Enquanto o mundo enfrentava a pandemia de COVID-19, a maior crise de saúde pública das últimas décadas, um estudo científico publicado na revista Nature em julho de 2020 trouxe uma mensagem preocupante. O artigo, intitulado Deforestation and world population sustainability: a quantitative analysis (Desmatamento e sustentabilidade da população mundial: uma análise quantitativa, em tradução livre, foi conduzido pelo físico Mauro Bologna, da Universidade de Tarapacá, no Chile, e pelo matemático Gerardo Aquino, da Universidade de Londres.
Segundo a pesquisa, a humanidade pode enfrentar a extinção nos próximos 40 anos, caso o ritmo atual de desmatamento continue. Bologna destacou em entrevista que a destruição da Amazônia brasileira é um fator-chave nessa previsão: “Ela é de extrema importância; seu desaparecimento ou uma redução significativa traria efeitos catastróficos.”
No estudo, os cientistas usaram um modelo matemático que considerou o desmatamento global, o consumo de energia e o crescimento populacional. O modelo previu um colapso entre 20 e 40 anos, com apenas 10% de chance de sobrevivência da civilização humana, a menos que mudanças drásticas ocorram.
Bologna explica: “As árvores são nosso melhor filtro, pois absorvem dióxido de carbono, que em altas concentrações é tóxico. Além disso, elas desempenham um papel vital no ciclo da água, garantindo a ocorrência de chuvas. Se continuarmos a desmatar, esgotaremos grande parte dos recursos florestais em algumas décadas, o que resultará em um colapso, inviabilizando a produção de alimentos e levando à extinção da humanidade em 20 a 40 anos. Aplicamos esse modelo simplificado a uma região a leste da Islândia há alguns anos, e as previsões sobre o impacto do desmatamento se confirmaram.”
Eliane Xina Kalo, líder da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e presidenta da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso, vive as consequências que os pesquisadores preveem. Ela afirma: “Já estamos vendo a água secar, o ar está cada vez mais irrespirável, e não teremos como nos alimentar. A economia não suportará essa pressão, porque tudo depende da natureza. Se não respeitarmos a natureza e seus ciclos, em breve desapareceremos.”
Reguladora do clima global
A Amazônia é o foco central dos estudos do biólogo Philip Fearnside, que se mudou dos Estados Unidos para o Brasil há 50 anos e desde então permanece no país. Membro do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Fearnside alerta que a floresta está em uma situação crítica devido ao desmatamento e às queimadas. De acordo com ele, a destruição ambiental dessas florestas tornará várias regiões do planeta inabitáveis.
Gracialda Costa Ferreira, engenheira florestal e professora da Universidade Federal Rural da Amazônia, estuda a região há mais de duas décadas e também expressa grande preocupação com a rápida devastação. “A Amazônia é extremamente frágil. As pessoas precisam entender que qualquer ação, por menor que pareça, pode gerar um desequilíbrio global, colocando em risco a vida no planeta”, afirma a pesquisadora.
No Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, o climatologista José Marengo, o segundo cientista mais citado no Brasil em Ciências Ambientais, segundo a Research, compartilha preocupações semelhantes. Ele acredita que as populações mais vulneráveis sofrerão intensamente com as mudanças climáticas provocadas pelo desmatamento: “A Amazônia regula o clima global. As florestas tropicais da Amazônia e do Congo controlam a circulação dos ventos no planeta. Se você derrubar mais uma árvore na Amazônia, por exemplo, vai chover menos na Bacia do Prata [que abrange Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai].”
Outro especialista que investiga os impactos da destruição ambiental na Amazônia é Argemiro Teixeira, doutor em Análise de Modelagem de Sistemas Ambientais pela UFMG e vencedor do Prêmio Capes de Tese 2023. Sua pesquisa demonstra como a expansão do agronegócio na Amazônia e no Cerrado gera prejuízos econômicos e ambientais significativos. “O desmatamento da Amazônia altera condições climáticas essenciais para o cultivo de soja, milho e pecuária, as principais atividades produtivas da região. Isso resulta em atrasos no início das chuvas, redução do volume pluviométrico durante os períodos de plantio e aumento das temperaturas”, destaca Teixeira.
Os impactos sobre a saúde
Além dos problemas ambientais, o desmatamento impacta diretamente a saúde humana. A médica e pesquisadora Luiza Garnelo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é uma das principais autoridades no Brasil sobre os efeitos das mudanças climáticas na saúde. Formada em medicina pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), onde iniciou seus estudos no final dos anos 1970, Garnelo explica: “Além dos problemas já conhecidos, como doenças respiratórias e complicações decorrentes do calor, o desmatamento causa a morte de animais silvestres, que muitas vezes são vetores de doenças. Essas mortes encurtam o ciclo de várias enfermidades, intensificando o impacto em seres humanos, como no caso de viroses e malária.”
Outro pesquisador da Ufam que estuda os impactos da destruição da Amazônia na saúde é o professor emérito da Faculdade de Medicina, Bernardino Albuquerque. Ele afirma que o estado do Amazonas enfrenta uma crise tão grave quanto a que o Rio Grande do Sul passou recentemente, mas sem a mesma visibilidade. “Em 2023 e 2024, a Amazônia, especialmente o estado do Amazonas, tem enfrentado uma estiagem severa com grandes consequências para a saúde humana, que infelizmente não estão sendo devidamente registradas ou mensuradas. Não estamos vendo a visibilidade dada ao número de mortos ou ao aumento de doenças prevalentes. Isso ocorre porque os grupos mais vulneráveis, como as populações ribeirinhas e indígenas, só recebem atenção em tragédias de grande escala”, argumenta Albuquerque.
Ainda dá tempo?
Uma das soluções defendidas por especialistas para conter a destruição das florestas é o desenvolvimento sustentável. A professora Cyntia Meireles, do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal Rural da Amazônia, afirma que essa prática é viável: “A ideia surgiu nos anos 1980, com o Relatório Brundtland e o conceito de sustentabilidade, que abrange três dimensões: social, ambiental e econômica. Essas dimensões constroem mercados orientados a práticas sustentáveis, que devem promover qualidade de vida, trabalho, dignidade e justiça social.”
No entanto, há quem questione se é realmente possível explorar a natureza e preservá-la ao mesmo tempo. Mauro Bologna, autor do estudo publicado na Nature que prevê a extinção da humanidade em até quatro décadas devido ao desmatamento de florestas como a Amazônia, é um desses céticos. Ele argumenta que derrubar árvores intensifica o aquecimento global, já que as florestas removem CO² da atmosfera. Quanto à reversão dos efeitos do desmatamento, Bologna é pessimista: “Até onde sei, não. Existem compostos artificiais que absorvem dióxido de carbono, mas as florestas são muito mais do que filtros para a atmosfera. Elas são responsáveis pelo ciclo da água. Não há uma solução simples”, conclui.
Fonte: UFMG.
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