As cores dos animais têm origens evolutivas diversas e desempenham papéis essenciais na sobrevivência das espécies — desde atrair parceiros até evitar predadores ou se camuflar. Agora, um estudo publicado na revista Beilstein Journal of Nanotechnology descreve pela primeira vez a presença de cores ultraescuras em vespas conhecidas popularmente como formigas-feiticeiras. Segundo os pesquisadores, essas tonalidades raras são resultado de microestruturas especializadas no corpo dos insetos, capazes de absorver intensamente a luz e criar um efeito de “superescuridão”.

A investigação foi conduzida por Vinicius Marques Lopez, doutor em Entomologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP). Desde o mestrado, o biólogo estuda a evolução da coloração nas formigas-feiticeiras, mas foi durante o doutorado que conseguiu explorar em detalhes as estruturas microscópicas que produzem uma das cores mais escuras já observadas na natureza. A pesquisa foi premiada com o Prêmio Tese Destaque USP 2025, na categoria Ciências Biológicas.
Mais escuras que o preto de controle
A espécie estudada, Traumatomutilla bifurca, vive em áreas abertas do Cerrado e da Caatinga. Usando um espectrômetro — instrumento que mede propriedades da luz —, os pesquisadores observaram algo inusitado: a coloração da vespa refletia menos luz do que o próprio material de controle usado no aparelho, projetado para medir o “preto padrão”. Em outras palavras, a coloração das formigas-feiticeiras era mais escura que o preto convencional, o que chamou a atenção dos cientistas para investigar sua origem.

Exoesqueleto como armadilha de luz
Análises microscópicas revelaram que o exoesqueleto da vespa possui cutículas altamente especializadas, compostas por camadas organizadas de microestruturas que atuam como armadilhas para a luz. Essas camadas, dispostas como “páginas finas de um livro”, fazem com que a luz penetre na estrutura e seja absorvida quase completamente, com mínima reflexão para o ambiente externo.
Além disso, há uma elevada presença de melanina, pigmento escuro que intensifica ainda mais a absorção da luz. “A interação prolongada da luz com a estrutura rica em melanina aumenta significativamente a capacidade de absorção”, explica Vinicius Lopez.

Evolução convergente e proteção contra predadores
Apesar da sofisticação da estrutura, a ocorrência de cores ultraescuras em animais é um exemplo de evolução convergente: o fenômeno se manifesta em diferentes espécies — como aves, répteis e outros artrópodes —, mas surge de maneiras distintas, sem relação direta de ancestralidade.
Para entender o papel adaptativo dessa coloração, os pesquisadores realizaram diferentes análises. Testes térmicos mostraram que não há diferença significativa de temperatura entre as áreas claras e escuras do corpo da vespa, indicando que a cor não tem função principal na regulação térmica.
Por outro lado, simulações com modelagem visual de predadores, como aves e lagartos, revelaram que esses animais identificam facilmente a coloração escura da vespa — mas tendem a evitá-la. Isso pode ser resultado da combinação de características defensivas da espécie, como cutícula rígida, ferrão potente e gosto desagradável, que tornam o inseto um alvo pouco atrativo. Assim, a cor ultraescura funcionaria como um sinal de advertência, reforçando a sobrevivência da espécie.

Potencial para aplicações em biomimética
Essa é a primeira vez que uma coloração ultraescura é registrada em um inseto da ordem Hymenoptera, que inclui vespas, abelhas e formigas. O estudo abre novas possibilidades para identificar esse tipo de coloração em outros grupos e entender os caminhos evolutivos que levaram à sua formação.
Além da importância biológica e ecológica, as descobertas podem ter aplicações práticas no campo da biomimética — área que busca soluções tecnológicas inspiradas na natureza. Estruturas com alta absorção de luz, por exemplo, têm potencial uso em painéis solares, revestimentos antirreflexo e sistemas ópticos avançados.
Referência:
Artigo científico: Ultrablack color in velvet ant cuticle – publicado no Beilstein Journal of Nanotechnology.
Acesse o artigo completo aqui.
Fonte: Jornal da USP
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