Belém (PA) amanheceu hoje com os olhos do mundo voltados para o rio Guamá. A cantora estadunidense Mariah Carey sobe ao palco em formato de vitória-régia para encerrar o espetáculo Amazônia Live – Hoje e Sempre, que começa às 18h15 com Dona Onete, Joelma, Gaby Amarantos e Zaynara. O evento, transmitido pelo Multishow e Globoplay, é um aperitivo cultural da COP30, que chega em novembro para colocar a capital paraense no centro das negociações climáticas globais.
É inegável: há algo de poderoso em ver a Amazônia transformada em cenário de um show internacional. A imagem das águas, das luzes refletidas no rio e da mistura entre pop norte-americano e música paraense tem peso simbólico. Dá visibilidade, chama a atenção de públicos que talvez jamais se debruçassem sobre um relatório climático ou participassem de um painel técnico. Nesse sentido, há mérito.
Mas toda vez que luzes tão fortes se acendem, as sombras ficam mais evidentes. O espetáculo é patrocinado pela Vale, empresa que ainda carrega as marcas de Mariana e Brumadinho. Ao investir em cultura e sustentabilidade, a mineradora tenta ressignificar sua imagem e conquistar o que chama de “licença social para operar”. A estratégia não é nova, mas desperta desconfiança: seria essa uma forma sofisticada de greenwashing?
A linha tênue: celebração ou greenwashing?
O protagonismo cultural também alimenta críticas, embasadas nos numeros superlativos do evento, que mobilizou centenas de pessoas e milhões de reais. O palco pesa 13,2 toneladas, sendo 10 toneladas só da estrutura em forma de vitória-régia, feita com metalon e revestida com tecido sustentável, com foco em baixo impacto ambiental. A estrutura foi pensada para garantir a melhor visão aos cerca de 500 convidados, acomodados em uma arquibancada montada em balsa.
E os convidados não irão prestigiar o show da cantora estadunidense de barriga vazia. Para preparar o menu do buffet que será servido durante o evento, a produção contratou o chef paraense Saulo Jennings. Quem estiver por lá poderá se deliciar com mini espetinho de queijo coalho com tomate confit, melaço de tucupi preto e castanhas, arroz de pato em homenagem ao Círio de Nazaré; sorvete de açaí com farinha de tapioca, entre outras delícias. Uma sofisticação tão excluisiva que nem os próprios paraenses estão habituados.

Colunas locais e reportagens questionam custos e prioridades em um estado com carências sociais, citando estimativas (não oficiais) de R$ 30 milhões para a infraestrutura e cerca de US$ 1 milhão de cachê — números atribuídos a fontes privadas e sem confirmação pelos organizadores. Enquanto isso, o governo do Pará decretou emergência financeira e contingenciou gastos em secretarias. Aqui, o risco é o espetáculo eclipsar compromissos materiais de desmatamento zero, redução de emissões e proteção de povos originários.
Por que isso importa para a pauta climática
O espetáculo acontece a menos de dois meses da COP30 em Belém (10–21 de novembro) e pretende “jogar holofotes” sobre a Amazônia, seus povos e a necessidade de redução de emissões, ampliando o alcance da agenda climática junto a públicos que não acompanham negociações da ONU.
A Vale, patrocinadora do evento, tem explicitado que usa 2025 sob o “pano de fundo” da COP30 para reposicionar sua comunicação: divulgar parcerias de conservação (como a narrativa de 800 mil hectares preservados com o ICMBio) e aproximação do público jovem por meio de cultura e grandes eventos — parte do esforço por “licença social para operar”.
No plano simbólico, shows de grande porte ampliam a visibilidade da Amazônia, valorizam a cultura paraense e podem engajar novas audiências em torno de bioeconomia, floresta em pé e justiça climática — algo difícil de alcançar apenas com relatórios e painéis técnicos.
O contraste não anula a potência do gesto, mas revela sua ambiguidade. O show pode ser lembrado como um marco cultural que colocou a Amazônia no mapa da música mundial e deu fôlego à pauta climática. Ou pode virar símbolo de uma COP transformada em vitrine, onde o entretenimento ocupa mais espaço que os compromissos reais com desmatamento zero, povos originários e redução de emissões.
Belém está no centro desse dilema. Hoje, a cidade celebra com música e espetáculo. Em novembro, terá de provar que consegue transformar luzes de palco em compromissos de longo prazo.
Coluna Olavo Dutra / Exame / BNCamazonas / Terra / Gshow / Veja
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