Satélite brasileiro vai ajudar no combate ao desmatamento

Se tudo
correr como planejado, o Brasil deverá lançar em 2018 o primeiro satélite
nacional de médio porte inteiramente projetado e construído no país. Batizado
de Amazonia 1 (sem acento), o artefato foi desenvolvido nos laboratórios do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e terá como missão monitorar
os recursos naturais do país. Trata-se de um satélite de observação da Terra, o
primeiro feito a partir da plataforma multimissão (PMM), uma estrutura genérica
criada pelo Inpe para a fabricação de satélites na classe de 500 quilos. O
Amazonia 1 será lançado em uma órbita de 750 quilômetros e passará sobre o
Brasil a cada cinco dias. 
Amazonia 1 é o primeiro satélite produzido dentro da plataforma multimissão projetada no Inpe
Foto: Leo Ramos
Dotado de
uma câmera capaz de fazer imagens de uma faixa de 850 quilômetros de largura, o
satélite vai auxiliar no controle do desmatamento da floresta amazônica, na
previsão de safras agrícolas, no monitoramento de zonas costeiras e no
gerenciamento de recursos hidrográficos. “O Amazonia 1 é o primeiro satélite de
alta complexidade projetado, montado e testado no país”, diz o pesquisador
Adenilson Roberto da Silva, responsável no Inpe pela área de satélites baseados
na PMM. “Com ele, como vários outros países, vamos dominar o ciclo completo de
desenvolvimento de satélites estabilizados em três eixos.” Artefatos com essa característica
podem alterar em órbita a sua posição e orientação em relação à Terra, o que
permite focalizar melhor os pontos escolhidos.
Já foram
gastos R$ 183 milhões no desenvolvimento do satélite e serão necessários
aproximadamente mais R$ 50 milhões para a sua conclusão, totalizando R$ 233
milhões. Esse valor está relacionado não apenas ao custo do satélite mas também
ao desenvolvimento dos sistemas e equipamentos. “Um segundo satélite custará
algo próximo à metade desse valor”, diz Adenilson. “Estou otimista que, a
partir desse satélite, nós possamos não só atender a demanda do país como
exportar, de forma semelhante à indústria aeronáutica brasileira”, diz Leonel
Perondi, diretor do Inpe. O Amazonia 1 integra o Programa Nacional de
Atividades Espaciais (Pnae) sob a responsabilidade da Agência Espacial
Brasileira (AEB).
Em
dezembro, o Inpe concluiu com êxito os testes térmicos do satélite, uma etapa
importante do desenvolvimento quando são simuladas as condições que ele
enfrentará em órbita. “No espaço, o satélite será submetido à radiação espacial
e a temperaturas extremas. As partes mais expostas enfrentarão temperaturas de
cerca de -80ºC no período noturno e +80ºC nas horas iluminadas”, destaca
Adenilson.
Antes
dessa bateria de testes, feita no Laboratório de Integração e Testes (LIT) do
Inpe, em São José dos Campos (SP), o Amazonia 1 já havia sido submetido com
sucesso a outros ensaios. No fim de 2013, um modelo estrutural – espécie de
réplica do próprio satélite – foi submetido a ensaios mecânicos que simularam
as condições de vibração e acústica que ele irá experimentar durante o
lançamento. Pouco depois, nos primeiros meses de 2014, foram qualificados os
propulsores a serem empregados no artefato. Desenvolvidos pela empresa
brasileira Fibraforte, também de São José dos Campos, os seis propulsores que
equiparão o satélite são essenciais para a realização de manobras no espaço,
necessárias para a aquisição e a manutenção da órbita.
 “Com a qualificação do modelo térmico, já
estão em andamento as atividades de uma nova etapa: a integração e testes do
modelo elétrico, quando iremos verificar a compatibilidade elétrica e testar as
interfaces entre todos os subsistemas e equipamentos. Esses ensaios devem
ocorrer em 2016”, explica Adenilson. Também estão previstos para este ano os
testes de compatibilidade eletromagnética para demonstrar que todos os
subsistemas do satélite estão funcionando perfeitamente, sem gerar
interferências indevidas. “Se tudo correr bem, partimos para a integração e
testes do modelo de voo, programados para acontecer em 2017. Essa é a última
etapa antes da conclusão do satélite”, conta Adenilson.
O Inpe
ainda não definiu quando e qual foguete fará o lançamento do satélite, mas a
escolha deverá recair sobre os lançadores hoje disponíveis no mercado
internacional, porque o país ainda não tem um foguete para esse fim. O satélite
foi qualificado para ser compatível com uma família de lançadores, tais como o
ucraniano Dnepr, o norte-americano Minotaur-C e o europeu Vega, entre outros.
Classificado
como um satélite para sensoriamento remoto de órbita polar baixa, o Amazonia 1
vai orbitar o planeta passando pelos dois polos, vindo do Norte em direção ao
Sul, e sobrevoando o Brasil durante o dia. Ele cruzará a linha do Equador
sempre às 10h30. Orbitando a uma velocidade de 7,5 quilômetros por segundo, ele
levará 100 minutos para circundar a Terra. Um aspecto importante do satélite é
o sobrevoo sobre o mesmo ponto em terra a cada cinco dias, período chamado de
revisita. Para efeito de comparação, a revisita do Satélite Sino-Brasileiro de
Recursos Terrestres (Cbers), série de satélites feita em conjunto com a China,
acontece a cada 26 dias. “O so-brevoo rápido do Amazonia 1 aumenta a
probabilidade de sua câmera captar imagens úteis”, explica Adenilson. O
Amazonia 1 terá uma câmera com resolução de imagem de 60 metros (m) por 60 m,
enquanto o Cbers-4 tem várias câmeras sendo que a de maior resolução tem 5 m
por 5 m.
O
Amazonia 1 deverá voar 25 anos depois do lançamento do primeiro satélite
totalmente feito no Brasil, o Satélite de Coleta de Dados 1 (SCD-1), em 1993.
Cinco anos depois, em 1998, outro satélite dessa mesma família, o SCD-2, foi
colocado em órbita. Esses artefatos, ainda em atividade, recebem informações
ambientais transmitidas por plataformas de coleta de dados instaladas em locais
remotos do território nacional e as enviam para estações terrenas do Inpe em
Cuiabá, em Mato Grosso, e em Alcântara, no Maranhão. Os dados coletados
(temperatura, pressão, umidade, pluviometria etc.) são usados para diversas
aplicações, tais como previsão de tempo, estudos relacionados a correntes oceânicas
e marés e planejamento agrícola, entre outros. 

