“Lavagem de animais”: trafico põe em xeque a biodiversidade brasileira

Um relatório de entidades civis liga o tráfico de vida selvagem a 24 práticas de fraude, corrupção e “lavagem de animais”. As conclusões derivam da análise de episódios de combate ao crime contra a biodiversidade no Brasil e no exterior.

“Lavagem de animais": trafico põe em xeque a biodiversidade brasileira
A arara-vermelha (Ara macao) é um grande alvo do tráfico, inclusive de ovos e filhotes na época de reprodução. Foto: Proteção Animal Mundial-Brasil/Divulgação

Em 2019, um esquema envolvendo 84 pessoas em 24 países e várias espécies de “peixes-das-nuvens” foi desmantelado por agências brasileiras e estrangeiras. Os animais eram enviados para as Américas, Europa e Ásia. Esses peixes vivem apenas em poças, córregos e outros ambientes temporários formados pelas chuvas.

Essa é uma das histórias detalhadas no relatório “A Lavanderia de Fauna Silvestre”, coordenado pelos escritórios no Brasil das ONGs Transparência Internacional e Freeland. O relatório demonstra como fraude, corrupção e lavagem facilitam o tráfico de vida selvagem.

O trabalho levou mais de um ano, abrangendo a revisão de literatura nacional e internacional, documentos, denúncias, processos judiciais e entrevistas com profissionais de diversos setores dedicados ao tema.

Os casos analisados abrangem todas as regiões do país, relacionados a fraude, corrupção e lavagem na cadeia de suprimentos do tráfico de vida selvagem. O relatório indica que os animais são mais capturados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sendo vendidos no Nordeste, Sudeste e Sul.

“Pensávamos que o grande foco seria da Amazônia à cidade de São Paulo, mas o tráfico doméstico ocorre numa escala muito maior”, alerta Dário Cardoso Júnior, um dos autores do estudo e consultor do Programa de Integridade Socioambiental da Transparência Internacional.

“Lavagem de animais": trafico põe em xeque a biodiversidade brasileira
Animais roubados da natureza são vítimas que deixam de cumprir serviços ambientais, fragilizando o equilíbrio ecológico. Foto: Proteção Animal Mundial-Brasil/Divulgação

Um dos crimes destacados é a “lavagem de animais” traficados para mercados e usos legais, através de falsificações em notas fiscais ou nos sistemas de controle de criadouros, como declarar nascimentos inexistentes para legalizar aves retiradas da natureza.

Um estudo do governo federal analisou dados de 2004 a 2020 e constatou que falsificações por criadores amadores facilitaram o tráfico de aves silvestres no país, não contribuindo para a conservação de espécies nativas, segundo ((o))eco.

Adulterar ou reusar anilhas, microchips ou tags usadas para controlar populações cativas eram táticas de uma quadrilha desmantelada em 2010, no Paraná, que comprava e vendia ovos e aves silvestres traficadas. Dez mil animais foram apreendidos.

“Os sistemas são pensados para controlar, mas são usados por criminosos para legalizar animais roubados dos ambientes naturais”, afirma Cardoso, da Transparência Internacional.

O tráfico também reforça o aprisionamento e abastece o comércio legal quando espécimes apreendidos são enviados a Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) ou de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras), doados a criadouros e, por fim, têm filhotes vendidos regularmente.

Ilustração: Proteção Animal Mundial-Brasil/Divulgação
Meliantes orquestrados

Práticas criminosas listadas no relatório incluem suborno de agentes públicos, influência indevida em órgãos ambientais e lavagem de bens e valores do tráfico. Contrariando o senso comum, isso não ocorre desordenadamente.

As 138 páginas do trabalho revelam redes de crime organizado, com divisão de tarefas entre membros que podem incluir veterinários, fiscais e empresas de carga. O relatório também aponta deficiências e permissividades legislativas.

