Agricultura homogênea agrava crise climática e de saúde, alerta pesquisador da USP

Modelo baseado em monoculturas, uso intensivo de insumos e padronização alimentar é insustentável e exige transição urgente, defende Ricardo Abramovay

As paisagens agrícolas uniformes, dominadas por vastas extensões de uma única cultura, são reflexo de um sistema agroalimentar baseado na simplicidade produtiva e na forte dependência de insumos industriais. Para o professor Ricardo Abramovay, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e pesquisador da Cátedra Josué de Castro, esse modelo, amplamente adotado no mundo, é ambientalmente insustentável e perigoso para a saúde pública. Um dos principais alertas do especialista está naquilo que ele define como a “tríplice monotonia” da agricultura contemporânea: paisagens, práticas produtivas e alimentação padronizadas.

Agricultura homogênea agrava crise climática e de saúde, alerta pesquisador da USP
A produção agrícola atual é altamente dependente do uso intensivo de água, fertilizantes nitrogenados e agrotóxicos – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Concentração e homogeneização

Segundo Abramovay, o atual sistema agroalimentar global está baseado em uma concentração excessiva. “Apesar de conhecermos cerca de 7 mil alimentos comestíveis, apenas 400 são cultiváveis. E, mesmo assim, 75% das calorias consumidas no mundo vêm de apenas seis produtos: trigo, milho, arroz, batata, soja e cana-de-açúcar”, destaca. Embora reconheça que alguma concentração seja natural em sociedades modernas, o pesquisador alerta que o grau atual empobrece a biodiversidade, tanto nas lavouras quanto nas criações animais, e impacta diretamente a qualidade da alimentação.

Essa padronização se reflete também nas técnicas agrícolas e na pecuária. A produção moderna depende intensamente de água, fertilizantes nitrogenados, agrotóxicos e, no caso das criações, do uso sistemático de antibióticos. Nas chamadas granjas industriais, aves e suínos são mantidos em espaços confinados, favorecendo o surgimento de superbactérias resistentes a tratamentos convencionais. “Essa é uma consequência direta de um modelo que prioriza a produtividade em detrimento da saúde ambiental e humana”, avalia Abramovay.

Consequências para a saúde e o meio ambiente

Os impactos desse sistema não se limitam ao campo. O consumo crescente de alimentos ultraprocessados está diretamente relacionado ao aumento de doenças crônicas como diabetes tipo 2, câncer e enfermidades cardiovasculares — hoje mais letais que a fome em muitas regiões. O excesso de carne na dieta, especialmente em países desenvolvidos, agrava esse cenário, comprometendo a saúde das pessoas e pressionando ainda mais os ecossistemas.

Da agroecologia à regeneração florestal: novo livro revela o potencial da agricultura familiar no combate à crise climática

Do ponto de vista ambiental, o modelo também se mostra frágil. Em 2024, quase 60% do território brasileiro enfrentou a pior seca da história, que avançou do semiárido para o Cerrado. Essa mudança no padrão climático contribuiu para a expansão do desmatamento na Amazônia, impulsionado pela busca de novas áreas para o cultivo de soja e milho.

Rumo a uma transição agroalimentar

Para Abramovay, a crise atual evidencia a necessidade urgente de uma transição profunda no sistema agroalimentar. Ele defende práticas como a rotação de culturas, a integração entre agricultura, pecuária e sistemas agroflorestais, além da promoção da biodiversidade nas propriedades rurais. Os bioinsumos ganham destaque nesse processo, por representarem uma alternativa mais ecológica e economicamente viável. “O uso de bioinsumos tem crescido no Brasil e oferece múltiplos benefícios: aumenta a resiliência das lavouras, reduz os custos de produção e diminui a dependência dos agricultores de tecnologias controladas por grandes corporações”, explica.

Responsabilidade do Brasil no cenário global

Como um dos maiores produtores de grãos do mundo, o Brasil ocupa uma posição estratégica na reestruturação do modelo agroalimentar global. Para Abramovay, não se trata de abrir mão desse protagonismo, mas de repensar a forma como o território é ocupado e como os alimentos são produzidos.

A transição, segundo ele, exigirá políticas públicas sólidas, inovação tecnológica e planejamento de longo prazo. “A crise climática, a perda de biodiversidade e a explosão de doenças relacionadas à má alimentação tornam esse debate inadiável. Precisamos de um sistema agroalimentar justo, saudável e ambientalmente sustentável”, conclui o professor.

Fonte: Jornal da USP


Descubra mais sobre Florestal Brasil

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

View all posts by Arthur Brasil →

Comenta ai o que você achou disso...