Antena do satélite que será lançado em 2018
Foto: Leo Ramos

As
diferenças entre os dois satélites são grandes. O segundo pesava apenas 115
quilos, cerca de um quinto dos pouco mais de 500 quilos do Amazonia 1. O
sistema de estabilização dos artefatos também é outro. Os satélites da família
SCD são estabilizados no espaço por rotação e se comportam em órbita como se
fossem um pião, girando em torno do próprio eixo. “O único controle que temos é
sobre sua velocidade de rotação. Ele fica sempre apontado para o mesmo ponto no
espaço e seria impossível reposicioná-lo para monitorar um desastre ambiental
com mais detalhes”, explica Adenilson. Já o Amazonia 1, como é estabilizado em
três eixos, pode ter sua câmera apontada para qualquer lugar em busca da imagem
desejada. Os dois satélites também diferem no controle da órbita. Como não
possui um subsistema de propulsão, o SCD se aproxima da Terra algumas dezenas
de metros a cada ano, enquanto o Amazonia 1 se valerá dos propulsores
desenvolvidos pela Fibraforte para se manter em órbita durante toda a sua vida
útil, de quatro anos.
Parceiros nacionais

A nacionalização dos diversos componentes que constituem o Amazonia 1 é uma
característica relevante do projeto. A câmera WFI (sigla para Wide
Field Imager
 ou Imageador de Amplo Campo de Visada), responsável por
fazer as imagens do território brasileiro, foi feita por um consórcio formado
pelas empresas Equatorial Sistemas, de São José dos Campos, e Opto Eletrônica,
de São Carlos, no interior de São Paulo. As objetivas do imageador foram desenvolvidas
pelas duas empresas, enquanto a eletrônica de processamento de sinais, a
montagem, a integração e os testes do subsistema foram qualificados pela
Equatorial. Essa mesma câmera, com poucas diferenças, está instalada no
Cbers-4.
A
Equatorial também ficou responsável pelo desenvolvimento do gravador digital de
dados (DDR, na sigla em inglês) do satélite e coube à Omnisys, de São Bernardo
do Campo (SP), a fabricação do terminal de processamento remoto (RTU), que faz
a interface entre a câmera WFI e o computador de bordo, do transmissor de dados
em banda X, que vai enviar as imagens feitas para o controle em terra, além da
antena desse transmissor. Já o conversor de voltagem foi encomendado à AEL
Sistemas, de Porto Alegre (RS). Os painéis solares, que geram energia para
funcionamento do satélite, foram produzidos pela Orbital.
O
instituto se encarregou do desenvolvimento e da finalização de vários
subsistemas, entre eles o de controle térmico, o de provimento de energia,
incluindo os painéis solares, e o de telemetria e telecomando de serviços –
esses dois últimos também tiveram participação da empresa Mectron, de São José
dos Campos. A estrutura do satélite ficou a cargo da Cenic Engenharia, também
de São José dos Campos, enquanto o subsistema de controle de atitude e
tratamento de dados foi desenvolvido por meio de um acordo de transferência de
tecnologia com a empresa argentina Invap. “Uma vez completado o ciclo de
desenvolvimento do Amazonia 1, teremos o domínio de toda a cadeia de fabricação
de um satélite desse porte, o que vai nos permitir partir para projetos maiores
e voltados para outras aplicações”, diz Adenilson. “Geramos competência nas
empresas para que possam estar capacitadas para projetar e fabricar sistemas
espaciais no Brasil”, conclui Perondi.
Para
Pierre Kaufmann, professor da Escola de Engenharia da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, e coordenador do Centro de
Rádio-Astronomia e Astrofísica Mackenzie, a construção do Amazonia 1 é um
empreendimento justificável, embora não signifique um salto tecnológico em
termos globais, porque outros países detêm o conhecimento sobre a fabricação de
artefatos desse porte e complexidade. “O Amazonia 1 não representa uma inovação
competitiva internacionalmente, mas tem sua importância para nós.
Como o
setor espacial é estratégico, é relevante para o país ter autonomia
tecnológica”, diz ele. Até hoje, destaca Kaufmann, o Brasil tem se valido de
satélites de sensoriamento remoto comprados do exterior ou desenvolvidos com
parceiros, como é o caso do Cbers. Para o professor José Leonardo Ferreira, do
Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB), ex-pesquisador do Inpe e
ex-consultor da Agência Espacial Brasileira (AEB), o Amazonia 1 representa mais
um passo em direção à independência tecnológica no setor espacial. “É
importante sabermos desenvolver sistemas espaciais e ter total autonomia no uso
e nas aplicações.”
Projeto
Desenvolvimento e qualificação de propulsor monopropelente de 5N para
satélite (
nº 2003/07755-5); Modalidade Pesquisa Inovativa
em Pequenas Empresas (Pipe) (Pipe); Pesquisador responsável Humberto
Pontes Cardoso (Fibraforte);Investimento R$ 399.026,25.



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