No início do mês passado, no primeiro dia da temporada de caça com arco em uma área pantanosa de terras estaduais, uma equipe de pesquisadores vestiu coletes laranja por cima das roupas impermeáveis para não serem confundidos com cervos. “Também estamos caçando”, disse Spencer Rhea, ecólogo da Universidade Duke. “Caçando árvores.”

Rhea e seus colegas estavam ali para investigar as chamadas “florestas fantasmas” — áreas de árvores mortas e esbranquiçadas, afogadas por inundações ou envenenadas pela água salgada que avança para o interior. Eles foram guiados por um novo mapa dessas florestas, criado com ajuda de inteligência artificial (IA), que identificou árvores mortas individuais ao longo da costa leste dos Estados Unidos. Publicado como pré-print em maio, o mapa contou milhões de árvores mortas em 36.000 km² de florestas costeiras, muitas em locais onde nunca haviam sido documentadas antes.
Segundo Matt Kirwan, do Instituto de Ciências Marinhas da Virgínia, que não participou do estudo, o método “faz um trabalho excepcional ao quantificar quantas florestas costeiras já morreram”. “Não é algo que vai acontecer no futuro. Está acontecendo agora”, afirmou, referindo-se ao aumento do nível do mar causado pelas mudanças climáticas, que provoca mais inundações e empurra a água salgada para o interior.
O mapa aéreo, porém, não revelava exatamente o que matou cada grupo de árvores. Para isso, a equipe encarou lama e mosquitos na baixa Península de Albemarle-Pamlico. “É uma investigação forense da morte das árvores”, explicou Emily Bernhardt, ecóloga de Duke e líder do projeto financiado pela NASA, chamado THE LORACS (Tree Health Evaluated using LiDAR, Optical, and Radar Applications across Coastal Systems). As respostas podem ajudar a identificar outras florestas em risco de se tornarem “fantasmas”, um processo que reduz a biodiversidade e libera carbono armazenado nas árvores.
O mapa é, em grande parte, fruto do trabalho de Henry Yeung, doutorando da Universidade da Virgínia. Ele passou centenas de horas identificando manualmente mais de 50.000 árvores mortas em imagens aéreas da costa entre a Carolina do Sul e o Maine. Essas árvores serviram para treinar um algoritmo de deep learning a reconhecer a cor pálida e as sombras características dos galhos nus.
Ao analisar sozinho as imagens, o algoritmo contou quase 12 milhões de árvores mortas próximas à costa e em áreas mais internas ao longo de estuários. Yeung acredita que esse número é subestimado, já que o método pode falhar em detectar árvores caídas, escondidas pelo dossel ou muito finas.

Nem todas morreram por causa da água; algumas sucumbiram a insetos ou doenças. Mas mais de 6 milhões estavam em áreas baixas e costeiras, indicando vulnerabilidade à inundação. Fatores como elevação e salinidade da água próxima foram fortes indicadores de onde árvores mortas apareceriam.
Mesmo em áreas propensas a inundações, havia significativamente menos árvores mortas perto de estradas e diques, provavelmente porque essas infraestruturas reduzem os alagamentos. O método também identificou pontos críticos, como a própria Península Albemarle-Pamlico, onde os pesquisadores foram em setembro para validar os dados e coletar amostras de água e solo.
Com o mapa em mãos, Yeung e colegas enfrentaram lama fétida e arbustos espinhosos para alcançar diversos grupos de árvores mortas. “Aí está sua floresta fantasma, Henry”, disse a ecóloga Jessee Steele após uma caminhada difícil até ciprestes, pinheiros e carvalhos mortos. O solo encharcado exalava cheiro de ovo podre — sinal de sulfetos trazidos pela água do mar. No laboratório, eles mediriam o teor de sal para confirmar se o sal foi o responsável.
Às vezes, a causa era óbvia: água parada até os joelhos e dezenas de troncos brancos indicavam claramente inundação. Em outros locais, o solo superficial estava seco, mas a poucos centímetros havia sinais de inundações recentes — indício de sal depositado, seja pela elevação do nível do mar ou por microtopografia que acumula água.
A equipe pretende usar os dados coletados e sensoriamento remoto para entender melhor como essas florestas se formam e podem se expandir no futuro. Segundo Xi Yang, líder do projeto, a IA poderá futuramente mapear florestas fantasmas no mundo inteiro e estimar quanto carbono será liberado conforme elas se decompõem. “Se você está perdendo florestas de maneira semelhante à costa leste dos EUA, isso representa uma grande quantidade de carbono armazenado”, afirma.
Yeung espera que os novos mapas tragam atenção para o problema das árvores costeiras. “Comparado com o desmatamento tropical ou os incêndios, esse é um problema muito negligenciado”, diz ele. “Quando se fala em perda florestal, raramente se fala das áreas costeiras.”
Fonte: AI reveals vast ‘ghost forests’ along U.S. coast | Science
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