Entre aproximadamente 113 milhões e 100,5 milhões de anos atrás, em uma floresta tropical bastante úmida localizada onde hoje é o Equador, mosquitos, moscas, aranhas, vespas e besouros circulavam entre dinossauros e pequenos répteis. As árvores altas, finas e com longos galhos que existiam nesse ambiente pareciam um bom refúgio para esses insetos e aracnídeos, mas alguns acabaram em uma emboscada: as araucárias, muito parecidas com as que existem hoje, expeliam uma resina capaz de aprisionar os pequenos bichos para sempre.

“Essa resina é produzida para bloquear vírus, bactérias, fungos e outros patógenos que atacam as árvores e por isso tem propriedades que retardam a decomposição dos animais aprisionados”, conta o paleontólogo espanhol Xavier Delclòs, do Instituto de Pesquisa em Biodiversidade (IRBio) da Universidade de Barcelona, na Espanha, a Pesquisa FAPESP, por e-mail. Ele é um dos autores de um artigo publicado hoje (18/9) na revista Communications Earth & Environment, que descreve as espécies de artrópodes encontradas no âmbar. “Se a resina se polimerizar e for enterrada, ela pode se transformar em âmbar e preservar restos de organismos de milhões de anos atrás em três dimensões, como se ainda estivessem vivos”. Os achados descritos são os primeiros da América do Sul com inclusão de animais. As araucárias desse período eram exceção, visto que a vegetação mais comum no Cretáceo era de ambiente mais árido.
O nível de resistência da resina varia de árvore para árvore. “Não é porque a resina foi produzida que ela vai virar âmbar”, comenta o geoquímico Ricardo Pereira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que não participou do estudo. “Ela pode ser destruída por vários processos ao longo do tempo e sua resistência varia conforme a composição química, que difere de uma espécie para outra.” O curioso é que as araucárias, que produziram o âmbar no Equador, têm resina frágil. Pereira pesquisou âmbar do Brasil ao longo mestrado e doutorado.
Xavier Delclòs / Universidade de BarcelonaCamada de rocha com 70 centímetros de espessura e milhares de peças de âmbar na pedreira GenovevaXavier Delclòs / Universidade de Barcelona
Na pedreira Genoveva, província do Napo, onde os fósseis foram encontrados, o âmbar brilha entre as camadas escuras do sedimento ancestral. No passado, além da floresta, a região era cortada por rios que desaguavam em um lago. “Às vezes, o âmbar é escuro por conta da reação com componentes do petróleo na rocha onde ele fossiliza, mas isso não impediu a identificação das espécies”, diz Delclòs. Nos casos mais desafiadores, os cientistas usaram uma ferramenta potente, a luz síncrotron, para examinar melhor a anatomia dos insetos. “O petróleo é importante porque átomos de carbono e hidrogênio, os hidrocarbonetos, reagem com a resina da araucária e ajudam na sua preservação”, diz Pereira.
Ao todo, os pesquisadores identificaram 21 insetos. São mosquitos que se alimentam de sangue (Ceratopogonidae), insetos que vivem perto da água (Chironomidae e Trichoptera), vespas parasitoides (Scelionidae e Stigmaphronidae), percevejos da família Hemiptera, moscas-brancas (Aleyrodidae), moscas comuns (Ceratopogonidae, Chironomidae e Dolichopodidae) e um besouro da família Tetratomidae. Em um fragmento de âmbar bem claro, a equipe encontrou fragmentos de uma teia de aranha. “É uma quantidade muito grande de material”, comenta Pereira, que faz uma comparação: “Quando somo todo o âmbar dos depósitos que estudei, não chega a 100 gramas desse material. O que vemos no Equador é um verdadeiro depósito”.
Mónica Solórzano-Kraemer / Museu de História Natural SenckenbergAs amostras de âmbar têm grande variação de corMónica Solórzano-Kraemer / Museu de História Natural Senckenberg
É possível supor algumas interações com o ambiente a partir dos fósseis. “Os mosquitos provavelmente se alimentavam de vertebrados, como dinossauros. Já a teia de aranha pode indicar alguma relação de predação de animais voadores”, lista Delclòs. “Apesar disso, não encontramos nenhuma interação ecológica direta dentro do âmbar.”
O paleontólogo Marcelo Carvalho, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ) ajudou a equipe a identificar amostras de pólen e esporos entre os sedimentos da pedreira. Para isso, submeteu o material a um processo químico com ácidos, que removeu os componentes inorgânicos e conservou os pólens.
Enrique Peñalver / Instituto Geológico e de Mineração da EspanhaUm pedaço de teia de aranha aparece como fios capturados pela resinaEnrique Peñalver / Instituto Geológico e de Mineração da Espanha
“Os pólens e esporos foram importantes para datar o material”, conta Carvalho, que explica que o âmbar não pode desempenhar essa função porque não tem nenhum componente datável. No caso das plantas, os paleontólogos sabem, com base em outras pesquisas, que determinadas espécies só viveram em um período específico. “Quando identificamos uma dessas espécies em uma camada sedimentar, sabemos que aquele sítio está dentro de determinado intervalo temporal”, acrescenta Carvalho.
Ao todo, a análise revelou 68 tipos de pólen, divididos entre representantes de gimnospermas – como os pinheiros, que não produzem flores nem frutos –, de angiospermas, que têm flores, e de vegetais vasculares sem sementes, as pteridófitas. “Essa análise ajudou a confirmar que o ambiente era bastante úmido”, conta Carvalho. “As samambaias, por exemplo, abundantes na região, precisam de muita umidade para reprodução.” Isso chama a atenção porque o Cretáceo, entre cerca de 145 milhões e 66 milhões de anos atrás, foi um dos períodos mais quentes da história da Terra, marcado por condições áridas. “Já sabíamos que o Cretáceo tinha tido algumas fases úmidas, mas identificá-las precisamente no tempo e espaço é importante”, diz o pesquisador do Museu Nacional.
Outro ponto relevante foi a expressiva presença das angiospermas, que corresponderam a 37% dos exemplares. “Essas plantas já haviam surgido anteriormente, mas foi no Cretáceo que passaram por grande radiação e ampla dispersão, impulsionadas inclusive pela interação com animais, como os insetos polinizadores”, comenta Carvalho. “É como se estivéssemos olhando para os indícios do que mais tarde seria o que chamamos hoje de floresta amazônica.”
Artigo científico
DELCLÒS, X. et al. Cretaceous amber of Ecuador unveils new insights into South America’s Gondwanan forests. Communications Earth & Environment. v. 6, n. 745. 18 set. 2025.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
Descubra mais sobre Florestal Brasil
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.