A mudança no uso da terra é um dos nove limites planetários definidos pela primeira vez por um grupo internacional de cientistas do Centro de Resiliência de Estocolmo (Stockholm Resilience Centre, SRC) em 2009. A estrutura de limites planetários sugere que a Terra tem sistemas operacionais essenciais, cada um precariamente equilibrado, como um veículo descendo por uma estrada numa encosta íngreme. Mas se a humanidade violar um limite planetário, corremos o risco de desestabilizar os sistemas operacionais da Terra e potencialmente cairmos em um penhasco existencial, e a própria humanidade estará gravemente ameaçada.
“Transgredir um limite aumenta o risco de que as atividades humanas possam inadvertidamente levar o Sistema Terrestre a um estado muito menos hospitaleiro, prejudicando os esforços para reduzir a pobreza e levando a uma deterioração do bem-estar humano em muitas partes do mundo, incluindo países ricos”, diz Will Stefan, professor e pesquisador do SRC e da Universidade Nacional Australiana, em Canberra.
Ultrapassando os limites de uso da terra
Quando se trata de conservar terras naturais, os cientistas calculam que devemos reter 85% das florestas tropicais e boreais e 50% das florestas temperadas para permanecer dentro dos limites de “operação segura” da Terra: esses percentuais refletem o quanto de floresta intacta precisa ser mantido, em comparação com a área total de vegetação natural que existiria sem qualquer interferência humana.
Ao cair abaixo dessas porcentagens, a humanidade coloca cada vez mais em risco os serviços ecossistêmicos vitais que as florestas fornecem, como absorver CO2 da atmosfera, gerar chuva, manter a terra no lugar e apoiar a biodiversidade.
Com base nessas porcentagens, provavelmente já ultrapassamos o limite de uso da terra. O número de árvores em todo o mundo caiu quase 50% desde os primórdios da agricultura, cerca de 12 mil anos atrás. Por algumas estimativas, mais de 15 bilhões de árvores são derrubados todos os anos.
O desmatamento está aumentando, com a maioria das perdas florestais ocorrendo apenas nas últimas décadas. De 2001 a 2021, uma área florestal medindo aproximadamente metade do tamanho da China (mais de 437 milhões de hectares) foi perdida ou destruída em todo o planeta, de acordo com novos dados da Universidade de Maryland disponíveis no Global Forest Watch.
Só em 2021, foram destruídos 11,1 milhões de hectares de florestas tropicai, desaparecendo a uma taxa de cerca de dez campos de futebol por minuto. Quase um quarto dessa perda ocorreu em florestas tropicais primárias e antigas, alguns dos maiores refúgios seguros da Terra para a vida vegetal e animal e para o armazenamento de carbono.
Mais de 40% da perda de floresta primária em 2021 ocorreu na Amazônia brasileira, impulsionada em grande parte por incêndios propositais para limpar terras principalmente para pecuária de corte e cultivo de soja.
As florestas boreais – bosques de coníferas do norte do planeta – ocupam o segundo lugar nessas estatísticas sombrias. Essas florestas foram cortadas mais do que nunca em 2021, aumentando 29% em relação a 2020. Esse aumento foi impulsionado por uma temporada de incêndios sem precedentes na Rússia, a pior já registrada, que queimou uma área com aproximadamente o dobro do tamanho da Bélgica. Embora os incêndios ocorram naturalmente em ecossistemas boreais (ao contrário das florestas tropicais), as mudanças climáticas trouxeram condições mais quentes e secas, tornando os incêndios florestais muito mais prováveis.
Toda essa perda de floresta é uma má notícia para o clima da Terra (outro limite planetário que ultrapassamos nas últimas décadas), bem como para a biodiversidade (mais um limite violado). Na verdade, os sistemas operacionais da Terra não operam isoladamente. Ultrapasse e desestabilize um limite, e outros serão desestabilizados, colocando vários sistemas em risco.
“A terra é o que mudamos e isso afeta o sistema climático”, disse Peter Verburg, professor e líder do Grupo de Geografia Ambiental do Instituto de Estudos Ambientais da Vrije Universiteit Amsterdam, na Holanda. “Se cortarmos árvores ou removermos vegetação, removemos o carbono sequestrado naquela vegetação e o colocamos na atmosfera.”
Em reportagem publicada pela Mongabay, Miriam Medel, chefe de relações externas, política e advocacia da Convenção de Combate à Desertificação da ONU reiterou que “a terra é o conector entre biodiversidade e mudanças climáticas, entre humanos e natureza.”
Uma crítica da estrutura de limites planetários
A estrutura de limites planetários, embora forneça um modelo útil para medir a mudança, não é totalmente aceita por todos os cientistas. Alguns observam que, como os nove limites estão tão profundamente interconectados, pode ser um desafio separá-los e avaliar cada um individualmente de maneira significativa. Isso é especialmente verdadeiro para a mudança de uso da terra, que sustenta e influencia quase todos os outros limites.
Outra crítica é que o limite do sistema terrestre se concentra exclusivamente nas florestas, e não em qualquer outro tipo de ecossistema. Zonas úmidas, savanas e turfeiras contêm imensa biodiversidade, fornecem serviços ecossistêmicos vitais e desempenham papéis importantes na mitigação do clima e na manutenção de outros sistemas operacionais do planeta. “O uso da terra é mais do que florestas”, comentou Verburg.
No entanto, muitos especialistas concordam que a estrutura fornece uma ferramenta útil para visualizar e medir nossas transgressões planetárias, e também para estimular ações. Assistir a um centímetro do sistema operacional da Terra ir do amarelo ao vermelho é alarmante e pode levar a um desespero paralisante. Mas essas luzes vermelhas piscantes também podem nos inspirar a encontrar soluções, que agora são abundantes. O que se segue são apenas algumas das ações que podem levar as florestas da zona vermelha de volta para a luz verde.
Fonte: Mongabay
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