas do Museu de Zoologia da USP.

Parentesco inesperado

Desde o início, os pesquisadores tinham certeza de que haviam descoberto uma espécie inédita, mas não sabiam a qual linhagem ela pertencia — ou seja, em qual ramo da árvore genealógica dos anfíbios ela se encaixava. A hipótese inicial, baseada em uma avaliação visual durante o trabalho de campo, era de que se tratava de uma nova espécie do gênero Adelophryne, pequenos sapos que habitam tanto as terras baixas quanto as altitudes dessas formações montanhosas no norte da Amazônia, conhecidas como tepuis. No entanto, análises moleculares (DNA) e morfológicas mais detalhadas direcionaram a investigação para outro caminho.

Para surpresa dos cientistas, os dados apontaram que o parente mais próximo da nova espécie era o Neblinaphryne mayeri, outra espécie descoberta pelo mesmo grupo em 2017, durante uma expedição ao Pico da Neblina — a montanha mais alta do Brasil, situada 80 quilômetros a oeste do Pico do Imeri. Essa descoberta levou à escolha do nome Neblinaphryne imeri para a nova espécie. (O Neblinaphryne mayeri foi batizado em homenagem ao general Sinclair Mayer, do Exército Brasileiro, que teve um papel crucial na realização das expedições.)

Espécies irmãs: Neblinaphryne imeri e Neblinaphryne mayeri são linhagens que divergiram de um ancestral comum, ocupando grupos de montanhas distintas no norte da Amazônia

“O mais surpreendente é que as duas espécies são morfologicamente muito diferentes. Nunca imaginamos que elas seriam espécies-irmãs”, afirma o herpetólogo Miguel Trefaut Rodrigues, professor emérito do IB e mentor das expedições ao Pico da Neblina e à Serra do Imeri. “Isso mostra que a morfologia externa muitas vezes engana.”

Foi apenas por meio da análise genética e osteológica — realizada com tomografia computadorizada do esqueleto — que os pesquisadores puderam identificar as semelhanças internas entre as duas espécies, revelando o inesperado parentesco.

Atualmente, as áreas mais elevadas do maciço da Neblina e da Serra do Imeri estão separadas por 20 quilômetros de terras baixas, que funcionam como uma barreira natural à dispersão dessas espécies entre os grupos montanhosos. Em outras palavras, as espécies estão completamente isoladas, apesar de a distância geográfica entre elas não ser tão grande — especialmente considerando as vastas dimensões da Amazônia.

Um mundo à parte

O conjunto dos ecossistemas de altitude no norte da Amazônia é conhecido como Pantepui. Caracterizado por montanhas de topo plano e imponentes paredões rochosos, como o Monte Roraima e o maciço do Pico da Neblina, esse cenário serviu de inspiração para o clássico “O Mundo Perdido” de Arthur Conan Doyle.

Do ponto de vista evolutivo, o Pantepui funciona como um bioma distinto da Amazônia, pairando acima das terras baixas da floresta tropical. As condições ambientais nas alturas dessas montanhas, especialmente em termos de temperatura, são bastante diferentes das regiões mais quentes e úmidas abaixo. As espécies adaptadas a viver nessas altitudes raramente descem para as áreas mais baixas. Essas montanhas, assim, formam verdadeiros “arquipélagos” em um vasto “oceano” de floresta tropical, inacessíveis para a maioria das plantas e animais que habitam suas “ilhas”.

Os maciços do Pico do Imeri e do Pico da Neblina ficam no norte do Amazonas, dentro de duas áreas protegidas: a Terra Indígena Yanomami e o Parque Nacional do Pico da Neblina.

