Um estudo coordenado por ecólogos brasileiro da UFRJ, descobriu que 82% dos mamíferos brasileiros contribui para serviços ecossistêmicos (SE), isso corresponde a 575 espécies, das 701 estudadas. Em outras palavras isso é, benefícios para nós seres humanos.
Como atribuir SEs a espécies individuais pode ser um desafio, os estudos muitas vezes usam características das espécies, em vez de evidências diretas, para determinar os SE entregues e apoiados por elas. As características das espécies estão associadas à sua função ecológica e, consequentemente, aos processos e serviços ecossistêmicos.
Assim, utilizou-se as características dos mamíferos brasileiros compiladas de bancos de dados online, artigos de dados e livros. As bases de dados foram utilizadas como uma primeira avaliação de prováveis SE associados às espécies, que foram então examinadas pelos especialistas em diferentes ordens taxonômicas da equipe de autores.
Quando não havia informações ou as informações obtidas eram confusas, (i) optou-se pela base de dados mais confiável e atual, (ii) considerou o conhecimento dos especialistas e (iii) buscou ativamente as informações em outras fontes publicadas. Compilamos informações sobre ordem ou subordem, família, dieta, massa corporal, estrato de forrageamento, capacidade de dispersão, tamanho da área de vida e estado de ameaça.
Com base no conhecimento existente sobre o SE fornecido ou apoiado por vertebrados, fora definido 11 processos e serviços ecossistêmicos que poderiam ser associados aos mamíferos: (i) serviço relacional prestado por espécies carismáticas e (ii) ecoturismo; (iii) polinização, (iv) dispersão de sementes , (v) controle de pragas e doenças , (vi) controle de roedores e (vii) sentinela de doenças; (viii) controle de carniça, (ix) transporte de nutrientes, (x) regulação de cima para baixo e (xi) engenharia de ecossistemas.
A pesquisa revelou que as espécies que não apresentaram nenhum SE avaliado foram quase exclusivamente da ordem Rodentia (roedores), sendo cerca de 118 espécies. Nenhuma espécie entregou mais de 7 SE de uma só vez. Tatus foram o único grupo identificado como entregador da maioria dos SE, cerca de 6 a 7.
Os SEs e processos entregues pelo maior número de espécies foram dispersão de sementes e serviço relacional (308 e 274 espécies, respectivamente). Cerca de 138 espécies identificadas como realizando SE foram consideradas como tendo perdido seu papel por estarem ameaçadas ou com dados deficientes. Isto representa um quinto das espécies de mamíferos que realizam SE no país. Os SE de ecoturismo, controle de carniça, engenharia de ecossistemas e controle de roedores foram os menos representados, sendo entregues por apenas cerca de 20 espécies cada.
Embora apenas 24% dos mamíferos brasileiros sejam endêmicos, eles desempenharam um grande papel no fornecimento de SE, com 75% deles fornecendo pelo menos um SE, especialmente dispersão de sementes e serviço cultural. Ao mesmo tempo, os SE que fornecem estão em risco desproporcional, uma vez que 57% das espécies de mamíferos que perderam a sua função de SE são endémicas.
A maioria das espécies entregadoras de SE pertence as ordens Primates (Primatas), Rodentia (Roedores), Chiroptera (Morcegos), Carnivora e à subordem Cetacea (Cetáceos), o que não é surpreendente, pois estas são as que possuem o maior número de espécies no Brasil. Ao mesmo tempo, embora Rodentia tenha o maior número de espécies no país, cerca de 233 espécies, 51% deles não entregaram nenhum dos SE aqui considerados. Também era esperado que as ordens e subordens com baixo número de espécies no Brasil entregassem menos serviços, exceto Cingulata (Tatus) , onde todas as 10 espécies entregaram entre 5 e 7 serviços cada.
A riqueza do SE não estava distribuída de maneira homogênea pelo país e seus biomas. Embora no Brasil a maior riqueza de mamíferos seja encontrada na Amazônia e na Mata Atlântica, esse padrão não foi necessariamente seguido por todos os SE entregues por mamíferos brasileiros.
