Macacos-prego em Minas Gerais alcançam estágio evolutivo semelhante à Idade da Pedra Lascada

Cientistas trabalhando em Minas Gerais descobriram que um grupo local de macacos-prego, uma espécie de primata relativamente distante dos humanos, atingiu um estágio evolutivo semelhante àquele em que ancestrais do Homo sapiens chegaram há 3,3 milhões de anos: a idade da pedra lascada.

Macaco-prego usa par de pedras para quebrar semente — Foto: Tiago Falótico/CC

A equipe de pesquisadores documentou o comportamento de alguns desses símios na mata dentro de uma fazenda em Montes Claros (MG) e mostrou que eles são capazes de produzir lascas de pedra, a forma mais rudimentar de ferramenta que hominídeos criavam na África, muito antes do surgimento do homem moderno.

Os símios em questão, da espécie Sapajus xanthosternos (macaco-prego-do-peito-amarelo), não lascam a pedra intencionalmente, entretanto. As lascas são subproduto de um comportamento já conhecido dos macacos-prego, o de usar pedras para quebrar sementes e frutos secos.

A descoberta foi anunciada nesta terça-feira num estudo na revista PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos EUA. O trabalho foi liderado pelos cientista Tomos Proffitt e Lydia Luncz, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, e teve participação dos brasileiros Paula Medeiros e Waldney Martins, da Universidade Estadual de Montes Claros.

Apesar de o estudo ter sido feito fora da África e enfocar um primata que está longe da linhagem evolutiva do Homo sapiens, sua descoberta promete chacoalhar o estudo da evolução humana.

A produção de pedra lascada é vista por alguns antropólogos como um marco crucial da sofisticação da mente dos primeiros hominídeos, mas a demonstração de que as lascas podem ser feitas de maneira não intencional coloca essa premissa em questionamento.

Um ponto importante do novo estudo é que os pesquisadores compararam o material lítico produzido pelos macacos-prego mineiros e constataram que ele extremamente semelhante com lascas recolhidas na África que são aceitas como as ferramentas de pedra mais antigas produzidas por australopitecos e outros primatas hominídeos.

Uma demonstração de que as lascas de pedra podem ser produzidas acidentalmente renova a discussão sobre quando uma mente mais sofisticada emergiu entre os ancestrais humanos. A questão em jogo é que a manipulação de objetos para criação de ferramentas requer um sistema cognitivo muito mais complexo do que simplesmente usar ferramentas que já estão prontas à disposição no ambiente.

Isso não se trata, porém, de questionar o mérito dos macacos-prego. Desde que essa espécie passou a ser estudada na virada do milênio pelo cientista Eduardo Ottoni, da Universidade de São Paulo (USP), ela têm gerado fascínio em primatólgos do mundo todo. Habilidosos e inteligentes, eles conseguem quebrar coquinhos e outros tipos de alimento, esmagando-os entre duas pedras.

Martelo e bigorna

Usando uma rocha grande como base (a “bigorna”) e outra pequena para golpear o fruto (o “martelo”), os macacos-prego romperam a exclusividade que biólogos viam anteriormente em símios africanos no uso de ferramentas. Comportamento sofisticado como esse já havia sido observado apenas em chimpanzés e outros macacos evolutivamente mais próximos dos humanos.

A comparação que os cientistas fizeram entre os registros da espécie brasileira e o registro arqueológico achado no leste da África mostra o quão próximas as duas estão.

“Nossa análise desses registros demonstra muitas características arqueológias associadas à produção intencional de lascas”, escrevem o cientista e seus colegas. “Isso inclui as pedras ‘martelo’ com dano substancial em virtude do impacto e uma séria de pedaços lascados e separados.”

O estudo de Proffitt agora reforça a ideia de que, de maneira independente, os macacos-prego tomaram um rumo de evolução cognitiva similar ao que a linhagem humana seguiu na África milhões de anos atrás.

Essa não foi a primeira vez que os macacos-prego bagunçaram o registro arqueológico e levaram cientistas a repensar suas hipóteses.

As criação acidental de lascas e potenciais ferramentas de pedra já havia sido documentada pelo próprio Proffit também na Serra da Capivara, no Piauí, onde mora uma outra comunidade de macacos-prego selvagens.

Pesquisadores que viam a presença desses objetos ali enxergavam essa descoberta como evidência da presença de humanos há mais de 10 mil anos na América do Sul. Mas a descoberta de que os símios usam pedras para quebrar frutos secos há pelo menos 3 mil anos na região põem essa hipótese em questão.

O trabalho do cientista em Minas Gerais, porém, faz o estudo do tema ganhar mais relevância, porque instiga primatólogos a reverem noções sobre a própria evolução humana.

“Análise comparativa com outros conjuntos de pedra lascada criados por primatas e hominídeos revela que a produção intencional de lascas é um componente universal do comportamento de uso percussivo de martelo e bigorna, sugerindo que comportamentos similares dos primeiros hominídeos pode ter levado à tecnologia de pedra lascada”, escreve o cientista.

Entre os questionamentos que o estudo inspira está a ideia de que talvez a emergência da inteligência do Homo sapiens não seja algo tão especial assim, e seja algo que possa ocorrer mesmo em animais distantes evolutivamente. Se os macacos-pregos vão evoluir para se tornarem tão sofisticados quanto os humanos daqui a alguns milhões de anos, porém, isso é algo que não foi abordado pelo estudo.

Fonte: O Globo.


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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