Tecnologia revoluciona o manejo das árvores nas cidades

Ferramentas como Arbolink, Kerno Andas e UrbVerde utilizam IA, satélites e georradar para prever quedas, mapear raízes e planejar florestas urbanas mais seguras e resilientes.

Na corrida contra o tempo para adaptar as cidades brasileiras à emergência climática, surgem novas ferramentas para o manejo de árvores nas cidades. Lançada pela startup Propark, de Piracicaba, no interior de São Paulo, a plataforma Arbolink utiliza dados fornecidos por satélites e captados por veículos com visão computacional para gerir a arborização urbana. Em outra iniciativa, a empresa Kerno Geo Soluções, com sede na capital paulista, oferece um serviço que faz um mapeamento tridimensional (3D) das raízes de árvores sem precisar escavar o terreno.

Evitar a queda de árvores demanda podas adequadas e cuidados com o sistema radicular. Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP

Preservar a saúde do sistema radicular é importante para assegurar a integridade da árvore, mostrou um artigo publicado em 2024 na revista Urban Forestry & Urban Greening por um grupo da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), entre outros. Ao analisar dados de 456 árvores que caíram na região central de São Paulo entre 2016 e 2018, os pesquisadores perceberam que em 33% dos casos o problema estava nas raízes. Em outros 46%, a falha estava nos galhos e, em 21% das vezes, nos próprios troncos.

“Em uma cidade como São Paulo, as concessionárias de água, gás, internet estão sempre instalando tubulações no subsolo. O controle por parte do poder público é muito falho. São poucos os locais com fios aterrados. Nesses lugares, o controle é maior, mas no restante da cidade não. A árvore fica em segundo plano”, comenta o geofísico Vinicius Neris Santos, sócio da Kerno Geo Soluções. “Quando uma raiz é cortada, a consequência pode surgir um mês ou um ano depois, na próxima ventania ou chuva mais forte. Por isso, é importante saber onde e como estão as raízes.”

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Para mapear os sistemas radiculares das árvores, a tecnologia criada pela empresa, batizada de Kerno Andas, aplica um método geofísico já usado por outras companhias e instituições para cadastramento de tubulações de água e esgoto, cabos elétricos e canos de gás enterrados no solo. Em cerca de 45 minutos, a ferramenta faz o mapeamento subterrâneo de uma área de 5 metros (m) por 5 m ao redor da árvore, independentemente de o terreno ser um gramado, de cimento, asfalto ou terra. Emitindo ondas eletromagnéticas, o georradar revela a distribuição espacial, a profundidade e o diâmetro das raízes. A detecção alcança cerca de 2 m de profundidade. A inovação foi desenvolvida com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP.

Além da disposição das raízes no espaço, a empresa pretende incluir no serviço a indicação da saúde das raízes. O desenvolvimento é fruto de um estágio de pós-doutorado de Santos na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. “Estamos trabalhando com o espectro do sinal eletromagnético, que é capaz de fornecer informações mais detalhadas das raízes a partir das diferentes frequências desse espectro”, declara o pesquisador. Entre os clientes da empresa, estão a prefeitura de Belo Horizonte (MG) e companhias de manejo arbóreo.

Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESPTécnicos fazem mapa 3D das raízes sem escavar o terreno usando a tecnologia Kerno AndasLéo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP

Softwares e saúde da floresta
Empresas e institutos de pesquisa também têm desenvolvido softwares para digitalizar a gestão da arborização urbana. A ideia é de que essas ferramentas facilitem a formação e a atualização de inventários e o controle de podas e plantios. Um exemplo recente é o sistema Arbolink, da empresa Propark. Usado por prefeituras em cinco estados – São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul –, o sistema gerencia demandas de licenciamento ambiental, integrando dados gerados por satélites e por veículos com visão computacional, além de informações coletadas por técnicos em campo.

“A plataforma tem um banco de dados robusto sobre espécies arbóreas, incluindo características biomecânicas dos exemplares. Com isso, permite uma visão em tempo real da floresta urbana, facilitando a interoperabilidade entre secretarias municipais e concessionárias de serviços públicos”, destaca o engenheiro-agrônomo Marcelo Machado Leão, diretor da empresa.

