O Brasil enfrenta a pior crise hídrica desde 1950. O mapa de seca abrange praticamente todas as regiões, sendo particularmente crítico nos estados que abrigam a Floresta Amazônica, como Acre, partes do Amazonas e o norte de Mato Grosso. A expectativa é de agravamento do cenário no semiárido do Nordeste nos próximos meses.
Pesquisadores que há décadas estudam os fenômenos de seca ainda não conseguem esclarecer completamente o que está acontecendo no Brasil. Estão investigando se o aquecimento anômalo dos oceanos, o desmatamento e a estiagem prolongada estão interligados.
“Está difícil encontrar uma explicação científica clara para o que estamos vendo. Em algumas regiões, já faz mais de 12 meses que as chuvas estão abaixo da média”, afirma Luz Adriana Cuartas, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
O panorama não é otimista. A maior parte do país enfrentará temperaturas acima da média e pouca chuva, exceto a região Sul, que sofreu com enchentes históricas em abril e pode registrar mais chuvas, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
“Atualmente, o setor mais impactado é o agrícola, seguido pelo abastecimento de água, geração de energia e navegação”, comenta Cuartas, integrante do Sistema de Informação sobre Secas para o Sul da América do Sul (Sissa).
Abastecimento de Água e Geração de Energia
A escassez de água já levou algumas cidades do interior paulista a adotarem rodízios no abastecimento. Em Minas Gerais, diversos municípios também enfrentam medidas similares. No entanto, as informações sobre essas ações são limitadas devido ao período eleitoral e à atuação de autarquias municipais.
A seca também afeta diretamente o custo da energia elétrica. No Brasil, as hidrelétricas são a principal fonte de eletricidade, e a redução dos níveis dos reservatórios faz com que o custo de geração aumente. Como consequência, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ativou a bandeira vermelha tarifária, resultando em um acréscimo de R$ 4,46 a cada 100 kWh consumidos a partir de setembro. A demanda por energia tende a subir com o aumento das temperaturas, o que é um desafio para o consumo consciente.
De acordo com o Operador Nacional do Sistema (ONS), os níveis dos reservatórios devem ficar 50% abaixo da média histórica em setembro. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, que abrigam 70% dos principais reservatórios de geração de energia, a previsão é de 49% abaixo da média histórica, o valor mais baixo registrado em 94 anos.
“A falta de chuvas prolongada é uma tragédia”, afirma Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ. O aumento no custo da energia se deve à ativação de usinas termelétricas, que são mais caras e poluentes. No entanto, Castro ressalta que “não há risco de apagão”, já que a participação das hidrelétricas na matriz energética está diminuindo com o crescimento da geração de energia eólica e solar.
Atualmente, as hidrelétricas respondem por cerca de 48% da eletricidade gerada no Brasil, seguidas por pequenas centrais de geração renovável (14,4%) e usinas eólicas (14,1%).
Impacto na Saúde
A combinação de seca, queimadas e temperaturas elevadas é considerada dramática pelo setor de saúde pública. Esses fenômenos geram um efeito cascata no corpo humano, aumentando os riscos de diversas doenças e agravando problemas preexistentes.
“O que estamos vivenciando é alarmante em todos os aspectos. Este ano é atípico pela intensidade, extensão e duração da seca, e isso não pode ser tratado como algo normal. Alguns grupos estão propondo declarar uma emergência de saúde pública em conjunto com a emergência climática”, afirma Carlos Machado, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde, da Fiocruz.
Os efeitos da seca, queimadas e ondas de calor variam de acordo com a região. Na Amazônia, por exemplo, o desaparecimento dos rios gera problemas relacionados ao consumo de água imprópria, afetando a saúde da população local.
Carlos Machado ressalta que a situação agrava o isolamento em muitas áreas. “Em alguns lugares, isso se soma ao impacto das queimadas, que intensificam os problemas respiratórios”, afirma, destacando que esse cenário é especialmente perigoso para pessoas com doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
Christovam Barcellos, pesquisador da Fiocruz no Laboratório de Informação em Saúde, está monitorando a situação junto ao governo federal. Ele aponta que a seca tem dificultado o deslocamento de equipes de saúde para atender comunidades ribeirinhas e indígenas. “Há outros efeitos que nem sempre são tão evidentes. Temos observado um aumento de surtos de malária em algumas áreas do Amazonas”, relata Barcellos à DW.
Com a seca, é esperado um aumento no número de internações e atendimentos por problemas respiratórios no Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, o monitoramento em tempo real é desafiador, pois os dados só são disponibilizados para análise após serem inseridos por cada unidade de saúde.
Efeito na comida
Na agricultura familiar, o risco de impacto será maior no interior amazônico e no semiárido. A seca extrema no norte do Mato Grosso, Acre e Amazonas trará mais perdas para os pequenos produtores das cidades desse último estado, pois eles estão entre os mais vulneráveis do país.
“Nessa vulnerabilidade a gente considera a capacidade de enfrentamento à seca. Os que têm menos acesso à tecnologia, assistência técnica e renda mais baixa têm menos resiliência”, explica Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden.
Segundo a avaliação do Cemaden, o risco de seca na agricultura familiar é avaliado considerando o cultivo de feijão e milho não irrigados por serem as principais culturas. São cultivos de subsistência, só o excesso é vendido nos comércios locais.
“Não é só perda de produção. É perda de condição de vida, compromete todo um sistema de agricultura famliar”, comenta Cunha. “A pecuária também deve sofrer um pouco, já que as pastagens estão com baixa qualidade devido à falta de chuva e altas temperaturas”, complementa.
O último levantamento da safra de grãos 2023/2024 apontou uma produção de 298,41 milhões de toneladas, uma queda de 21,4 milhões de toneladas em comparação ao ciclo anterior. Segundo o relatório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o clima é o principal responsável por essa redução. A falta de chuvas em algumas regiões e o excesso em outras, como no Rio Grande do Sul, afetaram negativamente a produção, especialmente a soja.
Luz Adriana Cuartas, pesquisadora do Cemaden, sugere que esse cenário climático deve levar a uma reflexão mais profunda por parte da sociedade. “Acho importante nos perguntarmos o que estamos fazendo com o planeta. Será que a sociedade e os setores econômicos não estão percebendo a conexão entre o modo como tratamos o planeta — queimando, desmatando — e o impacto direto disso na natureza e nas nossas vidas?”, questiona Cuartas.
Fonte:DW
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