Nova praga ameaça produção de Pinus no Brasil e pode se espalhar pelo Mercosul

Em novembro de 2023, durante uma visita de campo à fazenda de uma empresa de comercialização e produção de resinas no interior de São Paulo, o engenheiro agrônomo Carlos Frederico Wilcken encontrou árvores com respingos de resina no tronco, indicando a presença de postura de ovos no local, e orifícios circulares típicos da emergência de insetos adultos. A propriedade cultiva híbridos de Pinus usados na produção de resina, e alguns desses plantios apresentavam alta infestação de uma espécie inédita no Brasil de vespa-da-madeira, responsável pela morte de aproximadamente 50% das árvores.

Processo de resinagem em árvores de Pinus (Carlos Wilcken)

Denominada Sirex obesus, a nova praga é originária do sul dos Estados Unidos e do México e foi detectada e identificada pela primeira vez no país pela equipe de pesquisadores do Departamento de Proteção Vegetal da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Unesp, no câmpus de Botucatu, onde Wilcken é professor.

Devido à importância econômica do Pinus, a descoberta dessa nova espécie de vespa-da-madeira que está atacando plantações no Estado de São Paulo acendeu um sinal de alerta no setor florestal, com risco real de disseminação para outras áreas e potencial para causar prejuízos significativos aos produtores. O Pinus é a segunda espécie florestal mais plantada no país, atrás apenas do eucalipto, ocupando uma área de 1,9 milhão de hectares, conforme o relatório de 2023 da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), associação que representa a cadeia produtiva de árvores plantadas.

Até o momento, a presença da praga foi confirmada em 16 municípios paulistas, incluindo Itararé, na divisa com o Paraná, o principal estado produtor de Pinus no Brasil. Os pesquisadores consideram muito alto o risco dessa nova espécie de vespa-da-madeira se dispersar para o estado vizinho e para a região sul em geral, onde se concentram mais de 80% das plantações da espécie. Existe ainda o risco de a Sirex obesus chegar a outros países do Mercosul, como Argentina, Chile e Uruguai, que também são importantes produtores de Pinus.

O Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) já foi notificado sobre a existência da praga, e o Programa de Proteção Florestal (Protef), de âmbito nacional e vinculado ao IPEF (Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais), entidade que integra empresas, universidades e instituições de pesquisa voltadas para o setor florestal, já emitiu um comunicado redigido pelo professor Wilcken, alertando sobre a identificação do inseto.

Nova praga ameaça produção de Pinus no Brasil e pode se espalhar pelo Mercosul
Galerias no tronco de uma árvore Pinus infectada por larvas da vespa-da-madeira (Crédito: Carlos Wilcken)

A nova vespa-da-madeira tem potencial para causar vários danos às árvores de Pinus, incluindo a morte, que ocorre devido à ação do fungo patogênico Amylostereum areolatum, inoculado quando a fêmea do inseto deposita seus ovos no tronco da árvore. O fungo cresce dentro do tronco, matando as células da árvore e bloqueando os traqueídeos, os canais por onde a seiva circula. A árvore morre após 3 ou 4 meses do ataque do inseto.

Enquanto o fungo age, as larvas da praga se alimentam da madeira, fazendo canais ou galerias que atingem tanto o cerne (a parte mais interior do tronco) quanto o alburno (a parte externa, mais nova e funcional, das plantas lenhosas). No momento da emergência dos insetos adultos, eles fazem orifícios de saída na madeira. As árvores atacadas também podem apresentar manchas na madeira, causadas pelo fungo principal ou por outros fungos secundários. Portanto, mesmo que a árvore atingida não morra, os danos provocados pela praga tornam inviável o uso comercial da madeira.