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O Arbolink também foi projetado para possibilitar a interação colaborativa da população, que pode solicitar serviços de poda e relatar problemas relacionados às árvores. A plataforma usa IA para avaliar e gerenciar o risco de queda das árvores e garantir o plantio adequado, evitando conflitos futuros com a infraestrutura urbana. “O sistema é adaptável para atender às legislações municipais locais e está recebendo novos módulos e funcionalidades inovativas”, conta Leão.

Uma das novidades em implantação é a possiblidade de fiscalização e de realização de cálculos de serviços ecossistêmicos, como o de balanço de carbono. Outra é a gestão preventiva de riscos por meio de algoritmos de predição climática, importante para preparar as cidades para eventos climáticos extremos, como vendavais e chuvas intensas, que têm se tornado mais frequentes. A inovação teve apoio do programa Pipe da FAPESP.

Outra ferramenta, criada no IPT, órgão vinculado ao governo do estado de São Paulo, é um software para gestão da governança urbana, chamado Arbio, indicado para a realização de inventários arbóreos municipais. A solução já foi utilizada em São José dos Campos e São Caetano do Sul, ambas em São Paulo, e está sendo negociada para ser assumida pela Prodesp, a empresa de tecnologia do governo estadual.

“A ideia é que o Arbio seja distribuído pelos 645 municípios paulistas. Já há conversações”, conta o biólogo Sérgio Brazolin, chefe do Laboratório de Árvores, Madeiras e Móveis do IPT. “O seu diferencial é que há dentro dele um modelo de cálculo estrutural. A ferramenta faz operações matemáticas para mostrar a probabilidade de queda ou de ruptura da árvore. Tudo a partir dos dados das plantas, como tamanho, localização, data da última poda. Assim como o Arbolink, é uma ferramenta que ajuda o técnico a tomar decisões de manejo.”

Nuvem de pontos feita com o radar Lidar, usado pela startup Treetronics, mostra se a árvore tem propensão à queda.

O próximo passo, anuncia o biólogo, é incorporar inteligência artificial a uma nova versão do Arbio. A tendência nessa área é buscar a automatização para categorizar as árvores de uma localidade em relação à urgência que apresentam em relação à queda e à poda. “As pesquisas caminham para o uso de tecnologias de captura de imagem, como Lidar (detecção de luz e medida de distância), e ferramentas de geoprocessamento, para localizar e medir a árvore. Com dados históricos de quedas e sua relação com ventos e chuva, poderemos usar ferramentas de inteligência artificial para criar algoritmos mais precisos”, destaca Brazolin.

Na USP, um grupo liderado pelo biólogo Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências, e o engenheiro mecânico Emílio Carlos Nelli Silva, da Escola Politécnica (Poli), recorreu à técnica de otimização topológica na orientação de possíveis podas e repodas. Esse método é usado em projetos de engenharia para encontrar um design que maximize o desempenho de estruturas diversas. As indústrias aeroespacial e automotiva, entre outras, empregam a metodologia. O serviço é oferecido pela startup Treetronics, criada em abril deste ano.

Para elaborar o algoritmo da poda, os pesquisadores voltaram-se para a geometria e o comportamento estrutural da árvore. “Aplicamos a metodologia de simulação computacional usada em estruturas de engenharia em geral”, diz Silva. O desenvolvimento natural de uma árvore, explicam os pesquisadores, otimiza a sua estrutura – ou seja, cria as condições mais favoráveis em termos de distribuição de troncos e galhos, favorecendo sua estabilidade e capacidade de suportar forças externas. O algoritmo pode ser usado em qualquer tipo de árvore.

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“A árvore é uma estrutura por si otimizada. Mas se a poda é realizada de qualquer jeito, ela se fragiliza, perde esse balanceamento e tende a cair”, diz o engenheiro da Poli. Nas cidades, raízes e galhos enfrentam barreiras para um crescimento ideal. Solos compactados, fiação elétrica aérea, cimento, pavimentação e tubulações estão entre os principais obstáculos. Além disso, há as alterações ocorridas em seu entorno, como a derrubada ou a construção de edifícios que interferem na intensidade e direção dos ventos.

A fim de captar a complexa geometria da árvore e inseri-la em um modelo computacional, os pesquisadores da Treetronics recorreram à tecnologia Lidar. Ainda pouco acessível, a ferramenta é capaz de fazer um escaneamento tridimensional a laser (ver Pesquisa FAPESP nos 308 e 346) e gerar uma nuvem de cerca de 3 milhões de pontos para cada planta.

