Foi no dia 26 de setembro de 1982 que o então prefeito de Cambará do Sul, Pedro Teixeira Constantino, faria o povo da cidadezinha situada na Serra Gaúcha interromper seja lá o que estivesse fazendo para testemunhar um feito de aparência banal: agachou-se no coração da Praça Central São José e, como se desse um presente mágico ao solo cambaraense, plantou a muda de uma sequoia-vermelha.
Dali até os dias atuais, o broto ganharia um cercado e uma placa de madeira, que atestam sua importância: “Sequoia Lunar”. Quem lê o texto ao lado da insígnia descobre que a semente que deu origem à atual árvore imponente teria sido uma das centenas que embarcaram junto à missão Apollo 14, o terceiro pouso de uma nave espacial na Lua, realizado pela Nasa em 1971. A reputação do vegetal seria transmitida de geração a geração por moradores e autoridades locais — menos pela agência espacial norte-americana.
O status de árvore lunar só se tornou oficial em março de 2021 quando, após quase 40 anos desde seu plantio em Cambará do Sul, a Nasa reconheceu que a história divulgada anos a fio pelos cambaraenses não era lenda urbana: a semente da sequoia tinha, de fato, sido enviada à Lua. Agora, com o paradeiro da árvore esclarecido, a pequena cidade do Rio Grande do Sul passa a integrar a lista oficial do projeto “Árvores da Lua” (The Moon Trees, em inglês) que, depois de levar sementes ao satélite natural da Terra, distribuiu-as ao solo de países como Estados Unidos, Japão, Suíça e Brasil.
Da Lua a Cambará do Sul
Quem deu o pontapé para que a Nasa chegasse à conclusão derradeira foi Douglas Hecher, cientista da computação gaúcho que, desde 2017, também se dedica a estudar a história e as características do Parque Nacional dos Aparados da Serra. Ali, entre duas grandes árvores cambarás, espécies que dão nome à região, vive a famosa sequoia, um tipo de árvore comum nas encostas da Serra Nevada, na Califórnia. É difícil passar sem notá-la: hoje, a gigante já tem cerca de 30 metros de comprimento e 70 centímetros de diâmetro.
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A semente que lhe deu origem permaneceu em órbita junto ao astronauta norte-americano Stuart Roosa durante todas as 34 voltas lunares da missão Apollo 14, que ocorreu entre 31 de janeiro e 9 de fevereiro de 1971. A nave tripulada também contou com a presença dos astronautas Alan Shepard e Edgar Mitchell que, ao contrário do primeiro, realizaram experimentos científicos na superfície da Lua.
Outras duas mudas dessa leva de sementes foram plantadas no Brasil antes de chegar ao solo cambaraense: uma na sede do Ibama, antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), em Brasília — que em 1980 recebeu alguns brotos como um gesto diplomático do Serviço Florestal dos Estados Unidos — e a outra no Parque de Exposições de Santa Rosa, no noroeste do Rio Grande do Sul, que foi cultivada em 1981 após o então prefeito da cidade, Antonio Carlos, solicitar ao IBDF que lhe ajudasse com um atrativo turístico para a 5ª Feira Nacional da Soja.
Para Hecher, que vasculhou materiais do projeto “Árvores da Lua” e notícias de jornais brasileiros do período, é possível que o então prefeito de Cambará do Sul tenha feito o mesmo que o de Santa Rosa: solicitou uma muda ao IBDF. Ambos, diz ele, provavelmente teriam uma boa relação com os delegados da instituição. Mas por que, ao contrário da árvore de Santa Rosa, a de Cambará do Sul não constava no registro oficial da Nasa?
“Por não haver registro na pesquisa da Nasa dessa árvore, podemos conjecturar que talvez essa semente tenha sido desviada de algum outro destino. Talvez Santa Rosa fosse receber duas mudas e acabou recebendo só uma por causa disso. Ou alguma outra cidade brasileira ia receber essa plantinha e pelo bom relacionamento do prefeito [de Cambará do Sul] com o antigo IBDF, ele acabou conseguindo a árvore”, supõe o pesquisador. O então prefeito cambaraense também ficou conhecido por ser um amante da natureza, o que levou alguns moradores a creditar parte de seu empenho pela semente.
O impasse levou Hecher a enviar um email a Dave Williams, cientista responsável pelo banco de dados da Nasa, questionando-o sobre a ausência da cidade na lista do projeto. Em julho de 2019, o gaúcho perguntou: “Poderia ser um erro ou essa é, de fato, uma árvore lunar?”. A sequoia lhe chamou a atenção enquanto estudava os cânions do Parque Nacional dos Aparados da Serra para um projeto independente, cuja proposta é se tornar uma “enciclopédia” sobre a unidade de conservação brasileira.
