Na Amazônia, ‘fábrica do amor’ produz preservativos sustentáveis

Em plena selva amazônica, Raimundo
Pereira faz cortes no caule de uma seringueira até fazer a árvore sangrar para
coletar sua seiva branca, que depois será levada para a fábrica na vizinha
Xapuri, a única no mundo que produz preservativos de látex, extraído de árvores
nativas.
Seu gesto rápido e preciso revela a experiência de
quem, todos os dias, desde os nove anos de idade, acompanhava o pai ao
amanhecer para trabalhar na selva como seringueiro, seguindo os passos do avô.


“Ainda continuo com 51 anos. Amo este trabalho porque o ar
aqui é puro. Continuarei fazendo isto enquanto meu corpo aguentar”, contou
à AFP.
Raimundo não sabe ler ou escrever, mas se considera um
“conhecedor dos produtos da selva e das plantas medicinais”.
“Hoje não penso mais em aprender a ler. Estou orgulhoso
porque a fábrica me deu visibilidade social e melhores ganhos”, afirmou
este pai de três filhos, todos na escola.
 

Seguindo o exemplo de Chico Mendes
A fábrica Natex foi inaugurada em abril de 2008, em Xapuri, cidade
do estado amazônico do Acre (norte), berço histórico da luta de Chico Mendes, o
defensor da Amazônia que ganhou fama mundial ao ser assassinado, em 1988, por
grandes latifundiários que derrubavam a floresta com motosserras.
A fábrica nasceu de duas importantes políticas de
governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), explicou à AFP
Dirlei Bersh, diretora da fábrica, totalmente financiada pelo Estado.
As instalações custaram 30 milhões de reais e não têm
fins lucrativos.
“Tratava-se, de um lado, de incentivar uma economia
adormecida, em um momento em que o preço da borracha tinha caído ao custo mais
baixo e, de outro, de reforçar o programa de luta contra a Aids, através da
distribuição gratuita de preservativos”, disse Bersh.
Foi neste contexto que a fábrica recebeu o apelido de
‘fábrica do amor’, cunhado pelo secretário nacional de Saúde da época, Gerson
Penna, em uma época em que os preservativos ainda eram cercados de tabu.
“No começo, as pessoas caçoavam. Hoje, os 170
funcionários da Natex são orgulhosos do papel de prevenção que a fábrica
desempenha”, disse a diretora da fábrica.

Natex produz hoje 100 milhões de preservativos por ano, todos destinados
ao ministério da Saúde, e pretende dobrar sua capacidade.


500 milhões de camisinhas
A produção da fábrica de Xapuri representa 20% dos 500
milhões de camisinhas distribuídas gratuitamente por ano pelo governo
brasileiro em um país com 730.000 soropositivos, segundo os números mais
recentes da OnuAids.
O Brasil é pioneiro na luta contra a Aids, com
tratamentos gratuitos para doentes e soropositivos.
“A Natex é a única fábrica de preservativos do
mundo que usa látex ‘nativo’. Sua elasticidade e resistência são muito
superiores às do látex cultivado, importado principalmente da Malásia”,
disse sua diretora.
No total, 700 famílias de ‘seringueiros’ foram
contratadas e 489 se encarregaram de fornecer à fábrica este ano 250 toneladas
de borracha natural.
“O ‘seringueiro’ recebe 8 reais por quilo de
borracha, o que representa 270% a mais que seu preço de mercado. Isto engloba o
valor do produto e os serviços ambientais prestados como garantidor da
floresta”, explicou Bersh, para quem a fábrica é um “símbolo” do
desenvolvimento sustentável da Amazônia.

“Se Chico Mendes estivesse vivo, estaria contente
em ver que a luta que ele começou ainda dá frutos. Seu sonho era ver a floresta
viva”, comemorou o seringueiro Raimundo Pereira, que conheceu bem o
ativista.
A Amazônia brasileira sofreu com a febre de extração da
borracha, no final do século XIX. A cidade de Manaus e sua esplêndida Ópera em
plena selva são símbolos da prosperidade da época.
Desde 1912, no entanto, o Brasil perdeu o monopólio da
produção porque as árvores de borracha, plantadas pelos ingleses na Malásia e
no Sri Lanka, a partir de sementes levadas da Amazônia, começaram a produzir
látex com maior eficácia e produtividade.

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