Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP) desenvolveram uma tecnologia inédita no Brasil para detectar espécies exóticas invasoras em áreas naturais, utilizando inteligência artificial e imagens aéreas de alta resolução.

O estudo, publicado na revista científica Journal for Nature Conservation (Elsevier, 2026), apresenta um método baseado em deep learning, capaz de identificar automaticamente indivíduos de Pinus elliottii, espécie invasora amplamente disseminada no Brasil e uma das maiores ameaças à biodiversidade do Cerrado e da Mata Atlântica.
A ameaça invisível das invasões biológicas
Desde o século passado, espécies de Pinus foram introduzidas no país para uso em reflorestamentos e produção de madeira. Porém, muitas delas escaparam dos plantios e passaram a colonizar campos nativos, áreas úmidas e restingas, formando “florestas invasoras” que dificultam a regeneração da vegetação local e alteram o solo e a fauna.
Hoje, o Pinus spp. é considerado pelo IBAMA uma das espécies com maior potencial invasivo do Brasil, ameaçando diversos biomas e unidades de conservação. “Depois que o pinus se estabelece, o controle é caro, demorado e pouco eficaz. A prevenção e o diagnóstico precoce são as ferramentas mais inteligentes para lidar com o problema”, explicam os autores.
Como a IA foi usada para “enxergar” o invasor
A equipe utilizou drones equipados com sensores RGB de alta resolução, capturando imagens com precisão de 1,5 centímetro por pixel sobre uma área úmida de 92 hectares no campus Lagoa do Sino da UFSCar, em Buri (SP).

Essas imagens foram processadas em softwares como Agisoft Metashape e ArcGIS Pro, e analisadas por um modelo de inteligência artificial do tipo Mask R-CNN (Mask Region-based Convolutional Neural Network) — um dos algoritmos mais avançados para reconhecimento e segmentação de objetos em imagens.

Após o treinamento com quase 6 mil amostras de árvores identificadas manualmente, o modelo foi capaz de reconhecer e delinear automaticamente as copas do Pinus elliottii, mesmo em áreas com vegetação densa.

Precisão científica: resultados promissores
Os resultados foram animadores:
- Precisão média (mAP): 78%
- Taxa de sobreposição (IoU): 81%
- Cobertura de área invadida: 9,88 hectares (10,6% da área total)
- Baixa taxa de falsos positivos: apenas 14 ocorrências
Isso significa que a IA conseguiu mapear automaticamente as áreas dominadas por pinus com alta fidelidade, oferecendo aos gestores ambientais uma ferramenta eficiente, barata e replicável.
“O método pode ser aplicado para qualquer espécie invasora, desde que o modelo seja treinado com imagens de alta resolução”, explica Giovanna de Andrade Ferreira, autora principal do estudo. “É uma forma de reduzir custos, tempo e riscos em trabalhos de campo e apoiar ações de conservação mais inteligentes e rápidas.”
Um problema que vai além da tecnologia
Segundo os autores, as invasões biológicas representam a segunda maior causa de perda de biodiversidade no planeta, ficando atrás apenas da destruição de habitats. Entre 1970 e 2017, os custos globais com controle e manejo de espécies invasoras ultrapassaram 1,28 trilhão de dólares, segundo a Nature.
No Brasil, mesmo com a existência de planos de manejo e unidades de conservação, a maioria ainda não possui protocolos eficazes para diagnóstico rápido de invasões — o que o novo método pretende mudar.
O sistema de IA pode se tornar uma ferramenta essencial para programas de Detecção Precoce e Resposta Rápida (EDRR), atualmente recomendados pelo ICMBio e pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
Conservação inteligente e futuro sustentável
Além de acelerar o diagnóstico e reduzir custos, o método pode contribuir diretamente para o cumprimento de metas globais de restauração ecológica e conservação da biodiversidade, como o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 15) da ONU e os acordos da Convenção Internacional de Proteção Fitossanitária (IPPC).
“Estamos entrando em uma nova era da conservação, onde o monitoramento da natureza pode ser potencializado pela inteligência artificial”, afirma o professor Paulo Guilherme Molin, coautor do estudo. “Isso significa que poderemos reagir antes que o problema cresça — e talvez evitar novas tragédias ecológicas.”
Referência
Ferreira, G. A., Viveiros, J. M. S. M., Santoro, G. B., Amaral, V. C., Ferreira, M. P., Brancalion, P. H. S., & Molin, P. G. (2026).
Solution for diagnostics of biological invasion in terrestrial ecosystems: how can deep learning help biodiversity conservation?
Journal for Nature Conservation, 89, 127066.
DOI: 10.1016/j.jnc.2025.127066
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