Usados na mineração e descartados em barragens de rejeitos, metais pesados como chumbo, arsênio e cádmio podem causar danos à saúde e ao meio ambiente. Mas qual é o risco desses metais entrarem em contato com as populações que vivem perto das áreas de extração de minério?
Encontrar respostas a esta pergunta é o que motivou a criação do projeto “Que Lama é Essa?”, nascido no Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O foco principal é a análise química de amostras de água, solo, lama e sedimentos em diversos pontos das bacias dos rios das Velhas, Paraopeba e Doce, que passam pela região metropolitana de Belo Horizonte. O projeto conta com a colaboração de comunidades de moradores ao longo dessas bacias.
“Sempre nos vimos imbricados na questão da mineração e da água,” diz Lussandra Gianasi, professora de Geografia da UFMG e co-fundadora do Grupo de Pesquisa Educação, Mineração e Território (EduMiTe), que abriga o projeto.
A exemplo da barragem da Vale que se rompeu em 2019 em Brumadinho, as barragens de rejeitos de mineração estão, em sua maioria, nas proximidades de BH.
No início de janeiro do ano passado, as chuvas se intensificaram e deixaram quase 140 cidades em estado de alerta em Minas. Com as inundações, cerca de 14 mil pessoas foram desalojadas e mais de 3 mil ficaram desabrigadas.
As enchentes não são novidade no Quadrilátero Ferrífero, explica Luciano Corrêa, professor de Química e pesquisador voluntário do projeto. “Mas a lama que entrou nas casas era parecida com a de rejeitos de barragens de mineração: tinha odor diferente, era pegajosa, tinha brilho. Ficamos nos questionando sobre isso e vimos a possibilidade de fazer uma rede de coleta para entender a origem dessa lama,” conta Corrêa, morador de Rio Acima, município a cerca de 40 quilômetros a sudeste de Belo Horizonte.
“Os moradores pediram ajuda e nos demandaram as análises,” conta Gianasi. A equipe se reuniu com moradores de municípios atingidos pelas enchentes nas bacias dos rios Doce, Paraopeba e das Velhas para definir como seria a coleta de amostras de água, solo e lama.
Gianasi conta que o grupo de pesquisa continua em contato com as comunidades para promover a capacitação na coleta de amostras para futuros testes. O papel dos moradores, no entanto, vai muito além das coletas. As comunidades são co-autoras do processo. “No processo há uma troca muito rica entre cientistas da academia e cientistas cidadãos. O conceito de ciência cidadã ainda é pouco trabalhado na universidade,” conta Gianasi.
As primeiras amostras coletadas que tinham qualidade para análise foram enviadas para a Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Parte delas, segundo a investigação inicial, mostra a necessidade de monitorar os locais. Foram detectados níveis de ferro, arsênio, manganês e chumbo acima do recomendado por órgãos ambientais, segundo Ulisses Nascimento, chefe do Departamento de Tecnologia Química da instituição.
Gianasi conta que um dos maiores ganhos, segundo ela, é o envolvimento de pessoas que não estão na universidade e desejam usar a ciência para encontrar soluções para problemas concretos que enfrentam no seu dia-a-dia. “São eles que conhecem seu território, enviam fotos, vídeos, materiais. Queremos ajudar na qualificação das pessoas para termos mais e melhores amostras em coletas futuras,” completa.
A adesão de colaboradores teve volume e rapidez que surpreenderam Corrêa. O protagonismo das comunidades, segundo ele, ajuda os moradores a não dependerem somente dos órgãos públicos ou das as mineradoras como fontes de informação.
“A avaliação independente de impactos ambientais de atividades industriais é fundamental para garantir os direitos humanos dessas pessoas,” pondera Nascimento. “Vai ser interessante concluirmos o trabalho para que sirva de lastro para outros projetos de preservação ambiental pelo Brasil,” completa.
Fonte: Estadão – Texto de Meghie Rodriges retirado do portal MSN
Descubra mais sobre Florestal Brasil
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.