Na natureza, diversas espécies de animais produzem defesas químicas que os tornam tóxicos ou impalatáveis, como estratégia de defesa contra os predadores. No entanto, algumas espécies podem aprender a lidar com esse tipo de presa evitando ou removendo a parte tóxica, como fazem os macacos-prego que consomem gafanhotos no Nordeste brasileiro, retirando seu intestino. O comportamento foi observado por pesquisadores do Instituto de Psicologia (IP) da USP, que não só descrevem como os animais fazem a separação, mas também mostram que o processo possivelmente depende de aprendizado, pois os mais jovens demoram mais tempo e nem sempre retiram bem a parte tóxica.
Os resultados do trabalho são mostrados em artigo da revista científica Primates em 25 de maio. “Os macacos-prego da espécie Sapajus libidinosus são animais onívoros, que comem de tudo, e vivem em ambiente de cerrado e caatinga”, conta o pesquisador Henrique Rufo, que realizou a coleta de dados para seu trabalho de doutorado, orientado pelo professor Eduardo Benedicto Ottoni e pelo pesquisador Tiago Falótico, no Parque Nacional Serra da Capivara (PNSC), no Piauí. “Os gafanhotos, cujo nome científico é Stiphra sp., são comuns em ambiente de caatinga e podem coexistir com os macacos-prego em algumas áreas.”
O pesquisador relata que o grupo de macacos-prego era acompanhado diariamente. “Apesar do foco da pesquisa ser no comportamento do uso de ferramentas, foi possível observar e registrar os macacos se alimentando dessa espécie de gafanhoto, que durante o período de acasalamento aparecem em grande quantidade em algumas áreas do PNSC”, aponta. “Notamos que eles pareciam descartar parte dos gafanhotos e decidimos registrar melhor o que acontecia quando eles estavam comendo essa espécie. Além disso, também coletamos os gafanhotos para identificar o gênero.”
“Quando os macacos-prego se alimentam dessa espécie de gafanhoto é possível observar que eles sempre removem o intestino do inseto durante o consumo e evitam levá-lo à boca”, descreve Rufo. “Também identificamos uma diferença entre macacos adultos e imaturos, isto é, não adultos, nesse consumo. Os adultos foram mais rápidos na remoção do intestino e tinham um aproveitamento melhor na hora de consumir o inseto inteiro, inclusive lambendo a camada de gordura associada ao intestino”.
Aprendizado
Os macacos imaturos tiveram maiores dificuldades tanto na remoção quanto no consumo da gordura, demorando mais tempo e aproveitando menos o inseto ao descartarem o intestino junto com alguma parte do corpo da presa. “Isso pode ser um indicativo de que há um processo de aprendizagem no consumo do inseto e que leva um tempo para os macacos aprenderem a terem um melhor aproveitamento desse recurso”, observa o pesquisador. “Quando os macacos-prego se alimentam de outra espécie de gafanhoto, que não é tóxica, eles consomem os insetos por completo, sem retirar o intestino.”
De acordo com Rufo, outras pesquisas, inclusive com espécies diferentes de primatas, mencionam o consumo de insetos da ordem Orthoptera, como o gafanhoto. “Porém, nosso trabalho apresenta de forma mais detalhada como esse consumo é feito e sobre a capacidade dos macacos-prego em evitar as defesas químicas desses gafanhotos”, destaca.
Formigas que cultivam a própria comida são tema de pesquisa | Florestal Brasil
“Identificamos que há um processo de aprendizagem no aperfeiçoamento da técnica e estudos futuros poderão investigar com mais detalhes os mecanismos de aprendizagem envolvidos”, afirma o pesquisador. “A elucidação sobre os fatores ecológicos que influenciam o comportamento desses animais pode sempre contribuir para o desenvolvimento de melhores estratégias para preservação tanto das espécies quanto do ambiente”, conclui Rufo.
O artigo da Primates, Toxic tasting: how capuchin monkeys avoid grasshoppers’ chemical defenses, é assinado por Henrique Pereira Rufo, Luiza G. Ferreira, Eduardo Benedito Ottoni e Tiago Falótico. Além do IP, o trabalho teve a colaboração da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, Neotropical Primates Research Group (Neoprego) e Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology, em Leipzig (Alemanha). A pesquisa teve financiamento da Capes e da Fapesp.
Fonte: Jornal da USP
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