Imagens inéditas revelam estratégias de sobrevivência dos Indígenas isolados na Terra Indígena Massaco

Imagens inéditas registradas na Terra Indígena Massaco, em Rondônia, evidenciam a presença de indígenas isolados e intensificam os apelos por uma fiscalização mais rigorosa para proteger esses territórios frágeis.

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) divulgou recentemente imagens inéditas de um grupo de nove homens de um grupo de indígenas isolados na Terra Indígena Massaco, em Rondônia. Imagem cortesia da Funai.

Divulgadas no início de fevereiro de 2024 pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), as imagens mostram um grupo de nove homens, com idades variando entre 20 e 40 anos. Uma câmera instalada em uma das trilhas da TI Massaco capturou o grupo enquanto recolhia facões e machados que haviam sido deixados por uma expedição de 2021, conforme informou a agência. Ao revisar os registros, os agentes identificaram a presença de armadilhas com estrepes posicionadas pelo grupo no trajeto, antes de se retirarem, fato que não os surpreendeu, segundo a Funai.

De acordo com Altair Algayer, sertanista da Funai com 30 anos de experiência no monitoramento de povos indígenas em isolamento voluntário, “foi possível notar que a aproximação foi planejada e organizada por um grupo de homens, em sua maioria jovens, munidos de inúmeros estrepes estrategicamente posicionados nos pontos de acesso e na trilha de entrada e saída, caso fossem seguidos.”

Durante o período de janeiro a abril de 2024, a equipe da Funai registrou vestígios e atividades desses grupos no território de Massaco. Além das armadilhas encontradas nas trilhas e estradas que margeiam a área, foram observados abrigos temporários, pontos de coleta de mel, locais de caça e outras evidências de suas rotinas, conforme detalhou Algayer, que liderou a expedição.

Uma câmera instalada em uma das trilhas da Terra Indígena Massaco capturou imagens inéditas de um grupo de nove homens de um grupo de indígenas isolados recolhendo facões e machados deixados por agentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Imagem cortesia da Funai.

Mesmo com a baixa qualidade das imagens causada pelas condições climáticas, os registros são considerados essenciais para documentar aspectos físicos, comportamentais e outros detalhes desse grupo. A permanência intacta do equipamento fotográfico, mesmo estando exposto, indica que os indígenas não se aproximaram por mera curiosidade.

“A divulgação dessas imagens tem o intuito de reafirmar a presença desses povos nos territórios e de evidenciar a necessidade de proteção contra ameaças que colocam sua sobrevivência em risco”, destacou a Funai em seu comunicado.

Monitoramento e desafios no território

A Terra Indígena Massaco, que se estende por 421.895 hectares e foi completamente demarcada em 1998, é destinada exclusivamente a um grupo de indígenas de etnia ainda não identificada que vivem em isolamento voluntário. Segundo a Funai, 97,5% dessa área coincide com a Reserva Biológica do Guaporé.

Redes e maricos de um grupo de indígenas isolados na Terra Indígena Massaco, em Rondônia. Imagem cortesia da Funai.
Flechas de um grupo de indígenas isolados na Terra Indígena Massaco, em Rondônia. Imagem cortesia da Funai.
Artefatos e objetos de coleta de um grupo de indígenas isolados na Terra Indígena Massaco, em Rondônia. Imagem cortesia da Funai.
Armadilhas com estrepes deixadas por um grupo de indígenas isolados na Terra Indígena Massaco, em Rondônia. Imagem cortesia da Funai.
Redes e maricos de um grupo de indígenas isolados na Terra Indígena Massaco, em Rondônia. Imagem cortesia da Funai.
Tapiris (cabanas) abandonados, indicando a migração de indígenas isolados para partes mais isoladas da Terra Indígena Massaco, em Rondônia. Imagem cortesia da Funai.
Tapiris (cabanas) abandonados, indicando a migração de indígenas isolados para partes mais isoladas da Terra Indígena Massaco, em Rondônia. Imagem cortesia da Funai.

Nas expedições realizadas em 2024, a Funai observou uma aproximação cada vez maior dos indígenas às bordas do território, o que pode indicar a necessidade de ampliar sua área de ocupação para a busca de recursos e devido ao crescimento populacional, aumentando o risco de contato, direto ou indireto, com não-indígenas. “Outro ponto que causa preocupação é a mudança climática, que altera de forma significativa o ciclo dos recursos naturais dos quais esses povos dependem para sobreviver. Proteger integralmente os recursos desse território é essencial para sua subsistência”, afirmou Algayer.

Há mais de 35 anos, a Funai vem monitorando os povos isolados na TI Massaco, realizando expedições anuais que possibilitam a coleta de dados sobre seus hábitos, modo de vida, deslocamento no território e capacidade de caça e coleta. Esses dados reforçam a importância de manter uma vigilância constante para evitar invasões e garantir a integridade cultural e física desses grupos, sempre respeitando a política de não contato.

