Seca no Cerrado brasileiro é a pior em 70 anos

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), cujos resultados foram publicados na revista Nature Communications, revelou que a seca atual no Cerrado brasileiro é sem precedentes nos últimos 700 anos.

Rio Tocantins integra bacias do Cerrado brasileiro que têm sofrido perda de água nas últimas duas décadas — Foto: Túllio F/Wikimedia Commons

Os pesquisadores destacaram que o aquecimento global na região central do Brasil tem sido particularmente intenso, resultando em temperaturas aproximadamente 1 °C acima da média global de 1,5 °C. Esse aumento de temperatura tem causado um distúrbio hidrológico significativo: a elevada temperatura do solo provoca uma evaporação prematura de uma parte significativa da água das chuvas antes que ela possa infiltrar no solo. Essa anomalia tem provocado mudanças no padrão de precipitação, com chuvas mais intensas e concentradas em poucos eventos, além de uma redução na recarga dos aquíferos, o que pode afetar os níveis dos rios tributários do rio São Francisco.

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores analisaram dados históricos de temperatura, vazão e precipitação da Estação Meteorológica de Januária, uma das mais antigas de Minas Gerais com registros desde 1915. Além disso, eles correlacionaram esses dados com as variações na composição química de estalagmites de uma caverna no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, localizado no mesmo município. Essa abordagem multidisciplinar foi apoiada pela FAPESP e pela National Science Foundation dos Estados Unidos.

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“O uso de dados geológicos nos permitiu ampliar nossa compreensão sobre a seca causada pelo aquecimento global, retrocedendo até períodos muito anteriores aos registros meteorológicos. Essa abordagem nos possibilitou reconstruir o clima até sete séculos atrás. Demonstramos não apenas que o Cerrado está enfrentando uma seca mais intensa, mas também que essa seca está diretamente ligada ao desequilíbrio no ciclo hidrológico, resultante do aumento das temperaturas induzido pela atividade humana na emissão de gases do efeito estufa”, explica Francisco William da Cruz Junior, professor do Instituto de Geociências (IGc-USP) e um dos líderes do estudo, liderado por Nicolás Strikis, também do IGc-USP.

“O ponto crucial aqui é que não encontramos precedentes para a seca que estamos testemunhando atualmente. É importante ressaltar que identificamos uma tendência de aumento nas temperaturas desde os anos 1970, mas ainda não atingimos o pico desse aquecimento. Portanto, há uma expectativa de que essa situação piore ainda mais”, acrescenta Cruz em entrevista à Agência FAPESP.

A Caverna da Onça, onde foram coletados os dados químicos das estalagmites, se destaca das demais cavernas estudadas pelo grupo devido à sua localização única e aberta no fundo de um cânion com 200 metros de profundidade, sendo influenciada diretamente pelas variações de temperatura externa. Localizada no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, a caverna também serve como habitat para uma onça, o que lhe confere o nome peculiar.

“Este estudo é verdadeiramente inovador, pois tradicionalmente estudamos cavernas em ambientes fechados, com pouca circulação de ar e temperaturas estáveis ao longo do ano. A conexão da Caverna da Onça com o ambiente externo nos permitiu observar como a seca também influencia a química das formações rochosas, conhecidas como espeleotemas. O aumento da evaporação, decorrente do aquecimento mais intenso, reduz a quantidade de água disponível para alimentar os gotejamentos dentro da caverna. Essas alterações químicas nas rochas, associadas à evaporação, evidenciaram que estamos enfrentando uma seca sem precedentes”, explica.

Inovação

O estudo faz parte de um projeto de pesquisa que busca reconstruir a variabilidade climática e as mudanças ao longo do último milênio, utilizando registros de formações rochosas em cavernas e anéis de crescimento de árvores.

“A aplicação desta nova metodologia e a validação dos dados do nosso estudo abrem caminho para que mais pesquisas sejam realizadas em outras cavernas, em diferentes regiões e biomas. Com essa abordagem, será possível obter uma reconstituição mais precisa do clima do país”, afirma o pesquisador.

“Geralmente, os estudos geológicos utilizados para embasar a teoria do aquecimento global se baseiam em amostras de testemunhos de gelo retiradas de geleiras nos polos”, explica Cruz. “A inovação do nosso estudo reside no uso de dados químicos de espeleotemas para identificar variações nos ciclos hidrológicos e relacioná-los às mudanças induzidas pelo aumento da temperatura nos trópicos.”

Além disso, o grupo também está conduzindo estudos de paleoclima com base em árvores fósseis encontradas no mesmo parque nacional, em colaboração com um grupo de biólogos no âmbito do Projeto Temático. “Os fósseis de umburanas encontrados dentro das cavernas permaneceram protegidos da luz por mais de 500 anos. Combinando os resultados do nosso estudo com as pesquisas em árvores fósseis, obtivemos dados independentes sobre esse mesmo fenômeno”, conclui o pesquisador.

Fonte: Galileu


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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