Figueiras como simbolismo religioso no Brasil e no Mundo

O culto às árvores tem raízes profundas em diversas religiões e tradições espirituais ao redor do mundo desde tempos antigos. Embora atribuam significados diferentes, as árvores frequentemente são associadas a conotações sagradas, tornando-se um arquétipo universal.

Por mais que não recebam o mesmo significado, as árvores estão muitas vezes vinculadas a alguma conotação sagrada, podendo ser percebidas como um arquétipo universal — Foto: Reprodução/Cassio Vasconcellos

De modo geral, as árvores muitas vezes simbolizam a capacidade infinita de regeneração do cosmos. Essa crença está presente em mitos como o da Yggdrasil (mitologia alemã), das Árvores da Vida (Mesopotâmia), da Imortalidade (Ásia, Antigo Testamento), da Sabedoria (Antigo Testamento) e em Iroko (Candomblé Keto).

Adicionalmente, em várias tradições, as árvores são vistas como seres que estabelecem a ponte entre o céu e a terra, o sagrado e o profano, o transcendente e o imanente, o imaterial e o material. Através de sua verticalidade, elas estabelecem uma conexão com o divino.

Dentro do reino vegetal, o gênero Ficus desempenha um papel significativo em várias tradições religiosas pelo mundo. É nesse gênero que encontramos as figueiras, tão comuns na Mata Atlântica.

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Muitas espécies de figueiras têm uma presença milenar na história da humanidade, sendo encontradas em civilizações antigas como a Mesopotâmia, indiana, egípcia, grega, romana e judaica, frequentemente associadas a valores culturais e religiosos.

Na Índia, por exemplo, a Ficus Religiosa L. é considerada sagrada, pois foi sob essa árvore que Sidarta Gautama atingiu a iluminação e se tornou Buda. Além dele, outros Budas alcançaram a iluminação sob figueiras, consolidando a importância desta árvore na tradição budista. Antes mesmo do budismo, a espécie já era venerada na Índia na tradição védica, associada à divindade Vishnu, responsável por sustentar o universo ao lado de Brahma e Shiva.

Outra espécie de importância religiosa é a Ficus carica L. (figo comestível), que na tradição islâmica é mencionada na Sura 95 do Corão, quando Maomé faz um juramento pelo figo.

No Egito, há registros do cultivo da Ficus sycomorus L. datando de aproximadamente 3.000 anos antes de Cristo. Nessa tradição, a árvore era utilizada na confecção dos sarcófagos dos faraós, pois estava associada à Deusa-Árvore Nht. A mesma espécie era considerada sagrada também na Grécia Antiga, onde seus frutos desempenhavam um papel fundamental nas festas em honra ao Deus da Fertilidade, Baco, que, segundo a lenda, se apaixonou pela ninfa Syke (Figo em Grego).

Para os Romanos, a Ficus Ruminalis desempenhou um papel importante na mitologia, sendo associada ao local onde os irmãos Rômulo e Remo foram amamentados por uma loba sob uma árvore dessa espécie. Devido a esse mito, as árvores dessa variedade foram relacionadas a Rumina, a Deusa da Amamentação e Fertilidade.

Importância na cultura judaico-cristã

No contexto ocidental, as figueiras têm um lugar de destaque na cultura judaico-cristã, exercendo influência na religiosidade de muitos brasileiros. Nessa tradição, elas simbolizam a Casa do Senhor na natureza, sendo reconhecidas como a morada do sagrado no mundo material devido ao seu porte imponente e à sua copa que abriga muitos frutos.

A Figueira Amaldiçoada, entre 1886 e 1894, de James Tissot — Foto: Wikimedia Commons
A Figueira Amaldiçoada, entre 1886 e 1894, de James Tissot — Foto: Wikimedia Commons

O Antigo Testamento da Bíblia conta com mais de 40 referências às figueiras. Em Gênesis 3:7, é mencionado: “O que trata da figueira comerá do seu fruto; e o que cuida do seu Senhor será honrado.” Ademais, após Adão e Eva comerem o fruto proibido no Jardim do Éden, utilizaram as folhas da figueira para se cobrir.

No Novo Testamento, a figueira é citada 16 vezes, sendo a mais famosa quando Jesus, ao não encontrar frutos nela, a seca, conforme registrado em um episódio: “Cedo de manhã, ao voltar para a cidade, teve fome; e vendo uma figueira à beira do caminho; aproximou-se dela; e, não tendo achado senão folhas, disse-lhe: nunca mais nasça fruto de ti. E a figueira secou imediatamente…”. Ambas as passagens se referem à espécie Ficus carica L.

Importância nas religiões de matriz africanas no Brasil

Para as religiões de matriz africana, a natureza desempenha um papel fundamental. Os orixás têm seus pontos de força associados a elementos naturais, como mares, rochedos, florestas, mangues e cachoeiras, por exemplo.

Na costa Ocidental africana, as figueiras são cultuadas e percebidas como a morada ou a própria representação do orixá Iroko. Nesse contexto, ela é também reconhecida como Igí Olorum, a “Árvore Deus”, responsável por conectar Òrun (o mundo sobrenatural) e Àiyé (o mundo terreno).

No Brasil, o culto a Iroko, um dos principais orixás de matriz africana, está especialmente presente no Candomblé, enquanto tem menos destaque na Umbanda. No Candomblé Ketu, Iroko é venerado, enquanto na nação Jeje, seu equivalente é Loko. Na nação Congo/Angola, as figueiras são cultuadas como o Inquice Tempo. Em todas essas tradições, as figueiras estão associadas a símbolos ligados ao tempo, à durabilidade e à longevidade.

Representação de Iroko. Vale do Mago — Foto: Reprodução
Representação de Iroko. Vale do Mago — Foto: Reprodução

As folhas dessas árvores são usadas em rituais de iniciação, onde, aos seus pés, são oferecidas oferendas alimentares, e ojás (panos brancos ou coloridos) são amarrados em torno delas para adorná-las e destacar sua sacralidade.

O que a paisagem nos conta sobre as figueiras

A região Sudeste do Brasil abriga grandes remanescentes florestais de Mata Atlântica, que se regeneraram ao longo do tempo após diversos usos. A produção de carvão vegetal, presente desde o século XVII, foi uma das atividades que impactaram essas matas.

Uma velha figueira, em 1842, de Carl Friedrich Philipp von Martius — Foto: Biblioteca Nacional
Uma velha figueira, em 1842, de Carl Friedrich Philipp von Martius — Foto: Biblioteca Nacional

No processo de produção de carvão, havia uma escolha seletiva das árvores a serem cortadas. Algumas árvores, devido ao seu tamanho ou presença de látex, eram poupadas por motivos práticos. Além disso, árvores com valor simbólico-religioso, como as figueiras, eram preservadas, tanto pela cultura judaico-cristã quanto pelas culturas afro-brasileiras.

Protegidas por seu simbolismo religioso, as figueiras foram deixadas de pé durante a seleção das madeiras para a produção de carvão. Muitas figueiras na Mata Atlântica hoje são remanescentes de tempos antigos, mais antigas do que o restante da comunidade arbórea ao redor.

Essas figueiras são verdadeiras gigantes da floresta, superando em diâmetro do caule e altura total outros indivíduos arbóreos. Elas representam crenças, ritos e simbologias, além de serem elementos culturais que persistiram graças à transmissão oral de memórias e tradições ao longo do tempo. Essas árvores são um legado cultural que não apenas carrega importância religiosa, mas também ecológica.

Fonte: Galileu

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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