“O sensor Lidar faz uma imagem tridimensional da árvore em poucos minutos. Colocamos esses dados no computador e simulamos a planta se deformando, sob a ação do vento. Além de melhorar a poda, é possível avaliar se há uma propensão à queda”, afirma Silva. Os modelos ainda estão sendo aperfeiçoados, mas já há conversas com as prefeituras de São Paulo e outros municípios paulistas para a realização de testes e adoção da ferramenta.

O verde nas cidades
Plataforma digital disponibiliza mapas interativos com dados ambientais e sociais dos municípios brasileiros

Gestores públicos, pesquisadores e a população em geral contam, desde 2024, com a plataforma on-line UrbVerde para visualizar dados ambientais dos 5.570 municípios do país, com mapas interativos das áreas verdes, números comparativos entre as cidades e integração de dados socioeconômicos. O projeto, apoiado pelo Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), reúne cerca de 50 pesquisadores de 11 instituições. A prefeitura de Diadema (SP) e um consórcio dos municípios do ABC paulista são parceiros da iniciativa.

Informações como índices de cobertura vegetal, suscetibilidade a ilhas de calor e populações atendidas por parques e praças estão reunidas a partir de dados de satélites e fontes diversas, como o Censo Demográfico do IBGE e o OpenStreetMap, projeto colaborativo com dados abertos e detalhados de mapas do mundo. “Esse sistema de informação geográfica on-line visa apoiar o planejamento urbano, a formulação de políticas públicas e a adaptação climática das cidades”, diz Guilherme Bueno de Freitas, vice-coordenador da UrbVerde.

Segundo Freitas, apesar de recém-lançado, o sistema passa por uma atualização. “Usamos Diadema como projeto-piloto para desenvolver metodologias e indicadores, que vão contribuir para um plano de ação climática”, conta. Entre os itens a serem desenvolvidos que o grupo pretende incluir nos mapas estão os pontos de maior probabilidade de sofrer inundações, os de risco a arboviroses e os de vulnerabilidade alimentar.

“Queremos pegar o maior número de informações abertas e replicáveis, para poder dar visibilidade à plataforma. Temos a pretensão de acessar as cidades pequenas de todo o país, que são as que têm menos condições de ter algum tipo de análise socioambiental”, diz Freitas. A plataforma está disponível gratuitamente.

A reportagem acima foi publicada com o título “Poda high-tech” na edição impressa nº 357, de novembro de 2025.

Projetos
1.
Avaliação não destrutiva de árvores em ambiente urbano através da combinação dos métodos da eletrorresistividade e ground penetrating radar (nº 19/09483-0); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Vinicius Rafael Neris dos Santos (Kerno); Investimento R$ 992.692,11.
2. Desenvolvimento de software destinado à avaliação dos riscos de queda de árvores em áreas urbanas (nº 15/15888-2); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Marcelo Machado Leão (Propark); Investimento R$ 544.381,65.
3. Gestão de florestas urbanas em tempo real utilizando aprendizado de máquina (nº 19/18287-0); Modalidade: Bolsa de Pós-doutorado. Pesquisador responsável João Paulo Papa (Unesp); Bolsista Danilo Samuel Jodas (Unesp); Investimento R$ 431.473,61.
4. Urbverde: Políticas públicas para qualificação territorial orientada à adaptação climática e redução das desigualdades (nº 23/10076-6); Modalidade Pesquisa em Políticas Públicas; Pesquisador responsável Marcelo Fantin (USP); Investimento R$ 652.864,46.
5. Florestas funcionais: Biodiversidade a favor das cidades (nº 20/09251-0); Modalidade Jovens Pesquisadores. Pesquisador responsável Giuliano Maselli Locosselli (USP); Investimento R$ 206.086,80.

Artigos científicos
CAVALARI, A. A. et al. Predicting tree failure to define roles and guidelines in risk management, a case study in São Paulo/Brazil. Urban Forestry & Urban Greening. v. 91. jan. 2024.
SANTOS, V. R. N. et al. Tree roots GPR detection based on 3-D time-reversal signal processing. IEEE Geoscience and Remote Sensing Letters. v. 21. 18 set. 2024.
JODAS, D. S. et al. Detection of trees on street-view images using a convolutional neural network. International Journal of Neural Systems. v. 32, n. 1. 2022.
BUCKERIDGE, M. Árvores urbanas em São Paulo: Planejamento, economia e água. Estudos Avançados. v. 29, n. 84. 2015.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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