A seca que assola a Amazônia é um retrato preocupante dos desafios climáticos que o mundo enfrenta. A combinação do fenômeno El Niño e das mudanças climáticas antropogênicas desempenhou um papel significativo em acentuar esse evento climático extremo. A região amazônica, conhecida por sua exuberante floresta tropical e rios caudalosos, está enfrentando uma situação crítica devido à escassez de chuvas e ao aumento das temperaturas.
Esse fenômeno, nunca registrado com essa intensidade, afetou a biodiversidade e a vida humana em oito estados amazônicos. A seca já causou a morte de mais de 140 golfinhos, incluindo os golfinhos cor-de-rosa e tucuxis, também conhecidos como golfinhos cinzentos. A mortalidade de peixes e outros animais aquáticos também é alta. O baixo volume dos rios afeta o abastecimento humano, causando escassez de água potável e alimentos em todas as pequenas vilas, mesmo aquelas localizadas nas margens dos grandes rios. Dos 62 municípios do estado do Amazonas, 42 estão em estado de emergência, 18 estão em estado de alerta e apenas dois estão em situação normal.
O fenômeno El Niño tem uma influência direta na seca amazônica. Ele se manifesta pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico, afetando o regime de chuvas em várias partes do mundo. No caso da região amazônica, a seca é agravada pela diminuição da umidade e pela escassez de chuvas, prejudicando a vegetação, a fauna e as comunidades locais que dependem dos recursos naturais.
No entanto, as mudanças climáticas antropogênicas estão agravando ainda mais a situação. A desenfreada desmatamento, impulsionada pela expansão agrícola e atividades de exploração madeireira, reduz a capacidade da floresta amazônica de regular o clima e reter umidade. Além disso, a destruição de vastas áreas de vegetação contribui para o aumento das temperaturas, criando um ciclo de secas ainda mais acentuadas.
Desmatamento e mineração, fatores importantes
O desmatamento tem sido particularmente devastadora na região da rodovia BR-319, no sul do estado do Amazonas, impulsionada pela grilagem de terras, que forneceu terras baratas a pecuaristas de outros estados. Por sua vez, esse desmatamento aumentou o número de incêndios, que contribuem para a crise climática. Quando ocorrem próximos às margens dos rios, o desmatamento também intensifica o fenômeno conhecido como “terras caídas”, que afetou drasticamente a vazão dos rios e já está prejudicando significativamente a navegação e a logística, afetando principalmente as aldeias no interior da Amazônia, que já sofrem com escassez.
Outro fator que desempenhou um papel significativo na afetação da navegação é a atividade de mineração. A extração desorganizada de minerais criou bancos de terra prejudiciais à navegação, e que, no cenário crítico da seca, fizeram com que muitas embarcações encalhassem.
O impacto das barragens hidroelétricas
As barragens hidroelétricas também desempenham um papel na contribuição para o cenário de seca, especialmente no Rio Madeira. Isso se deve principalmente à decomposição de matéria orgânica nos reservatórios criados pelas barragens, o que libera metano, um potente gás de efeito estufa, na atmosfera. Além disso, o desmatamento associada à construção das barragens, assim como a degradação do solo e a erosão resultante da alteração dos ecossistemas aquáticos e terrestres, pode aumentar as emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros poluentes, contribuindo para o impacto das barragens hidroelétricas nas mudanças climáticas.
O Rio Madeira, que agora está em seu nível mais baixo em quase 60 anos, foi drasticamente afetado e transformado pelas barragens hidroelétricas Jirau e Santo Antônio. Isso se deve à alteração drástica do fluxo natural do rio causada pelo represamento de água para geração de energia. Quando a água é represada, um reservatório é formado, que retém parte da água que normalmente fluiria ao longo do rio. Essa mudança no fluxo afeta diretamente os ecossistemas aquáticos e terrestres da região, uma vez que o ciclo hidrológico da bacia é interrompido. A redução no volume de água no Rio Madeira, por exemplo, pode levar a períodos prolongados de seca, afetando não apenas a fauna aquática e os habitats ribeirinhos, mas também as comunidades locais que dependem do rio para seu sustento.
Além disso, a construção e operação de barragens hidroelétricas na Amazônia frequentemente envolvem o desmatamento de áreas significativas de floresta para a construção das barragens e infraestrutura associada. O desmatamento contribui para a redução da evapotranspiração, um processo crucial para o equilíbrio hídrico na região. Com menos árvores para liberar água na atmosfera, a Amazônia se torna mais suscetível à seca. A combinação desses fatores resulta em um impacto significativo na região, tornando as barragens hidroelétricas uma das causas da seca na Amazônia, particularmente no Rio Madeira, com preocupantes consequências ambientais e sociais.
O que ainda pode ser feito
Para combater a seca extrema na Amazônia e seus efeitos devastadores, é essencial adotar medidas rigorosas para conter o desmatamento e a mineração ilegal na região, e para que o governo federal reveja grandes empreendimentos, como barragens hidroelétricas e estradas, como a rodovia BR-319.
Muitos políticos argumentaram que a estrada, se pavimentada, poderia reduzir o isolamento do estado, especialmente durante as secas. No entanto, esse é um argumento falacioso, pois conectar os municípios mais isolados exigiria centenas de quilômetros de estradas secundárias, o que aumentaria ainda mais a desmatamento e agravaria a crise climática.
Além disso, a rodovia BR-319 tornou-se uma ponta de lança que corta um dos blocos de floresta mais conservados, ligando a Amazônia central, que ainda está preservada, ao “arco do desmatamento amazônico”, uma região que concentra a maioria das anomalias climáticas em todo o bioma.
Ecossistema à beira do colapso
Em um estudo recente publicado na renomada revista Conservation Biology, foi demonstrado que o desmatamento na Amazônia já está impactando os serviços ecossistêmicos essenciais para o Brasil, como os “rios voadores” da Amazônia. Esses dados científicos mostram que já estamos no limite de desmatamento e degradação ambiental tolerados pela Amazônia, e ações mais enérgicas precisam ser tomadas agora.
Parte dessa responsabilidade agora recai nas mãos do Presidente Lula, na revisão de grandes empreendimentos na Amazônia, como barragens hidroelétricas e rodovias, como a BR-319. Além disso, é essencial instituir uma política de desmatamento zero que deve começar neste ano, e não em 2030, quando será tarde demais. Além disso, é crucial que a comunidade internacional e os governos locais trabalhem juntos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e enfrentar eficazmente as mudanças climáticas. Somente com ação coordenada e decisiva poderemos mitigar os impactos da seca na Amazônia e proteger esse ecossistema único que desempenha um papel vital na regulação do clima global.
Fonte: The Conversation
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