Guia de plantas da Mata Atlântica por quilombolas do Vale do Ribeira

Quilombolas do Vale do Ribeira criaram um guia de plantas da Mata Atlântica. Para quem vê de cima essa região do Vale do Ribeira, percebe um grande maciço verde no Sudeste de São Paulo: é a Mata Atlântica em seu estado mais conservado. Entre árvores, animais e rios, um olhar mais atento revela algo ainda mais especial naquele pedaço de terra: gente. São essas mãos, de povos indígenas, quilombolas, caiçaras e caboclos, que há séculos cuidam da área e a mantêm de pé.

Publicação registra conhecimento agrícola tradicional quilombola. Reprodução

É justamente ali que um grupo de quilombolas, integrantes da Rede de Sementes do Vale do Ribeira e moradores das comunidades André Lopes, Bombas, Maria Rosa, Nhunguara e São Pedro, faz florestas.

Em 2017, quando o trabalho começou, apenas 40 quilos de sementes foram coletadas, por 12 pessoas. Desde então, essa rede só cresceu. Em 2022, os 60 integrantes – sendo 35 mulheres – coletaram mais de duas toneladas, de 98 espécies vegetais nativas, que foram destinadas à restauração ecológica de áreas degradadas, contabilizando 242 mil reais em comercialização.

Agora, a Rede de Sementes do Vale do Ribeira, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), compartilha esse conhecimento no livro Do Quilombo à Floresta: guia de plantas da Mata Atlântica no Vale do Ribeira, que será lançado para o público geral nos dias 13/04, na loja Floresta no Centro, na capital paulista, e 26/04, no SESC Registro (SP).

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“A gente está preservando a mata sem fazer estrago e está ajudando outros lugares que não têm a semente. A gente se sente feliz com isso, porque a gente está tentando ajudar o Brasil que vamos ter amanhã”, ressalta João da Mota, do Quilombo Nhunguara, em relato para o livro.

Os lançamentos contarão com rodas de conversa entre autores, coletores e coletoras para discutir sobre a conservação da Mata Atlântica a partir dos territórios quilombolas e a atuação da Rede de Sementes do Vale do Ribeira na construção dessa sociobiodiversidade, apesar dos diversos conflitos socioambientais e do racismo ambiental que atravessam as comunidades tradicionais quilombolas.

“Na década da restauração, é mais que necessário incentivar e valorizar as iniciativas que já entenderam a importância de restaurar a vida na terra agora ou escolher padecer ainda mais enfrentando as consequências dessa emergência climática”, afirma Raquel Pasinato, do ISA, no prefácio da publicação.

Veja: Uma oportunidade de recomeço para a Mata Atlântica | Florestal Brasil

O guia faz a catalogação de 52 espécies vegetais da Mata Atlântica, com informações morfológicas, os usos associados nos quilombos do Vale do Ribeira e as formas de coleta, beneficiamento, armazenamento e plantio das sementes florestais.

As folhas cozidas da Aroeira (Schinus terebinthifolia), por exemplo, são utilizadas pelas comunidades quilombolas do Médio Vale do Ribeira para infecções e inflamações, enquanto as folhas de Pata-de-vaca (Bauhinia forficata) são indicadas para diabetes, mostra o livro. Por sua vez, para a coleta dos frutos do Ipê-verde (Cybistax antisyphilitica) devem ser coletados diretamente da árvore e secarem ao sol até a abertura espontânea e liberação das sementes.

A publicação também mergulha na relação estabelecida entre quilombolas e sementes, no processo de ocupação do Vale do Ribeira e no manejo da floresta pelas comunidades tradicionais, bem como nas vivências dos coletores quilombolas e dinâmicas de funcionamento desta rede de sementes.

Com organização da cientista social, mestranda em Antropologia e pesquisadora em Etnobotânica, Bianca Cruz Magdalena, a publicação reúne informações técnicas e relatos histórico-culturais para apoiar o trabalho de coletores e coletoras e traçar estratégias de defesa da Mata Atlântica, a partir da identidade dos quilombolas do Vale do Ribeira e da sabedoria do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola (SATQ), do qual as sementes fazem parte – sistema esse que é reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

“As comunidades tradicionais quilombolas que ocupam o Vale do Ribeira há séculos, através da oralidade, da memória e do conhecimento tradicional associado conservam a mata, sua flora e sua fauna, cujo modo de vida está pautado na identidade étnica, sendo a Rede de Sementes do Vale do Ribeira uma das iniciativas comunitárias exitosas no manejo das sementes florestais para a restauração ecológica e a recuperação de áreas degradadas”, ressalta a pesquisadora.

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Fonte: Instituto Socioambiental

 

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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