Em uma antiga pedreira do interior paulista encontram-se rochas com cerca de 280 milhões de anos, indícios de que aquela região já esteve coberta por gelo em um passado longínquo. O conjunto rochoso localizado no Parque do Varvito, em Itu, é um dos 142 geossítios identificados em 81 municípios do estado de São Paulo que compõem o mapa interativo geológico criado pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo da Universidade de São Paulo (GeoHereditas/USP). “O mapa está disponível na internet e pode ser acessado por qualquer interessado, mas é voltado, sobretudo, à comunidade científica e profissionais da área de geociências, visto que as descrições dos geossítios são técnicas”, esclarece a geóloga Maria da Glória Motta Garcia, professora do Instituto de Geociências (IGc) da USP e coordenadora do trabalho. “Além de colaborar para o planejamento urbano sustentável, ele também pode ser usado para desenvolver atividades de geoturismo, por exemplo.”
O mapa é fruto do projeto “Patrimônio geológico do estado de São Paulo: Identificação, conservação e avaliação de geossítios de valor científico com relevância nacional e internacional” (ver Pesquisa FAPESP nº 257). O primeiro passo foi um inventário realizado entre 2013 e 2015 com financiamento do extinto programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal, na modalidade “Pesquisador visitante especial”, que apoiou três vindas ao Brasil do consultor do projeto, o geólogo José Brilha, da Universidade do Minho, de Portugal, bem como a realização de trabalhos de campo, além da compra de livros e equipamentos. “Agora estamos no momento de divulgar esses dados”, prossegue Garcia.
Mapas são elementos importantes nas estratégias em geoconservação, conceito que nasceu no Primeiro Simpósio Internacional sobre Proteção do Patrimônio Geológico, realizado em 1991, na França. “A geoconservação é uma forma de identificar e proteger sítios geológicos que representam um evento importante na história da Terra”, diz o geólogo Carlos Schobbenhaus, do Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM). “Esses geossítios oferecem pistas para a compreensão do passado, do presente e do futuro do planeta. A definição do local a ser conservado, por meio de um inventário, é o primeiro passo do estudo de geoconservação.” De acordo com Garcia, embora o conceito seja recente, ações voltadas à conservação de locais com interesse geológico são conhecidas desde o século XVII, a exemplo da caverna Baumannshöle, na Alemanha, local de relevância para estudos paleoclimáticos e arqueológicos que ganhou um plano de gestão em 1668. “A partir da década de 1970 a área da geoconservação se desenvolveu muito na Europa. Desde então, países como Portugal, Espanha e Reino Unido produziram os próprios inventários de patrimônio geológico e incluíram legalmente a sua proteção.”
No momento, Schobbenhaus coordena o inventário do patrimônio geológico nacional, iniciado em 2019 pelo SGB/CPRM, que, entre outras coisas, também pretende gerar um mapa geológico interativo nos moldes da iniciativa paulista. A primeira etapa do estudo, que está em curso e conta com uma equipe de cerca de 20 profissionais, dividiu o Brasil em 15 regiões para levantar quais sítios podem ser considerados patrimônios geológicos. Uma das fontes é a base de dados Geossit, do próprio SGB/CPRM, em que pesquisadores de várias partes do país já cadastraram mais de 300 geossítios. Desse total, 100 foram analisados e aprovados pela equipe do SGB/CPRM. A próxima etapa do trabalho é a visita presencial para verificar as condições físicas dos lugares. Em razão das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, essa fase não tem data para começar.
Outra provável fonte será o estudo que está sendo concluído pela geóloga Fernanda Caroline Borato Xavier, doutoranda em geologia ambiental do Programa de Pós-graduação em Geologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Na tese, que deve ser defendida neste ano, a pesquisadora se propõe a realizar um inventário paranaense de cerca de 80 geossítios selecionados e divididos em oito categorias geológicas. “Nessa lista o mais importante é o interesse científico e não as belas paisagens”, explica o geólogo Luiz Alberto Fernandes, orientador da pesquisa e professor do Programa de Pós-graduação em Geologia da UFPR. “Nossa meta é transferir os dados do inventário para um mapa geológico interativo porque é uma forma mais ágil de repassar as informações.”
A produção de algo similar também faz parte de um projeto de pesquisadores do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que desde 2017 realizam o inventário geológico daquele estado. O trabalho gerou no ano seguinte a publicação do Mapa geológico simplificado do Rio Grande do Norte, disponibilizado na internet em formato de PDF. “Agora a ideia é casar os dados recentes com aqueles do mapa simplificado e fazer uma plataforma interativa, que deve ficar pronta no meio do ano”, prevê o geólogo Marcos Antonio Leite do Nascimento, da UFRN. “Com o mapa interativo pretendemos sensibilizar o poder público e a sociedade que um barranco, por exemplo, que ninguém dá muita bola, pode ser muito importante para a pesquisa científica por ser um afloramento que ajuda a entender a história geológica da Terra”, conclui.
Artigos científicos
DIAS, M. C. S. S. e DOMINGOS, J. O. et al. Geodiversity Index Map of Rio Grande do Norte State, Northeast Brazil: Cartography and quantitative assessment. Geoheritage 13, 10, 2021.
RIBEIRO, L. M. A. L e GARCIA, M. G. M. et al. The geological heritage of the state of São Paulo: Potential geosites as a contribution to the Brazilian national inventory. Journal of the Geological Survey of Brazil. [S. l.], v. 4, n. SI 1, 2021.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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