Serviços ecossistêmicos por mamíferos nos 6 biomas brasileiros e zona costeira
- A Amazônia apresentou alta riqueza de espécies para a maioria dos SEs, seja na maior parte de sua área (ou seja, ecoturismo, serviços relacionais, sentinela de doenças, transporte de nutrientes e controle de pragas e doenças), ou em parte dela (ou seja, engenharia de ecossistemas, polinização, controle de roedores e dispersão de sementes), sendo pobre no controle de cima para baixo e nos distribuidores de controle de carniça.
- Já na Mata Atlântica, apesar de possuir uma riqueza de mamíferos muito elevada, houve menos entregadores de SEs. A Mata Atlântica foi particularmente importante para os serviços de polinização, e alguma relevância para os serviços de sentinela de doenças, controle de pragas e doenças e controle de carniça.
- O Pantanal era claramente um ponto importante para o ecoturismo, mas também para sentinela de doenças, engenharia de ecossistemas e controle de roedores (especialmente no sul).
- O Cerrado era um importante hotspot para controle de roedores e sentinela de doenças, mas também tinha alta riqueza em engenharia de ecossistemas e agentes de controle de pragas e doenças.
- A Caatinga apresentou alta riqueza apenas para sentinelas de doenças e transmissores de controle de pragas e doenças, como a maioria dos biomas terrestres,.
- O Pampa apresentou baixa riqueza de espécies para todos os serviços.
- A Zona Econômica Exclusiva Brasileira foi um importante ponto de acesso para a regulação de cima para baixo e o transporte de nutrientes.
Embora os serviços de sentinela de doenças, controle de pragas e doenças e controle de carniça mostrassem algumas áreas com maior riqueza de espécies, essas áreas não estavam restritas a biomas específicos, sendo altas na maior parte do país (sentinela de doenças, controle de pragas e doenças), ou concentrado em uma área entre vários biomas (controle de carniça).
Os mamíferos são importantes para o povo brasileiro
A análise fornece uma visão clara dos múltiplos serviços prestados por diferentes grupos de mamíferos e destaca as importantes contribuições potenciais da biodiversidade brasileira para as pessoas, incluindo o papel notável das espécies endêmicas do país. Mais importante ainda, mostramos que a prestação de serviços não reflete simplesmente padrões espaciais de riqueza de espécies em geral, mas que é possível identificar hotspots para cada serviço em todo o Brasil, inclusive em suas paisagens marítimas. A identificação das contribuições das espécies para as pessoas é um primeiro passo para o reconhecimento de sua importância socioeconômica, especialmente em um país com um capital natural tão reconhecido mundialmente, como o Brasil.
É importante lembrar que os SE são serviços prestados às pessoas. Assim, em regiões com baixa população humana, como a Amazônia, menos pessoas se beneficiarão dos SE, mesmo que seja um hotspot para muitos SE. Na Mata Atlântica, por outro lado, a alta densidade populacional humana significa que os poucos SE que estão sendo entregues beneficiarão muito mais pessoas.
Curiosamente, a pequena região que apresenta alta riqueza de espécies para o controle da carniça está no ecótono entre a Mata Atlântica e o Cerrado. O controle da carniça aumenta os fluxos de energia nas cadeias alimentares, limita a propagação de doenças, remove as carcaças do campo e regula indiretamente as emissões de gases de efeito estufa.
Finalmente, a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira, que inclui ∼25% de suas águas dentro de áreas protegidas, foi o bioma mais importante para o transporte de nutrientes, um serviço prestado por mamíferos aquáticos . Este serviço é extremamente importante para a fertilização de ambientes naturais e antropizados, especialmente pela transferência de nutrientes de águas de alta produtividade (por exemplo, pelágicas) para águas de baixa produtividade (por exemplo, oceano profundo).