Um exemplo é o paraibano Valdivino de Jesus, que traficou animais por 20 anos enquanto era servidor público. Preso em 2018 por lavagem de dinheiro, antes foi autuado e preso 14 vezes, mas liberado ao assinar Termos Circunstanciados de Ocorrências, registros para infrações menores.

“Casos cíclicos como esse mostram que o tráfico de vida selvagem também é um ‘negócio’. Se os lucros e riscos compensarem a possibilidade de ser preso, se prosseguirá no crime”, avalia Cardoso, da Transparência Internacional.

O tráfico de animais e plantas é crime no Brasil desde os anos 1960, mas fiscalização fraca e penas de 6 meses a 1 ano, quase sempre convertidas em multas e outras sanções menores, aumentam a sensação de impunidade.

“Um caminho para aumentar penas e dissuadir o tráfico é conectar esse crime ambiental a outros delitos”, avalia Leonardo Biali, pós-doutor na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e professor no Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB).

Essa conexão elevou para até 10 anos as sentenças para certos envolvidos numa operação em 2019 que revelou um esquema ilegal de importação clandestina de pássaros exóticos desde Uruguaiana, na fronteira com a Argentina.

“Essa estratégia deve ser integrada em políticas e ações de combate ao tráfico de animais. Não se pode mais restringi-lo aos crimes ambientais”, recomenda Cardoso, da Transparência Internacional.

“Lavagem de animais": trafico põe em xeque a biodiversidade brasileira
As aves somam oito em cada dez animais apreendidos no tráfico brasileiro de vida selvagem. Foto: TI/Freeland/Divulgação
Contenção de danos

Estimam-se em 38 milhões os espécimes traficados anualmente no Brasil, podendo ser mais, dado o monitoramento e combate precários. Os animais vão para coleções privadas, tornam-se bichos de estimação, comida ou troféus de caça.

Oito em cada dez espécimes confiscados são aves, compondo o grupo mais traficado no país. Quase ¼ das espécies nacionais de aves são alvo do crime, aponta um estudo citado no relatório.

O tráfico movimenta até R$ 130 bilhões anuais globalmente, mas os lucros devoram a biodiversidade. O Índice Planeta Vivo de 2022 mostra que populações de vida selvagem caíram em média 69%, de 1970 a 2018. Na América Latina, a queda é de 94%. O tráfico é um motor dessas perdas.

“Muito se perde para que um animal esteja disponível aos consumidores. O tráfico aumenta riscos de extinção e empobrecimento genético das populações de vida selvagem”, alerta Leonardo Biali.

Para reduzir danos à biodiversidade, o relatório sugere ações como criar uma estratégia para enfrentar o tráfico similar às adotadas para conter a destruição da Amazônia e do Cerrado, fortalecer o combate à corrupção e às fraudes, a transparência de sistemas públicos e a punição de traficantes.

“É preciso melhorar as tecnologias usadas para monitorar e gerar alertas automáticos frente às possibilidades de fraudes e outros crimes”, diz Cardoso. Também é necessário reforçar a fiscalização em rodovias, por onde flui grande quantidade de vida selvagem traficada.

Operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em 2023 autuaram 70 pessoas e confiscaram 1.900 animais na Bahia e Sergipe, incluindo tatus, jabutis e aves como tico-tico, papa-capim, azulão e cardeal. Parte foi para recuperação e os demais foram soltos em áreas preservadas.

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Parte dos 130 animais apreendidos no porta-malas de carro trafegando pela BR-116, em Poções (BA). Foto: PRF/Divulgação

“Monitoramos sobretudo carros de passeio nas rodovias, usados para transportar animais em situações precárias e de maus tratos. É incrível como escondem tantos animais em locais tão insalubres”, diz Tamires Modesto, chefe-substituta do Setor de Enfrentamento dos Crimes Ambientais da PRF.

O relatório “Lavanderia de Fauna Silvestre” foi enviado a mais de uma centena de órgãos ambientais e policiais. Denúncias sobre tráfico de vida selvagem podem ser feitas a polícias e órgãos ambientais.

Fonte: ((o))eco


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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