Pirodiversidade ameaça biodiversidade mesmo em florestas não queimadas da Mata Atlântica

Estudo revela que áreas intactas perdem espécies de aves por influência de incêndios ao redor, comprometendo serviços ambientais essenciais

Ainda que não atingidas diretamente pelas chamas, algumas florestas estão perdendo espécies. Essa é a principal descoberta de um estudo realizado por cientistas brasileiros no Corredor Cantareira-Mantiqueira, uma importante região de Mata Atlântica, e publicado no periódico científico Forest Ecology and Management. A pesquisa mostra que o aumento da “pirodiversidade” – termo que se refere ao mosaico de florestas com diferentes graus de distúrbio causado por incêndios – prejudicou a função de refúgio das áreas não queimadas, resultando em menor riqueza de aves nos fragmentos intactos. A investigação recebeu vários apoios da FAPESP (13/50421-2, 20/01779-5, 21/06668-0, 21/08322-3, 21/08534-0, 21/10195-0, 22/10760-1 e 21/10639-5).

Pesquisa aponta que 21% da riqueza de espécies de aves, incluindo ameaçadas e endêmicas, foi encontrada exclusivamente em manchas florestais não queimadas (imagem: Unifal-UFSCar-Unesp/divulgação)

Os pesquisadores analisaram a riqueza de espécies de aves em 15 paisagens com fragmentos florestais na região próxima à cidade de Atibaia, em São Paulo. Com base nos dados do MapBiomas-Fogo, foi possível selecioná-las a partir do histórico de incêndios ocorridos desde 1985. A pirodiversidade foi calculada a partir de variações na frequência, extensão, severidade e idade das florestas secundárias, que resultam em formações com diferentes graus de distúrbio.

Foi possível verificar que, quanto maior a diversidade de distúrbios no entorno do fragmento florestal, menor é o número de espécies de aves nas florestas que não foram queimadas. O fogo deixa marcas duradouras, mesmo onde não tocou diretamente. “Essas áreas deveriam funcionar como refúgios para a fauna após os incêndios, mas descobrimos que essa função está sendo comprometida”, explica Ederson José de Godoy, pesquisador do Instituto de Ciências da Natureza da Universidade Federal de Alfenas (ICN-Unifal) e primeiro autor do estudo, em comunicado divulgado pela instituição.

Além da Unifal, a pesquisa envolveu cientistas do Centro de Ciências e Tecnologias para a Sustentabilidade da Universidade Federal de São Carlos (CCTS-UFSCar), campus de Sorocaba, e do Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (LEEC-IB-Unesp), campus de Rio Claro.

A heterogeneidade do fogo frequentemente decorre de incêndios criminosos e tem impactos profundos e negativos sobre a biodiversidade. Para evitar a perda contínua de espécies, os autores defendem medidas rigorosas de prevenção e ações de restauração ativa nas áreas mais afetadas, aumentando a resiliência das florestas remanescentes.

Além disso, o estudo propõe uma visão crítica à ideia de que a heterogeneidade do fogo possa beneficiar certos ecossistemas, diversificando nichos disponíveis, estabilizando comunidades ecológicas e facilitando a recolonização de espécies após incêndios. “O suporte empírico para a hipótese da pirodiversidade é inconsistente, com estudos confirmando efeitos positivos sobre a biodiversidade em apenas 44% dos casos examinados”, afirmam os autores.

“Parece haver um limiar além do qual a pirodiversidade se torna prejudicial. Em tais paisagens, a pirodiversidade excessiva pode levar à simplificação do hábitat, afetando negativamente espécies que dependem da vegetação intocada para recursos críticos”, escrevem. “Significativamente, 21% da riqueza de espécies, incluindo ameaçadas e endêmicas, foi encontrada exclusivamente em manchas não queimadas, ressaltando a importância crítica dessas áreas para a conservação da biodiversidade”, ressaltam os pesquisadores no artigo.

Eles também salientam que os serviços ambientais que as florestas prestam, como polinização, dispersão de sementes, controle climático, controle de pragas e doenças, entre muitos outros, necessariamente requerem florestas intactas e em pleno equilíbrio (leia mais em: agencia.fapesp.br/54992).

O artigo Fire refugia under threat: How increasing pyrodiversity reduces species richness in unburned forests pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0378112725001811.

Fonte: Agência FAPESP


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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