Conhecendo o inimigo

As empresas e produtores do setor florestal já estão bastante familiarizados com outra espécie de vespa-da-madeira, aparentada da Sirex obesus. Originária da região do Mediterrâneo (sul da Europa, Oriente Médio e Norte da África), a Sirex noctilio é considerada a principal praga a atacar o Pinus no Brasil. Sua presença nos estados de São Paulo, Minas Gerais e na região Sul do país é conhecida desde 1988, tendo causado muitas perdas à produção brasileira, especialmente no sul do país durante a década de 1990. “Hoje, já existem procedimentos bem definidos de monitoramento e de controle biológico para sua ocorrência. Atualmente, há registros de sua presença em nove países como praga exótica ou invasora. E não havia, até este momento, registro de outras espécies de Sirex ocorrendo em plantações de Pinus no mundo”, relata o professor Wilcken.

Na visita à fazenda no interior de São Paulo, em novembro de 2023, onde foi encontrada a nova praga, os pesquisadores coletaram larvas de diferentes tamanhos, pupas, e machos e fêmeas adultos recém-formados, constatando inequívocas diferenças morfológicas em relação à já conhecida Sirex noctilio. Os indivíduos adultos foram levados ao Laboratório de Controle Biológico de Pragas Florestais da FCA/Unesp e submetidos à análise de DNA mitocondrial. Além disso, amostras foram enviadas para a equipe do taxonomista Nathan Schiff, do Serviço Florestal dos Estados Unidos (Forest Service), agência do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Os exames em ambas as instituições confirmaram, por caracteres morfológicos e moleculares, serem da espécie Sirex obesus.

Nova praga ameaça produção de Pinus no Brasil e pode se espalhar pelo Mercosul
Nova espécie de vespa-da-madeira encontrada pelos pesquisadores da Unesp: o macho, acima, tem asas amarelas, e a fêmea, abaixo, tem as asas mais escuras (Crédito: Carlos Wilcken)

Segundo o professor Wilcken, a identificação da nova praga foi difícil porque, por ser uma espécie natural do sul dos Estados Unidos e do México, lá ela é controlada por seus predadores naturais, não causando maiores problemas para as árvores. “Por não chamar a atenção, não causar nenhum problema, a espécie é pouco estudada. Por isso, não há informações completas sobre seu ciclo e sobre quais espécies de eucalipto ela ataca, mas aparentemente o inseto tem mais de uma geração por ano, enquanto que com a Sirex noctilio já se sabe que os novos adultos emergem apenas uma vez por ano”.

Impactos principalmente na produção de resina

Boa parte do plantio de Pinus é voltada para a produção de resina, amplamente utilizada na indústria química. Os solventes das indústrias de tintas usam a resina de Pinus como matéria-prima, e a resina de melhor qualidade é empregada nas indústrias farmacêutica e de cosméticos. Todos esses segmentos podem sofrer com as consequências da praga, sendo a produção de resina a mais imediatamente ameaçada.

A extração de resina aumenta a predisposição para o ataque de Sirex obesus, pois a resina atua na defesa da árvore. A resina emerge do tronco quando há oviposição pelo inseto, expulsando assim os ovos e o fungo patogênico. No entanto, a atividade humana de resinagem estressa as árvores, fazendo com que produzam menos resina, o que as torna mais suscetíveis à oviposição da vespa. “Pelo que estimamos até agora, em um só tronco de Pinus podem existir de 200 a 300 insetos. Qualquer fator que estresse a árvore ajuda a torná-la mais suscetível. As mudanças climáticas, com mais calor e chuva abaixo do esperado no estado de São Paulo, podem ter contribuído para estressar as árvores, criando um cenário favorável ao inseto”.

Estudo propõe nova metodologia para calcular sequestro de carbono por florestas tropicais | Florestal Brasil

A madeira de Pinus também é amplamente utilizada na produção de pallets, essenciais para a caixotaria no transporte de produtos. “Essa é uma área que pode ser afetada, se houver uma restrição ao uso de pallets de Pinus em produtos exportados pelo Brasil. Mudar métodos de tratamento ou substituir a madeira dos pallets por eucalipto pode aumentar o custo da exportação e tornar produtos brasileiros menos competitivos”.

