Por Elias Serejo
A imprensa brasileira ainda carrega o peso de um olhar colonialista, especialmente quando se trata da cobertura da Amazônia e de seus povos. Recentemente, um artigo publicado na Folha de S.Paulo, intitulado “Estou doida para ir para o motel”, exemplificou esse problema ao tratar a região com exotismo e desrespeito, reforçando estereótipos prejudiciais.
Esse tipo de abordagem não é isolado. Estudos apontam que a mídia nacional frequentemente representa a Amazônia de forma distorcida, priorizando interesses políticos e econômicos em detrimento das vozes locais. Por exemplo, uma análise da cobertura da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte revelou que os povos indígenas foram descritos como “invasores” e “de menor capacidade”, enquanto os jornais estrangeiros deram mais espaço às suas perspectivas.
A pesquisadora Ligia Vieira Bruno, em sua dissertação Um olhar de colonial sobre a imprensa brasileira, destaca como a mídia nacional perpetua diretrizes culturais firmadas desde o período colonial, dificultando a expressão de pensamentos decoloniais e a valorização de conhecimentos tradicionais. A Amazônia, nesses enquadramentos, é tratada como “paisagem” ou “recurso”, e não como território vivo, politicamente ativo e culturalmente múltiplo.
O problema é estrutural. As redações do sul e sudeste que cobrem temas ambientais dificilmente têm correspondentes baseados no território amazônico. É de lá que se decide a pauta, se edita o texto e se escolhe o enquadramento. Na prática, isso significa que vozes do Norte precisam “passar” pela lente de quem não vive o cotidiano amazônico. A escuta tende a ser superficial, e o resultado são textos que reduzem o diverso a uma caricatura — quando não incorrem em puro escárnio, como foi o caso da coluna citada.
Além do preconceito, há uma negação da legitimidade do saber local. É como se o conhecimento válido ainda fosse apenas aquele que circula nas universidades do eixo Rio-São Paulo ou nas páginas dos think tanks internacionais. A floresta segue sendo vista como um “tema”, não como um lugar com sujeitos políticos. Essa visão distorcida contribui para políticas públicas mal desenhadas, para a continuidade de desigualdades históricas e para o silenciamento de formas alternativas de existência e resistência.
Mas há caminhos possíveis. O jornalismo amazônida precisa ser reconhecido, fortalecido e financiado. Isso inclui formar e contratar profissionais locais, descentralizar as redações, apoiar veículos independentes da região e criar políticas de fomento para mídias comunitárias. Também é essencial repensar os critérios editoriais da imprensa tradicional: o que é notícia? Quem é ouvido? Quem assina os textos? Qual linguagem traduz — ou trai — a realidade?
Mais do que incluir sotaques e paisagens na cobertura, é preciso abrir espaço para epistemologias plurais. Jornalismo anticolonial não é militância: é precisão. É ouvir quem vive o impacto das decisões sobre o território. É relatar com fidelidade o que está em jogo. É garantir que os povos da floresta não sejam apenas fontes — mas protagonistas.
A Amazônia não é um cenário exótico para ser explorado por olhares externos, mas um território vivo, habitado por povos com histórias, culturas e saberes próprios. Reconhecer e respeitar essa complexidade é um passo essencial para construir uma cobertura jornalística mais ética e comprometida com a verdade.
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O jornalista Elias Serejo estreia sua coluna Palavra Floresta, um espaço de análise, investigação e histórias bem contadas sobre o setor florestal, bioeconomia e justiça socioambiental. Tudo isso vindo direto do Belém do Pará, na Amazônia.
Com mais de 15 anos de atuação em organizações como Imaflora, IFT, ICMBio, Instituto Terroá e jornal Diário do Pará, Elias une a vivência na Amazônia ao rigor da apuração jornalística. Doutor em Ciências da Comunicação e especialista em sustentabilidade, ele traduz a complexidade dos territórios para o debate nacional – sem abrir mão da escuta, do contexto e da precisão.
A cada semana, a coluna traz reportagens, entrevistas e análises que conectam comunidades, políticas públicas e o mercado da floresta. Porque onde o jornalismo encontra a bioeconomia, a palavra vira floresta.
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