Sem os povos da floresta, sem futuro: não existe bioeconomia sem justiça social

Sem justiça para os povos da floresta, a bioeconomia corre o risco de repetir a exploração colonial com verniz sustentável.

Nos últimos anos, a bioeconomia ganhou status de palavra mágica. Ela aparece em discursos de governo, em estratégias de empresas e em paineis de conferências internacionais. Apontada como solução verde para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, a bioeconomia promete conciliar conservação da floresta com geração de renda. Mas há uma pergunta que raramente é feita: para quem é essa bioeconomia?

A resposta, muitas vezes, revela uma contradição profunda. Em vez de corrigir desigualdades históricas, o que se observa é o risco da bioeconomia repetir a lógica colonial que sempre tratou a Amazônia como um estoque de recursos a serem explorados por agentes de fora, em nome do progresso. A floresta se mantém no centro do discurso, mas os povos que a habitam seguem à margem das decisões – ou são incluídos apenas como mão de obra barata ou curiosidade cultural.

Não há floresta em pé sem povo em pé. Esta frase, tantas vezes repetida nos territórios da Amazônia profunda, resume o que falta em boa parte das políticas ditas sustentáveis: justiça social. Sem terra regularizada, sem acesso a mercados justos, sem apoio técnico, não há como esperar que extrativistas, indígenas e ribeirinhos sustentem cadeias produtivas de valor. A floresta só se mantém viva quando aqueles que a protegem podem viver com dignidade.

É notório que os produtos florestais não madeireiros são extraídos por comunidades tradicionais. E, segundo o MapBiomas, essas populações ocupam menos de 10% da área desmatada entre 1985 e 2022. Ou seja: quem menos desmata é quem mais conserva. Mas também é quem menos lucra.

Essa desigualdade não é técnica, é política. Como lembra Ailton Krenak, não se trata apenas de incluir os povos da floresta em modelos econômicos já existentes, mas de reconhecer suas formas de existir, produzir e cuidar como centrais para uma nova economia possível. Ou como diria Nego Bispo, é hora de substituir a ideia de “inserção produtiva” por um horizonte de coexistência e reciprocidade, assim como avançarmos de um “desenvolvimento sustentável” para uma transformação estrutural, em que a floresta não seja um ativo, mas uma relação.

A bioeconomia que interessa ao futuro do planeta não é feita de startups em escritórios refrigerados longe da floresta. Ela nasce nos quintais agroflorestais, nos galpões comunitários, nos rios e feiras dos interiores amazônicos. Ela precisa de políticas públicas robustas, de acesso ao crédito, de valorização dos saberes locais e de combate às injustiças fundiárias. Sem isso, será apenas mais uma forma bonita de vender o tradicional extrativismo com nova embalagem.

A Amazônia não precisa de salvação. Precisa de respeito, reparação e redistribuição. Que a bioeconomia não se torne apenas mais uma ponte entre o discurso verde e a prática excludente. Porque floresta sem justiça é floresta a favor de interesses escusos, e consequentemente é floresta ameaçada.

Elias Serejo é jornalista, doutor em Ciências da Comunicação e colunista do portal Florestal Brasil.

“Palavra em pé, floresta de pé.”


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