Na Amazônia, hotéis de selva adotam agenda ESG e comunidades trocam extração de madeira por ecoturismo

Há 18 anos, quando chegamos a Novo Airão (AM) para construir um hotel de selva, políticos locais criticavam o fato de mais de 80% do município estar em unidades de conservação ambiental. Para eles, isso representava um obstáculo ao desenvolvimento regional. Hoje, a narrativa mudou para: “Somos o paraíso ecológico da Amazônia”, afirma Guto Costa Filho, sócio operador do Anavilhanas Jungle Lodge, localizado a 180 quilômetros de Manaus. Para Guto, essa mudança reflete um crescente reconhecimento do valor de manter a floresta em pé. “É isso que os turistas procuram quando vêm para cá”, ressalta.

Bangalô do Anavilhanas — Foto: Divulgação

Vindos de São Paulo, Guto e sua esposa, Fabiana Caricati, abriram o hotel em 2007, às margens do Rio Negro. O Anavilhanas Jungle Lodge possui 24 apartamentos em uma área de 520 hectares de floresta preservada, em frente ao Parque Nacional de Anavilhanas, um arquipélago de 400 ilhas reconhecido pela UNESCO como patrimônio natural da humanidade. Oferecendo guias nativos bilíngues para passeios como avistamento de botos e trilhas na floresta, serviços de hotelaria de luxo e uma gastronomia sofisticada com ingredientes regionais, o hotel foi elogiado já no primeiro ano em uma reportagem de turismo do jornal The New York Times. Entre seus hóspedes, estão personalidades como o fundador da Microsoft, Bill Gates, e a atriz americana Julianne Moore.

Em 2023, o Anavilhanas Jungle Lodge obteve a certificação do Sistema B, que avalia práticas ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG). Um dos fatores que contribuíram para essa conquista foi o fato de ser o maior empregador privado de Novo Airão, um município de 16 mil habitantes com apenas 227 trabalhadores formais, de acordo com o último levantamento do Ministério do Trabalho, em 2019. O hotel emprega 124 funcionários com carteira assinada, 85% deles locais, e oferece salários acima da média estadual. Uma camareira, por exemplo, recebe R$ 3.184, enquanto o piso da categoria no Amazonas é de R$ 1.377. Além disso, oferece benefícios como 14º salário e empréstimos sem juros para funcionários.

“Embora ainda estejamos longe de erradicar a pobreza no município, contribuímos para sua redução ao gerar grande parte dos empregos formais, tanto diretamente no hotel quanto indiretamente com fornecedores locais, como mercados, quitandas e lojas de artesanato, que hoje representam mais de 50% de nossas compras”, explica Fabiana. No hotel, os salários são iguais para homens e mulheres na mesma função, e 67% dos cargos de gestão e supervisão, que são os mais bem remunerados, são ocupados por mulheres.

Tour pelo arquipélago de Anavilhanas, na Amazônia. — Foto: Anavilhanas Jungle Lodge/ Felipe Castellari

O Anavilhanas, por meio de seu instituto, também construiu uma escola e uma biblioteca na região. Equipou a escola com freezer e gerador de energia, além de enviar periodicamente frutas e verduras para a merenda escolar das comunidades ribeirinhas ao redor. Além disso, oferece aulas de inglês para as crianças. “Enviamos alimentos para diversificar a dieta das crianças e incentivamos as comunidades a cultivar suas hortas”, explica José Verneck, coordenador de Sustentabilidade do hotel. “Isso atraiu alunos de outras comunidades para a nossa escola”, complementa Rosinete de Oliveira, líder da Comunidade Santo Antônio, que recebe hóspedes interessados em conhecer mais sobre a região.

Em termos ambientais, o Anavilhanas Jungle Lodge construiu uma usina solar fotovoltaica, responsável por gerar 58% da energia consumida no local. O aquecimento da água é feito por painéis solares, e os hóspedes recebem garrafas térmicas para evitar o uso de garrafas plásticas. Lixeiras utilizam sacolas de papel kraft, e os shampoos e condicionadores são disponibilizados em dispensers, reduzindo o consumo de embalagens. No restaurante, todos os resíduos orgânicos são direcionados para composteiras, gerando adubo utilizado no cultivo de legumes e verduras que abastecem a cozinha do hotel. O esgoto é tratado em fossas biológicas, e a retirada do lodo é feita por empresas certificadas.

“Nosso propósito é manter a floresta em pé, impulsionando o desenvolvimento sustentável da região e incentivando pessoas de todo o mundo a se juntarem à nossa causa. Já recebemos mais de 51 mil hóspedes e acreditamos que muitos deles também se tornaram embaixadores da floresta amazônica”, afirma Fabiana.

De olho na COP 30

Com a aproximação da 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 30), que ocorrerá em novembro do ano que vem em Belém (PA), o potencial turístico da Amazônia deve crescer. Estima-se que mais de 40 mil visitantes venham à região durante os principais dias da conferência, sendo 7 mil membros de equipes da ONU e delegações dos países participantes, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Visa aérea do Anavilhanas Jungle Lodge. — Foto: Felipe Castellari

“Um evento do porte da COP 30 pode movimentar a economia de toda a região, não só durante o evento, mas também promovendo uma visibilidade antes e depois”, afirmou o Ministério do Turismo ao Um Só Planeta por meio de sua assessoria. Em 2023, Dubai, sede da COP 28, registrou recorde de turistas, com 17,15 milhões de visitantes internacionais ao longo do ano, um aumento de 19,4% em relação ao ano anterior. As receitas das atividades turísticas também cresceram, passando de 10 milhões de dirhams (moeda local) em 2022 para 11,1 milhões em 2023.

