
A recente cúpula dos países do BRICS, encerrada em 7 de julho de 2025 no Rio de Janeiro, evidenciou uma complexa tensão entre as aspirações de desenvolvimento econômico e os imperativos da ação climática global. Embora o encontro tenha sido palco para a primeira discussão aprofundada sobre o clima no âmbito do bloco expandido, a declaração final dos líderes marcou um notável recuo em relação ao compromisso de eliminação gradual dos combustíveis fósseis, anteriormente assumido por todas as nações na COP28.
A declaração final, assinada pelos líderes das 11 nações do BRICS, sob a presidência do Brasil, foi cautelosa em seu linguajar sobre a transição energética. Em vez de reiterar a meta de descarbonização, o documento expressou um reconhecimento de que “os combustíveis fósseis ainda têm papel importante na matriz energética mundial, particularmente para mercados emergentes e economias em desenvolvimento”. Essa formulação reflete a influência de um grupo de países autodenominados “Países em Desenvolvimento com Ideais Semelhantes” (LMDC), que, liderados por nações produtoras de gás como a Bolívia, defendem uma “transição justa” que não sacrifique suas necessidades de crescimento econômico e segurança energética. A expansão do BRICS, que incorporou grandes exportadores de petróleo e gás como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã, e potências como Índia e China, ainda fortemente dependentes de carvão e petróleo para sua base energética, naturalmente moldou essa postura mais conservadora no consenso final.
Contrariando o tom da declaração conjunta, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva utilizou seu discurso na sessão da cúpula dedicada ao meio ambiente para reafirmar a urgência da agenda climática. Lula enfatizou ser “inadiável promover a transição justa e planejada para o fim do uso de combustíveis fósseis e para zerar o desmatamento”, referenciando as recomendações do Balanço Global da COP28. Essa posição do presidente, que alinha o Brasil mais diretamente às ambições climáticas globais, foi endossada pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que a interpretou como o guia para a COP30. No entanto, membros do governo brasileiro também argumentaram que a declaração conjunta foi o resultado de um consenso possível dentro de um grupo tão diverso, e que a mera inclusão da pauta climática no BRICS já representava um avanço.
Apesar da retórica ambiental de Lula, o próprio Brasil enfrenta contradições internas em sua política energética. Embora o país tenha uma matriz energética relativamente limpa, ele planeja aumentar significativamente sua produção de petróleo, sobretudo para exportação. Leilões recentes concederam 19 blocos de exploração na Bacia da Foz do Amazonas, uma região de reconhecida sensibilidade ambiental, onde a Petrobras busca licenciamento para perfuração. Essa expansão dos fósseis no país anfitrião da COP30 adiciona uma camada de complexidade e desafio à sua credibilidade na liderança climática global.
Apesar do revés no compromisso com os fósseis, a cúpula do BRICS não foi desprovida de aspectos positivos para a agenda ambiental. Organizações como o Greenpeace Brasil observaram que o evento deu “maior destaque à pauta de meio ambiente e clima” do que reuniões anteriores do bloco. A declaração final também reafirmou o “total compromisso com uma COP30 bem-sucedida” e elogiou a proposta brasileira do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, um mecanismo inovador para captação de recursos para a preservação ambiental, encorajando contribuições de potenciais doadores. O BRICS também intensificou a cobrança por mais financiamento climático dos países ricos, os “poluidores históricos”, uma demanda considerada “necessária e moralmente correta” por diplomatas brasileiros, em linha com os tratados climáticos existentes. Além disso, o bloco lançou uma Declaração-Marco dos Líderes do BRICS sobre Finanças Climáticas, e o Novo Banco de Desenvolvimento, o banco do BRICS, prometeu destinar 40% de seus empréstimos a projetos ligados ao clima até 2026. Há ainda o argumento de que algumas das melhores soluções climáticas, de biocombustíveis no Brasil a painéis solares chineses, estão sendo desenvolvidas dentro dos países do BRICS.
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A preparação para a COP30 em Belém, no coração da Amazônia, também foi um tema central. Apesar da reafirmação de Lula de que a conferência ocorrerá na capital paraense, surgiram preocupações significativas de grupos de países africanos, menos desenvolvidos (LDCs) e ilhas (SIDS) sobre os altos custos de hospedagem. A não participação desses países, cujas vozes são cruciais, poderia comprometer a legitimidade dos acordos firmados na COP, que exigem consenso. A promessa de uma plataforma com opções de quartos mais acessíveis ainda não se concretizou.
Em suma, a cúpula do BRICS no Rio de Janeiro revelou um cenário de tensões e oportunidades. A posição cautelosa sobre os combustíveis fósseis reflete a complexidade de conciliar desenvolvimento e sustentabilidade em um grupo de economias emergentes com interesses energéticos diversos. Para o Brasil, anfitrião da próxima COP, o desafio será navegar essa dinâmica global enquanto busca fortalecer sua própria credibilidade climática, superando as contradições entre seus planos de desenvolvimento e suas ambiciosas metas ambientais.
Fonte: SUMAÚMA
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