Grandes mamíferos tornam florestas mais adubadas em até 95%

Imagine o seguinte processo: adubar o solo com nitratos e amônia, arar a terra para acelerar a disponibilidade de nitrogênio para os seres vivos, liberá-lo novamente para o meio e incrementar a produtividade das culturas agrícolas. Um processo tão tradicional como esse parece difícil de ser imaginado fora das mãos humanas, mas uma pesquisa realizada no Parque Estadual da Serra do Mar (entre São Paulo e Rio de Janeiro) e publicada na revista Functional Ecology comprovou que o mesmo efeito de relação com o solo ocorre em florestas tropicais através do trabalho de grandes mamíferos que se alimentam de frutos.

florestas adubadas
Queixadas foram identificados como grandes responsáveis pelo processo de adubação do solo na pesquisa realizada — Foto: João Paulo Krajewski/Acervo Pessoal

A descoberta mostrou que em áreas livres desses grandes mamíferos a quantidade de amônia, uma forma de nitrogênio no solo, era até 95% menor. Sem esse composto, as plantas são incapazes de fazer fotossíntese, crescer, produzir frutos e folhas ou até fazer outras funções essenciais para sua sobrevivência. Cooperando com o ritmo da natureza, os mamíferos analisados são capazes de “adubar” o solo e trabalhar como fertilizantes naturais para a manutenção dessas florestas.

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Mata Atlântica serviu como base para o estudo pioneiro na floresta tropical — Foto: Nacho Villar/Acervo Pessoal

Segundo os pesquisadores, os valiosos compostos de nitrogênio têm sua origem na ureia presente nas fezes e na urina dos animais analisados. “Os mamíferos herbívoros, por consumirem e digerirem grandes quantidades de material vegetal, excretam a ureia que, uma vez depositada no solo, se transforma em amônia, adubando o próprio terreno”, explica Nacho Villar, primeiro autor do artigo e pós-doutorando no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro.

Áreas pobres da floresta recebem até quatro vezes mais amônia e 50 vezes mais nitrato quando há a presença de mamíferos frugívoros de grande porte, em comparação às áreas sem essa fauna

O estudo, realizado com o apoio da FAPESP, é resultado de um projeto maior que investiga o papel dos grandes mamíferos nos processos ecológicos fundamentais das florestas tropicais, coordenado por Mauro Galetti, professor do IB-Unesp no âmbito do programa BIOTA-FAPESP. O trabalho é pioneiro ao avaliar o efeito dos animais na ciclagem de nitrogênio nessas áreas mais escassas em informações do gênero, já que savanas africanas, pastagens e florestas de climas temperados estudam incisivamente esses fenômenos.

Áreas isoladas da mata não permitiam a entrada de grandes mamíferos, o que resultou na análise da pesquisa — Foto: Nacho Villar/Acervo Pessoal

Para chegar aos resultados, os pesquisadores utilizaram como base um experimento de exclusão de grandes mamíferos da América do Sul. Em 86 parcelas de floresta de 15 metros quadrados no Parque Estadual da Serra do Mar, cercas barram a entrada de grandes mamíferos e, em outras áreas demarcadas, todos os animais transitam livremente.

As amostras do solo coletadas nos dois ambientes foram analisadas tanto em um laboratório improvisado no campo, que extraiu os compostos de nitrogênio relevantes para as plantas, quanto em um laboratório na área urbana, que determinou a quantidade desses compostos nas amostras de solo.

Para verificar quais animais estavam ligados a esses efeitos na área, armadilhas fotográficas foram instaladas na mata. Com as imagens coletadas, o destaque da pesquisa se revelou aos queixadas (Tayassu pecari), porcos-do-mato que dominam as comunidades de mamíferos de grande porte do local em seus bandos de 50 a 100 indivíduos.

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Bandos de queixadas compõem de 80 a 90% de toda a biomassa dos mamíferos da Mata Atlântica — Foto: João Paulo Krajewski/Acervo Pessoal

“Outro ponto interessante do nosso estudo é a descoberta de que o palmito juçara (Euterpe edulis) é também uma espécie-chave na ciclagem de nitrogênio: ele produz abundantes frutos que atraem muitas espécies, incluindo os bandos de queixadas, e isso indiretamente leva à acumulação de amônia no solo”, explica o autor do artigo.

O encontro com esses (chamados de “sítios de frutificação” pelo estudo) sinalizou aos pesquisadores que eles podem estar diante apenas da ponta do iceberg. “É determinante recuperar as comunidades de grandes mamíferos nas florestas tropicais. Com o ritmo atual de extinção, os ambientes estão virando ecossistemas ‘zumbis’, sem valor ambiental ou ecológico algum e com uma dinâmica interna pouco resiliente”, define Villar.

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Diante do cenário assombroso, o fim da caça ilegal e do ritmo crescente de desmatamento são fatores apontados para conter as extinções dos mamíferos tropicais. A pesquisa ainda reforça a importância da restauração das florestas e até da reintrodução desses grandes animais em áreas florestais bem conservadas para que eles restabeleçam o ritmo do ambiente. “A magnitude do efeito positivo na quantidade de amônia no solo é realmente impressionante e as implicações para o funcionamento das florestas tropicais e para a dinâmica global de ciclagem de nutrientes podem ser colossais”, conclui o pesquisador.

Fonte: Terra da Gente | G1 

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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