Espécies sentinelas
A maioria dos biomas apresenta alta riqueza de espécies sentinelas de doenças e que realizam controle de pragas e doenças, indicando que estes são os SE menos vulneráveis no Brasil. Muitos mamíferos funcionam como espécies sentinelas, pois participam do ciclo de doenças zoonóticas que afetam os humanos, sendo úteis na determinação da distribuição, abundância de patógenos e na compreensão da ecologia de doenças.
Os mamíferos que funcionam melhor para a detecção precoce de epidemias são aqueles que interagem com a vida selvagem, humanos e animais domésticos ou pecuários. Portanto, monitorar a prevalência de patógenos em populações de mamíferos é extremamente importante para prever o risco de surtos de doenças em humanos.
Prevenir surtos de patógenos por meio do monitoramento desses mamíferos deve ser uma prioridade das políticas públicas no Brasil, pois são custo-efetivos e podem salvar vidas humanas. As espécies reguladoras que prestam serviços de controlo de pragas e doenças, por outro lado, contribuem para aumentar o rendimento das colheitas e a segurança alimentar, reduzindo a necessidade de pesticidas, melhorando a integridade do ecossistema e a saúde humana.
Engenheiros de ecossistemas
Surpreendentemente, a análise revela que os principais distribuidores de SEs no Brasil são algumas espécies de tatu, que entregam até sete serviços cada. Os tatus são mamíferos escavadores conhecidos por suas funções como engenheiros de ecossistemas e bioturbadores, movendo e misturando grandes quantidades de solo e sedimentos para a superfície e criando novos habitats. Esses novos habitats podem ser refúgio para muitos outros animais. aumentando a abundância e riqueza de invertebrados e vertebrados, sendo importantes para toda a comunidade do ecossistema.
Esses animais também têm um grande potencial para serem sentinelas de doenças, pois são hospedeiros reservatórios de patógenos importantes, por exemplo, Trypanosoma cruzi , o patógeno da doença de Chagas. Infelizmente, o Brasil não possui um programa de biomonitoramento bem estabelecido para rastrear a prevalência de patógenos em tatus.
Além disso, os tatus são intensamente caçados no Brasil. No outro extremo, os Lagomorpha (Coelhos) são o grupo de mamíferos que menos entrega SEs no Brasil. Há uma baixa diversidade de Lagomorpha no Brasil, que eram consideradas espécies carismáticas e, portanto, prestadoras de serviços relacionais. Há evidências de dispersão de sementes de alguns coelhos em outros países, mas não de espécies brasileiras.
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A baixa redundância (isto é, riqueza de espécies) em SE importantes, quer em todo o país, quer em parte dele, realça a necessidade de conservar as espécies individuais que os fornecem. Identificou-se SE e processos importantes apoiados por muito poucas espécies em todo o país, mostrando baixa redundância e, portanto, uma alta vulnerabilidade para a sua prestação – especialmente para serviços que estão quase exclusivamente associados a mamíferos, como a engenharia de ecossistemas.
Engenharia de ecossistemas, eliminação de carniça e controle de roedores são serviços prestados por menos de 20 espécies no país. Claramente, alguns SEs que têm baixa redundância em mamíferos, como controle de roedores e eliminação de carniça, também podem ser entregues por outros vertebrados, como aves (por exemplo, aves de rapina e abutres) ou répteis (cobras). Embora os mamíferos desempenhem um papel mais relevante.
Muitos roedores são conhecidos como reservatórios de patógenos humanos e, portanto, controlar o crescimento populacional é importante para a saúde humana. Além disso, os predadores roedores podem manter uma elevada diversidade de roedores, evitando a exclusão competitiva, o que é essencial para reduzir a dominância de hospedeiros roedores competentes e a transmissão associada de doenças, um processo conhecido como “efeito de diluição”.
Polinização
A polinização também apresenta baixa redundância de espécies, sendo realizada por 51 espécies (7% de todos os mamíferos analisados), mas com um máximo estimado de 30 por pixel em algumas áreas da Amazônia. A polinização é um processo importante para a reprodução das plantas e formação de frutos e sementes, reconhecida como um SE regulador que garante o rendimento das culturas e a segurança alimentar.