Pressões externas e ameaças à integridade territorial

Em atividades de julho de 2024, a Funai confirmou a presença de indígenas isolados na TI Kawahiva do Rio Pardo, em Mato Grosso. Os agentes encontraram evidências como pegadas, vestígios de coleta de mel, utensílios (como uma cumbuca confeccionada com a folha da árvore paxiúba) e sinais que indicam a presença de crianças e formação de novas famílias. Também foram observadas estruturas abandonadas, como tapiris, sugerindo que os indígenas podem estar se deslocando para áreas mais remotas do território.

Agentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) encontraram tapiris (cabanas) abandonados na Terra Indígena Massaco, o que indica o deslocamento de indígenas isolados para partes mais remotas do território. Imagem cortesia da Funai.

Jair Candor, líder da expedição, ressaltou que as atividades de monitoramento visam compreender as condições de vida do grupo sem forçar o contato, permitindo a formulação de políticas públicas de proteção mais eficientes. Ele destacou, ainda, a forte pressão exercida por grileiros e madeireiros ilegais, fatores que já levaram os indígenas a recorrerem a ferramentas deixadas na floresta, como machados e facões. “À medida que essas ferramentas se desgastam, há o risco de eles buscarem novos instrumentos nas fazendas vizinhas, o que os expõe a riscos de violência e doenças oriundas do contato com não-indígenas”, alertou Candor.

Enquanto na TI Massaco a demarcação já foi concluída, a TI Kawahiva do Rio Pardo, com 411.844 hectares, ainda enfrenta desafios para sua delimitação oficial, apesar das fronteiras terem sido traçadas em 2016. “Sinais de invasão e forte pressão no entorno demonstram que a demarcação física da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo é urgente”, afirmou Candor.

Em uma expedição recente, a Funai encontrou um acampamento ilegal na TI, possivelmente de garimpeiros ou copaibeiros, reforçando a suspeita de que os indígenas se deslocaram para outra área do território. Para evitar que os indígenas busquem essas ferramentas nas fazendas e, consequentemente, entrem em contato com invasores, os agentes posicionaram equipamentos e câmeras acionadas por movimento.

Em uma expedição na Terra Indígena Massaco, funcionários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) encontraram armadilhas com estrepes deixadas por um grupo de indígenas isolados. Imagem cortesia da Funai.

Reações e perspectivas para o futuro

Diversos grupos de defesa dos direitos indígenas expressaram preocupação com a situação dos isolados, especialmente na TI Kawahiva do Rio Pardo. A ONG Survival International, que há décadas luta pela demarcação desse território, alertou para os riscos enfrentados pelos Kawahiva, destacando que a região, localizada em Colniza (MT), é marcada por violência e pela extração ilegal de madeira, principal fonte de renda da localidade. Fiona Watson, diretora de pesquisa e defesa da Survival International, enfatizou a urgência de medidas protetivas, considerando os inúmeros episódios de violência e doenças que já vitimaram esses povos.

Em outubro de 2024, o Supremo Tribunal Federal determinou que a Funai conclua o processo de demarcação da TI Kawahiva do Rio Pardo dentro de um prazo estabelecido e apresente um cronograma para a implementação de medidas de vigilância e proteção, visando assegurar a integridade das terras e evitar novas invasões. “A Funai se comprometeu a finalizar a demarcação até o final deste ano, sendo responsável por isso, especialmente diante da crescente pressão sobre os Kawahiva”, afirmou Watson, ressaltando o sucesso do modelo adotado na TI Massaco, que permaneceu, em sua maioria, intacta apesar de algumas invasões pontuais.

Para Guenter Francisco Loebens, da equipe de povos isolados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o trabalho de identificação e monitoramento realizado pela Funai é essencial para conscientizar a sociedade e pressionar o governo a adotar medidas de proteção para esses grupos vulneráveis. “Informações precisas sobre a existência desses povos ajudam a combater estratégias de invisibilização, usadas por interesses econômicos que, por vezes, chegam a eliminar os vestígios de sua presença para se apropriarem de suas terras”, alerta Loebens.

A Terra Indígena (TI) Massaco se estende por 421.895 hectares e foi totalmente demarcada em 1998, destinada à ocupação exclusiva de povos indígenas de etnia ainda desconhecida que vivem em isolamento voluntário. Imagem cortesia da Funai.

Segundo ele, mais de 80 grupos indígenas isolados foram registrados e permanecem sem reconhecimento oficial, o que agrava a vulnerabilidade desses povos diante de um cenário de intensas pressões externas, como as observadas nos estados de Mato Grosso e Rondônia, onde comunidades inteiras já desapareceram ou foram massacradas.

A continuidade e o aprimoramento do monitoramento e das ações de proteção se mostram fundamentais para garantir a sobrevivência e a integridade cultural desses povos que, mesmo vivendo em isolamento voluntário, enfrentam ameaças crescentes em seus territórios ancestrais.

Fonte: Mongabay.


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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