Por isso, os cientistas acreditam que as duas espécies de Neblinaphryne sejam endêmicas de seus respectivos maciços. As evidências genéticas sugerem que ambas derivam de um ancestral comum que viveu há cerca de 55 milhões de anos, quando as montanhas da Neblina e do Imeri ainda estavam conectadas. Com o tempo, o isolamento geográfico resultante da erosão e de mudanças climáticas e geológicas acabou separando as populações de sapos, levando à sua divergência e eventual formação de espécies distintas. “Ainda estamos nos primeiros passos para tentar reconstruir essa história, que é muito antiga e extremamente complexa”, explica o herpetólogo Miguel Trefaut Rodrigues.

Até agora, os cientistas observaram que a espécie do Pico da Neblina habita áreas de vegetação aberta acima dos 2 mil metros de altitude, onde se abriga principalmente sob pedras. Já a espécie da Serra do Imeri vive entre 1.700 e 2 mil metros de altitude, ocupando tanto áreas florestais quanto abertas. A necessidade de adaptação a esses ambientes distintos pode explicar por que essas duas espécies diferem tanto em sua morfologia externa. Seus cantos, por exemplo, também são completamente diferentes.

“Essas regiões montanhosas têm uma configuração insular, e cada ‘ilha’ geralmente abriga espécies endêmicas devido ao isolamento”, explica o biólogo Antoine Fouquet. Ele acrescenta que o Pantepui abriga pelo menos 11 gêneros de anfíbios endêmicos ou subendêmicos, que raramente descem abaixo de 1.000 metros de altitude. “Esses gêneros evoluíram em isolamento por dezenas de milhões de anos, então Sir Arthur Conan Doyle não estava tão longe da realidade ao imaginar dinossauros e pterodáctilos no topo dos tepuis em ‘O Mundo Perdido’.”

Peças do quebra-cabeça

Os cientistas ainda têm pelo menos quatro novas espécies de anfíbios e três de lagartos do Imeri a serem descritas. “Este é o primeiro de muitos artigos e a primeira de várias espécies”, afirma o professor Taran Grant, especialista em anfíbios do IB-USP, que também participou da expedição à Serra do Imeri e é coautor do estudo publicado na revista Zootaxa.

Descobrir e descrever novas espécies, além de estudar suas histórias de vida, é uma tarefa fundamental para a compreensão e conservação da biodiversidade. “A primeira pergunta que nos fazem é: quantas espécies vocês descobriram na Serra do Imeri? E essa é a primeira questão que precisamos responder”, comenta Grant. “Todos os esforços de conservação são baseados na diversidade de espécies.”

Tanto a Serra do Imeri quanto o Pico da Neblina estão em áreas protegidas — a Terra Indígena Yanomami e o Parque Nacional do Pico da Neblina — que, por enquanto, não sofrem diretamente com o desmatamento. No entanto, as mudanças climáticas, impulsionadas pelo aquecimento global, representam uma ameaça significativa à biodiversidade, especialmente para as espécies adaptadas a altitudes elevadas e temperaturas mais amenas, que não têm para onde migrar em caso de aquecimento.

Pesquisar e proteger essas espécies é essencial para entender o passado e garantir o futuro da biodiversidade amazônica. “Estamos explorando uma parte do planeta que era completamente desconhecida para a ciência, preenchendo lacunas importantes na história da vida no planeta, na América do Sul e na Amazônia, como peças de um quebra-cabeça”, explica o herpetólogo Miguel Trefaut Rodrigues. “Descobrimos uma linhagem de 55 milhões de anos que pode revelar uma história muito mais antiga sobre o nosso continente do que imaginávamos.”

Descrever essas novas espécies é apenas o primeiro passo. Os cientistas pretendem aprofundar suas pesquisas genéticas e realizar estudos comparativos para compreender melhor as relações de parentesco e a história evolutiva dessas linhagens.

O Jornal da USP acompanhou os pesquisadores durante a expedição à Serra do Imeri em 2022 e produziu reportagens em texto e vídeo sobre a aventura. O projeto contou com o apoio do Exército Brasileiro e do programa Biota da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Também participaram da publicação na Zootaxa os pesquisadores Renato Recoder, Agustín Camacho, José Mário Ghellere e Alexandre Barutel.

Fonte: Jornal da USP


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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