Pesquisa por novo manejos da praga

Com a ciência do Ministério da Agricultura e o alerta emitido ao setor florestal, as pesquisas devem avançar para determinar a real extensão do problema no país, bem como as melhores estratégias de manejo e controle da praga. Já se sabe que o monitoramento dos plantios deve ser intensificado, uma vez que os danos de Sirex obesus parecem ser mais intensos e o período de emergência de adultos mais longo do que o de Sirex noctilio.

Assim como no caso da Sirex noctilio, o controle químico não é eficaz contra a Sirex obesus. Os insetos crescem e se desenvolvem no interior do tronco, tornando ineficazes as aplicações de inseticidas. Os pesquisadores estão adaptando as estratégias de manejo da Sirex noctilio para a Sirex obesus.

O controle silvicultural, que envolve desbastes nas plantações, é uma primeira medida e consiste na remoção de árvores específicas para promover o crescimento das remanescentes, deixando-as mais resistentes e saudáveis. No entanto, essa técnica perde eficiência nas plantações de Pinus para produção de resina, uma vez que a resinagem já estressa as árvores.

Nova praga ameaça produção de Pinus no Brasil e pode se espalhar pelo Mercosul
Árvore de Pinus morta em virtude da ação da vespa-da-madeira (Crédito: Carlos Wilcken)

Outra forma de manejo é o controle biológico, com a aplicação do nematoide parasita Deladenus siricidicola, um verme microscópico criado em laboratório e liberado anualmente na região sul do Brasil para combater a Sirex noctilio. O nematoide se alimenta do fungo fitopatogênico Amylostereum areolatum no interior da madeira e, quando encontra as larvas do inseto, entra na fase parasítica, penetrando nas larvas e causando a esterilização das fêmeas adultas. A partir daí, os nematoides são dispersados nas plantações de Pinus pelas próprias fêmeas, por meio dos ovos.

No entanto, há dúvidas sobre a eficácia do nematoide contra as larvas de Sirex obesus. As pesquisas com os nematoides estão sendo conduzidas pela professora Silvia Renata Siciliano Wilcken, do Departamento de Proteção Vegetal da FCA/Unesp. Os resultados preliminares são preocupantes. “Até o momento, não foi confirmada a presença do nematoide Deladenus siricidicola em larvas, pupas e adultos de Sirex obesus, com mais de 500 indivíduos dissecados”, relata o professor Wilcken. “Se esses nematoides não forem de fato efetivos, teremos que tentar usar outros nematoides, mas para isso teremos que prospectar, provavelmente entre as florestas de Pinus nos Estados Unidos, área de origem da praga”.

Além disso, a equipe do professor Edson Luiz Furtado, do Departamento de Proteção Vegetal da FCA, descobriu que o fungo patógeno transmitido pela Sirex obesus é diferente do transmitido pela Sirex noctilio. Trata-se do Amylostereum chaeilletii, e ainda não se sabe se o nematoide consegue se alimentar dele.

Outra forma de controle biológico envolve a ação das microvespas Ibalia leucospoides, que parasita ovos e larvas novas, e Megarrhysa nortoni, que parasita larvas maiores. “São insetos de ocorrência natural, difíceis de criar em laboratório para liberação nas plantações. Estamos trabalhando com eles, mas ainda levará tempo para que se tornem alternativas eficientes”.

Para o professor Wilcken, os possíveis desdobramentos dos danos causados por essa nova espécie de vespa-da-madeira são muitos e o único caminho agora é o desenvolvimento de políticas públicas integradas. “É um problema que pode afetar mais de um setor da economia. É preciso envolver o MAPA e as agências estaduais de defesa agropecuária, além das empresas do setor florestal, para termos um levantamento completo, em âmbito nacional, do tamanho do problema. Será necessário fazer campanhas de esclarecimento, enquanto os cientistas buscam dar o suporte necessário em termos de pesquisa”.

Fonte: Jornal da Unesp


Descubra mais sobre Florestal Brasil

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

View all posts by Arthur Brasil →

Comenta ai o que você achou disso...