Guia ilustrado de Serpentes da Amazônia é lançado no Instituto Butantan

Se for andar pela floresta amazônica, a cautela manda usar botas, perneiras por cima das calças e não pôr a mão em nenhum lugar sem antes olhar se é seguro. O cuidado se justifica, já que um acidente com animal peçonhento – sobretudo serpentes – pode significar uma operação complexa de socorro, se for um local distante de atendimento médico.

caninana (Spilotes sulphureus)
A caninana (Spilotes sulphureus) é diurna, não tem dentes injetores de veneno e vive no chão e nas árvores. Laurie Vitt / Sam Noble Museum.

A Amazônia abriga a maior diversidade de serpentes do Brasil, mas chega com alguma surpresa a informação de que a maior parte das espécies não oferece risco a seres humanos. É apenas um entre os fatos apresentados no guia ilustrado Serpentes da Amazônia (Ponto A, 2023), recém-lançado por um quarteto de pesquisadores entendidos nesse grupo animal: Otavio Marques, do Instituto Butantan, André Eterovic, da Universidade Federal do ABC (UFABC), Marcio Martins, da Universidade de São Paulo (USP) e Ivan Sazima, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Marcio Martins tem grande experiência na Amazônia, onde trabalhou na reserva Ducke, na região de Manaus”, conta Marques, ressaltando que o colega também é excelente fotógrafo – atributo essencial para a confecção de um guia visual. “Sazima também tem muitas imagens de serpentes de uma diversidade de lugares”, completa.

Mesmo assim, depois da revisão bibliográfica que definiu as espécies conhecidas, que deveriam compor o livro, foi necessário sair em busca de registros fotográficos das mais discretas e das habitantes de outros estados amazônicos. Por falta de imagem, 16 delas precisaram ficar de fora.

azulão-boia (Leptophis ahaetulla)
A azulão-boia (Leptophis ahaetulla) mostra a boca escura. Otavio Marques / Butantan.

Depois de informações gerais sobre a Amazônia e sobre serpentes, o guia traz, em cada página, a fotografia com nome científico e popular, a família e ícones que revelam detalhes ecológicos e biológicos. As mais perigosas com relação ao potencial de acidentes são marcadas com uma caveira e ossos cruzados em cor vermelha, para não deixar dúvidas. Ao fim, há mapas de distribuição para as 160 espécies incluídas – cerca de 98% do total conhecido para o bioma.

Marques explica que muitas das espécies só existem na Amazônia, mas têm uma distribuição ampla nessa floresta – o que faz o risco de extinção não ser um problema recorrente, como é o caso na Mata Atlântica, onde a ocorrência muitas vezes é restrita a locais que podem facilmente ser destruídos. Mesmo assim, há um caso marcante: a coral-falsa Anilius scytale, única espécie da família Aniilidae, só existe nessa região (embora em todos os estados amazônicos). “Se ela desaparecesse, toda uma família deixaria de existir”, reflete o herpetólogo. Além dessa singularidade taxonômica, o animal, com bandas pretas e vermelhas alternadas, ainda detém o trunfo de ser o mais parecido com o ancestral de todas as serpentes. Nos ícones que acompanham seu retrato, aprendemos que ela é noturna, a probabilidade de avistá-la é média, assim como seu tamanho; não tem dente injetor de veneno; dá à luz filhotes sem o invólucro de ovos; vive na água e debaixo do folhiço ou na terra; se alimenta de serpentes; e, quando ameaçada, faz movimentos erráticos, esconde a cabeça, enrola a cauda e libera fezes e outras substâncias repulsivas pela cloaca.

Benefícios dos mamíferos brasileiros através dos serviços ecossistêmicos

Conseguir as informações para os ícones não é sempre tarefa fácil, mesmo com extensa busca em artigos científicos. “Contamos com a experiência dos autores e com relatos de outras pessoas”, conta Marques. Eles incluem, por isso, informações novas, que não estão publicadas em outros lugares.

periquitamboia (Corallus caninus)
Uma jovem periquitamboia (Corallus caninus) descansa na árvore. Ivan Sazima / Unicamp.

O pesquisador, que já é coautor de guias semelhantes para a Mata Atlântica, o Pantanal, o Cerrado e a Caatinga, afirma que o volume mais recente já sai desatualizado por espécies descritas depois de concluído o guia. O da Mata Atlântica, aliás, foi publicado em 2001 e mais recentemente, em 2019, ganhou edição atualizada e ampliada. Fica faltando cobrir as serpentes dos campos sulinos, menos diversas.

Os guias podem ser usados por qualquer pessoa interessada em reconhecer serpentes e aprender mais sobre elas. O físico Ricardo Galvão, da USP e atualmente presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), conta no prefácio ao guia amazônico como aprendeu com o avô, aos 7 anos, a importância ecológica das serpentes e também a necessidade de enviá-las vivas ao Instituto Butantan para produção de soro antiofídico. Por isso, em seu sítio no interior paulista ele mantém uma caixa e um laço de captura especializado, para esse efeito. Tem também, junto à mesa de trabalho, o guia Serpentes da Mata Atlântica. “[…] sempre que tenho oportunidade, mostro ao trabalhador que está prestando serviço as fotos e explicações sobre as serpentes de maior ocorrência na área, procurando incentivá-lo a capturá-las ao invés de matá-las”, escreve, confessando sucesso relativo.

O livro será lançado no Butantan em 7/12, a partir das 18h, em uma programação que envolve apresentação por Marcio Martins, sessão de autógrafos, coquetel, tour pelo acervo e serpentário, com possibilidade de tocar em uma cobra em carne e osso.

coral-falsa (Anilius scytale)
A coral-falsa (Anilius scytale) é a mais parecida com o ancestral de todas as serpentesIvan Sazima / Unicamp

Projetos
1.
Serpentes da Amazônia: Guia ilustrado (nº 23/06733-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações Científicas – Livros no Brasil; Pesquisador responsável Otavio Augusto Vuolo Marques (Instituto Butantan); Investimento R$ 35.900,00.
2. Desafios para a conservação de anfíbios e répteis escamados, com ênfase na fauna brasileira: De informações básicas às ações de conservação (nº 20/12658-4); Modalidade Projeto Temático Programa Biota; Pesquisador responsável Marcio Roberto Costa Martins (USP); Investimento R$ 1.753.183,58.

Livro
MARQUES, O. A. V. et al. Serpentes da Amazônia – Guia ilustrado. Ponto A. 2023.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.


Descubra mais sobre Florestal Brasil

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

View all posts by Arthur Brasil →

Comenta ai o que você achou disso...