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A resposta viria no dia 9 de março de 2021: “Lamento por não ter respondido ao seu e-mail antes, obrigado por me alertar sobre a árvore”, escreveu Williams, antes de explicar que a mensagem provavelmente havia se perdido em sua caixa de entrada. Na linha seguinte, o cientista deu aval à história sustentada pelos moradores de Cambará do Sul desde os anos 80: “Eu já tinha ouvido falar da árvore em Cambará do Sul e simplesmente não tinha conseguido verificar ou montar uma página [no site do projeto], mas acabei de fazer isso”.
Atrativo turístico
A sequoia lunar de Cambará do Sul não foi a única a ter sua localização não reconhecida pela Nasa por tanto tempo. Em 2002, Williams disse ao site da agência espacial que, uma vez que “ninguém manteve registros sistemáticos” sobre o plantio dessas árvores à época, a localização de muitas delas ficou “praticamente desconhecida”. Até hoje, o banco de dados do projeto é periodicamente atualizado pelo cientista, com novos endereços e registros de eventuais mortes dessas plantas.
As mudas lunares foram presenteadas a escolas, universidades, parques e escritórios governamentais, a maioria deles nos Estados Unidos — o plantio também serviu bem às celebrações do bicentenário dos EUA, em 1976.
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Há árvores lunares plantadas no jardim da Casa Branca, nos Estados Unidos; no Washington Square Park, na Filadélfia; na Universidade da Flórida, em Gainesville; no Sistema Central de Saúde para Veteranos do Alabama (CAVHCS); mas também em localidades na Suíça e no Japão, por exemplo. Ao todo, são pelo menos 100 árvores da Lua espalhadas mundo afora.
Na página da Nasa onde foi registrado o paradeiro da árvore cambarense, Williams escreveu que a cidade de Cambará do Sul teria sido escolhida para receber a muda “em sorteio entre os municípios da serra gaúcha meridional” e que a árvore foi plantada como parte de uma celebração da Festa Anual das Árvores, realizada em 1982 pelo então prefeito da cidade gaúcha. O trecho de um jornal brasileiro da época também é citado: “E o prefeito também plantou uma muda de sequoia (árvore que germinou em solo lunar), cedida pela delegação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal”.
O trecho que sugere que a árvore teria sido “germinada em solo lunar”, no entanto, é desmentido pelo site — um dado que, apesar de exagerado, consta até hoje na placa à frente do vegetal. “A afirmação sobre a árvore ter sido germinada em solo lunar está incorreta, nenhum solo lunar esteve envolvido no cultivo dessas árvores”, esclarece a Nasa — o que aconteceu foi que as sementes estiveram em órbita lunar, mas não foram germinadas na superfície da Lua.
Por que a Nasa enviou sementes à Lua
A missão Apollo 14 foi uma das primeiras a estudar como as sementes se comportam em gravidade zero. A Nasa queria avaliar se, quando retornassem à Terra, os grãos submetidos a essa condição teriam suas taxas de germinação afetadas. Foi uma das primeiras experiências biológicas feitas no espaço.
De volta ao solo terrestre, em 1971, elas foram enviadas aos laboratórios do Serviço Florestal dos Estados Unidos, onde foram transformadas em cerca de 450 mudas. Para surpresa dos biólogos, elas cresceram normalmente e, em 1975, suas “descendentes” estavam prontas para deixar os arredores do laboratório.
Atualmente, após décadas de crescimento, os cientistas não observaram nenhuma diferença perceptível entre as árvores que cresceram a partir dessas sementes lunares e aquelas que nunca deixaram a Terra. “A Apollo 14 foi a primeira missão a mostrar que a ausência de gravidade não afeta o desenvolvimento biológico da flora”, lembra Hecher, que atualmente estuda Astrofísica na Faculdade de Santa Catarina (FASC).
As árvores lunares ajudaram os cientistas a compreenderem melhor os efeitos da gravidade zero sobre o crescimento das plantas, cujo cultivo deverá ser crucial em missões futuras com humanos na Lua e em Marte — a exemplo das missões Artemis, da Nasa, que têm o objetivo de levar de volta astronautas ao satélite natural até 2024; e a meta ambiciosa da agência norte-americana de enviar uma nave tripulada ao Planeta Vermelho já na década de 2030.
“Em breve, o homem vai pisar em Marte e os frutos colhidos da Apollo 14 reverberam até hoje”, comemora Hecher. É o que também diz a Nasa que, ao recordar dos frutos da missão em comunicado recente, afirmou que “todas as safras cultivadas no espaço têm Apollo 14 em suas raízes”.
“Cinco décadas após a missão que levou as sementes à Lua, as árvores que cresceram a partir das sementes permanecem como testemunhos vivos e frondosos das primeiras viagens da humanidade à Lua, enquanto as plantações cultivadas no espaço desde então permitem a continuação da exploração humana do cosmos”, disse a agência espacial norte-americana.
Fonte: Revista Galileu | Espaço
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