No dia 12 de junho, Guto Costa Filho, sócio-operador do Anavilhanas Jungle Lodge e do Hotel Villa Amazônia, e outros representantes do Amazonas Cluster de Turismo (associação que reúne 38 empresas do setor) se reuniram em Brasília com o presidente da Embratur, Marcelo Freixo. Na ocasião, foi firmado um acordo para troca de informações estratégicas para o fomento do turismo na região e a divulgação da Amazônia em feiras e eventos internacionais. Estão previstas ações promocionais em Nova York, em setembro, e durante a COP 29, em Baku, no Azerbaijão, em novembro.

“Estamos de olho no público que virá para a COP 30. O evento vai movimentar toda a região amazônica, e já há uma dinamização importante acontecendo. Durante nossa reunião com o trade turístico do Amazonas, eles mencionaram que já estão com hotéis ocupados para grupos de ONGs que irão fazer o planejamento para a conferência sobre o clima antes de seguir para Belém”, comentou o presidente da Embratur.

Novas rotas aéreas

A escassez de conexões aéreas é um dos principais desafios para o turismo na Amazônia. Para enfrentar essa barreira, a Embratur, em colaboração com o governo do Amazonas e o Ministério do Turismo, anunciou a retomada de um voo da companhia aérea TAP, conectando Lisboa, Portugal, a Manaus e Belém a partir de novembro. “Com isso, reconectamos a Amazônia ao mercado europeu. É muito mais conveniente do que chegar em São Paulo e depois seguir para a região Norte. Isso é essencial para o turismo na região”, observa Freixo. Agora, a meta é obter voos diretos de Miami e Nova York, nos Estados Unidos, para Manaus e Belém, portas de entrada para o turismo amazônico.

Comunidade Tumbira: turismo de base comunitária. — Foto: Lucas Bonny

Outro desafio é superar estereótipos sobre o que os turistas encontrarão na região. “Você não vai fazer amizade com uma onça ou se transformar no Tarzan. Mas há uma cultura amazônica rica, que envolve os guias caboclos, a cultura tradicional, a gastronomia e os saberes locais. Esse é o produto que precisamos promover no exterior”, destaca Freixo. “Temos exemplos de países vizinhos, como Peru e Colômbia, que souberam trabalhar bem essa questão”, acrescenta.

Da extração de madeira para o turismo de base comunitária

Além do turismo de luxo, o desenvolvimento do turismo de base comunitária, envolvendo povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas, também possui grande potencial na Amazônia. “O turismo de luxo é importante, gera receita e desenvolve regiões, mas também queremos promover o turismo de base comunitária. Ele é mais acessível para pessoas com menor poder aquisitivo e a riqueza permanece com a população local”, destaca o presidente da Embratur.

Restaurante na Comunidade de Tumbira. — Foto: Divulgação

Um exemplo bem-sucedido de turismo de base comunitária é a Comunidade Tumbira, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, a pouco mais de uma hora de barco de Manaus. Ali, o ex-madeireiro Roberto Brito de Mendonça e sua família administram uma pousada, restaurante e casas de comunitários para hospedar visitantes, totalizando 60 leitos. São oferecidas atividades como trilhas na mata, acampamento na selva, passeios pelas praias de rio e pelo Parque Nacional de Anavilhanas, canoagem em igarapés e igapós, e oficinas de artesanato.

“No ano passado, recebemos 554 turistas e tivemos um faturamento bruto de 420 mil reais. Poderíamos ter faturado mais, se não fosse pelos três meses de seca que interromperam as atividades”, conta Brito. A chegada de visitantes fomenta o comércio, o artesanato, a pesca e a produção local de farinha. “Hoje, 70% da renda da nossa comunidade, composta por 40 famílias, vem do turismo”, afirma o líder comunitário.

A receita gerada pelo turismo já proporcionou melhorias na infraestrutura da comunidade. Recentemente, foram concluídas obras de pavimentação das vias, instalação de energia solar em 30 casas, abastecimento de água com sistema de tratamento, construção de um centro cultural e aquisição de uma embarcação escolar para o transporte das crianças da comunidade, que frequentam aulas na escola da Comunidade Tiririca.

Passo inicial para se conectar com o turismo amazônico

A maior concentração de agências de turismo que oferecem pacotes para a região amazônica está em Manaus, onde estão localizados os principais hotéis de selva e, a menos de 100 quilômetros de distância, os parques e as reservas estaduais. Além de Tumbira, há várias outras iniciativas de turismo de base comunitária na região, como as comunitárias do Saracá, da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, e a Associação das Comunidades Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro (Acimbran).

Escola em Tumbira. — Foto: Lia Hama

Nos estados vizinhos, Pará e Acre, também há exemplos relevantes. No Acre, a Aldeia Mutum, da etnia Ashaninka, atraiu 292 visitantes no ano passado, que pagaram 12 mil reais para passar uma semana vivendo como os indígenas, com o mínimo de impacto ambiental. No Pará, a vila de pescadores Algodoal-Maiandeua, no arquipélago de Marajó, onde não há carros e o transporte é feito por charretes puxadas por búfalos, atrai visitantes pelo isolamento e tranquilidade, longe do estresse urbano.

No Amazonas, o programa de Certificação de Turismo de Base Comunitária lançado pela Embratur em junho já conta com três comunidades inscritas, e a meta é alcançar 30 até a COP 30. “Esse modelo permite maior autonomia às comunidades e leva o visitante a vivenciar o dia a dia da floresta amazônica, sempre com o apoio dos guias locais”, ressalta Freixo.

Com o objetivo de impulsionar o turismo e fomentar práticas sustentáveis na região amazônica, o Anavilhanas Jungle Lodge e outras iniciativas locais estão liderando pelo exemplo, provando que a preservação ambiental pode ser uma poderosa aliada no desenvolvimento socioeconômico da região.


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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