Um registro inédito no Parque Estadual do Rio Doce, em Minas Gerais, ampliou a atenção científica internacional sobre a biodiversidade da Mata Atlântica. Pesquisadores do projeto Primatas Perdidos documentaram, pela primeira vez no mundo, um sauá albino — um fenômeno nunca antes observado entre as 63 espécies que compõem essa família de primatas neotropicais.

A descoberta surgiu durante um levantamento populacional que usa drones para localizar animais em áreas de floresta madura. Em meio à vegetação densa, a equipe identificou um sinal térmico fora do padrão. Ao trocar a lente do equipamento para a câmera colorida, surgiu a imagem de um indivíduo completamente branco. “Vimos um indivíduo completamente branco”, descreve a bióloga Vanessa Guimarães. A constatação de que se tratava de um sauá albino provocou surpresa entre os pesquisadores e reforçou o valor científico das áreas preservadas dentro do parque.
Com cerca de 36 mil hectares, o Parque Estadual do Rio Doce é um dos maiores remanescentes contínuos de Mata Atlântica em Minas Gerais e abriga cinco espécies de primatas, três delas ameaçadas de extinção. O uso de drones permitiu ampliar a precisão do monitoramento e revelou um ambiente de floresta madura ainda capaz de sustentar populações importantes — embora pressionadas pelo isolamento ambiental ao redor.
Uma espécie discreta, vital e cada vez mais ameaçada
De nome científico Callicebus nigrifrons, o sauá — também chamado guigó — é endêmico do Brasil e vive em fragmentos florestais de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. De hábitos diurnos e comportamento reservado, forma pequenos grupos monogâmicos e se destaca pelo dueto vocal característico entre machos e fêmeas.
Como frugívoro, exerce papel essencial na dispersão de sementes, contribuindo diretamente para a regeneração natural da Mata Atlântica. Ainda assim, está classificado como “quase ameaçado de extinção” pelo ICMBio, sobretudo devido à perda e fragmentação de habitat — fatores que reduzem o fluxo genético e dificultam a reprodução saudável.
O que o albinismo pode revelar sobre o estado da floresta
Embora o registro seja celebrado por sua raridade, ele também acende um sinal de alerta. Para a equipe de pesquisa, o surgimento de um primata albino pode indicar efeitos do isolamento populacional provocado pela degradação ambiental no entorno do parque.
“O Parque Estadual do Rio Doce é uma espécie de ilha verde cercada por áreas degradadas”, afirma Vanessa Guimarães. Segundo ela, mais de um século e meio de expansão urbana, monoculturas e atividades agroindustriais transformaram a região, restringindo conexões entre florestas e favorecendo a reprodução entre indivíduos aparentados. “Quando as populações ficam isoladas, a troca genética diminui. E isso pode gerar mutações e anomalias, como o albinismo.”
Além das barreiras físicas, estudos apontam que fatores externos — como poluição atmosférica e uso intensivo de agrotóxicos — podem interferir na expressão genética de animais silvestres. Substâncias como dióxido de nitrogênio e dióxido de enxofre, por exemplo, já foram associadas a alterações de pigmentação. Embora não haja confirmação de que esse seja o caso do sauá mineiro, os pesquisadores consideram a hipótese plausível.
Novas perguntas para ciência e conservação
O registro do sauá albino amplia o entendimento sobre os efeitos da fragmentação florestal e reforça a necessidade de monitoramento constante em áreas protegidas. Especialistas avaliam que descobertas como essa podem impulsionar investimentos em pesquisa e fortalecer políticas de conservação na Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do país.
Em meio à vastidão da floresta, o pequeno primata branco encontrado no Parque Estadual do Rio Doce se torna símbolo de alerta — e também de esperança. Cada registro raro, ainda que isolado, ajuda a contar a história da biodiversidade que resiste e a orientar estratégias para que ela continue existindo.
Fonte: BBC News
Descubra mais sobre Florestal Brasil
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