Embora as culturas economicamente mais importantes sejam polinizadas por invertebrados, algumas são especializadas em polinizadores mamíferos, como o pequizeiro Caryocar brasiliensis e C. villosum , que produz um fruto amplamente consumido no Cerrado brasileiro e é polinizado por morcegos (por exemplo, Anoura geoffroyi e Glossophaga soricina). Assim, a vulnerabilidade deste serviço prestado pelos mamíferos poderia desencadear a escassez destes produtos.
Quantidade e qualidade
Vale ressaltar que aqui consideramos os mapas de distribuição da IUCN para derivar a riqueza de espécies e seus SEs. No entanto, a abundância de espécies é um fator crucial para que uma espécie forneça efetivamente um SE. Se a densidade populacional for demasiado baixa, as espécies poderão contribuir apenas marginalmente (se o fizerem) para o fornecimento de SE. Por outro lado, grandes populações podem ter uma maior contribuição para os SE.
Assim, a abundância de espécies pode ser mais importante do que a presença de espécies na entrega eficaz de SE. No entanto, aqui utilizamos a riqueza de espécies como proxy para os serviços ecossistêmicos fornecidos pelas espécies de mamíferos. Portanto, mesmo que uma espécie seja localmente rara, se a riqueza de espécies que prestam esse serviço for elevada, podemos assumir que o serviço ecossistémico está a ser prestado, apesar de não termos informações sobre a abundância das espécies.
É importante considerar que os SE entregues por estas espécies à escala local e regional devem ser considerados nas políticas de conservação. Por exemplo, o nosso estudo ajuda a identificar os beneficiários dos serviços oferecidos por estas espécies e a alertar para a necessidade de conservação destas espécies.
Algumas das espécies aqui destacadas fornecem SE únicos e estratégicos e devem ser o foco dos planos locais e regionais de conservação de espécies. No âmbito das abordagens de Gestão Baseada em Ecossistemas (EBM), os SE e as espécies que os proporcionam devem ser incluídos nos planos de gestão das Áreas Protegidas e utilizados para monitorizar os benefícios atuais fornecidos.
Falta de conhecimento
As regiões tropicais concentram a maior parte da biodiversidade global, mas apresentam as maiores lacunas de conhecimento sobre biodiversidade, especialmente no que diz respeito aos papéis desempenhados por esta rica biodiversidade. Aqui, fornecemos a primeira avaliação abrangente de todos os SE estimados entregues por mamíferos a nível nacional. Dada a escala continental e a diversidade da fauna de mamíferos do Brasil, isso representa uma avaliação de 13% da ca. 5.400 mamíferos existentes em todo o mundo.
O conhecimento do seu papel nos SEs aborda esta importante lacuna de conhecimento na América do Sul, especialmente considerando que apenas 24% dos mamíferos brasileiros são endêmicos e, portanto, a maioria das espécies aqui avaliadas também ocorre em outros países, provavelmente entregando o mesmo SE. Conhecer e quantificar os SE entregues pelas espécies também pode contribuir para uma gestão mais eficaz, focada no duplo objetivo de otimizar a entrega dos SE e apoiar a conservação da biodiversidade, o que é essencial para um futuro sustentável.
Ecosystem services delivered by Brazilian mammals: spatial and taxonomic patterns and comprehensive list of species
Author:
Mariana M. Vale,Marcus Vinícius Vieira,Carlos Eduardo V. Grelle,Stella Manes,Aliny P.F. Pires,Rodrigo H. Tardin,Marcelo M. Weber,Marcio Argollo de Menezes,Louise O’Connor,Wilfried Thuiller,Luara Tourinho
Publication:
Perspectives in Ecology and Conservation
Publisher:
Elsevier
Date:
Available online 4 November 2023
© 2023 Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação. Published by Elsevier B.V.
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