Mãos calejadas e rostos marcados pelo sol são as características mais visíveis entre os cerca de 10 mil agricultores familiares que marcharam pela Esplanada dos Ministérios no dia 21 de Maio, em Brasília, para participar do 24º Grito da Terra Brasil.
Do alto de um caminhão de som, uma lista de demandas era apresentada a cada parada em frente a um ministério responsável por políticas públicas voltadas para o meio rural, especialmente para pequenos e médios produtores que dependem das pequenas porções de terra para seu sustento ou subsistência.
Organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) e pela Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), o 24º Grito da Terra Brasil teve como lema “agricultura familiar é alimento saudável e conservação ambiental”, reiterado constantemente por suas lideranças.
“Nossa pauta é centrada em várias questões relacionadas à produção e à reprodução da vida. Em relação à produção, apresentamos em abril ao governo propostas voltadas a políticas sociais e alimentares, sempre com referência à sustentabilidade e a uma produção alimentar saudável para a população”, resumiu Vânia Marques, secretária de Políticas Agrícolas da Contag e coordenadora do 24º Grito da Terra Brasil.
A agrofloresta mudou a vida de uma famíla na Caatinga | Florestal Brasil
Além de reivindicar estímulos governamentais para a produção de sistemas resilientes às mudanças climáticas, os agricultores familiares também defendem a inclusão produtiva das cerca de 1,7 milhão de famílias que atualmente produzem apenas para consumo próprio, sem comercializar seus excedentes.
“Já existem, no Brasil, 5 milhões de famílias que conseguem produzir e comercializar. Imagine o quanto agregaremos à economia ao aumentarmos esse número em cerca de 30%”, afirmou Vânia Marques à Agência Brasil.
Agricultura familiar x Agronegócio
Segundo o presidente da CTB, Adílson Araújo, a agricultura familiar responde por 3,9 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil e ocupa 23% das áreas cultivadas do país. Além disso, representa 23% do valor bruto da produção agropecuária e 67% das ocupações no campo.
“No entanto, enquanto o governo destina R$ 364 bilhões para o agronegócio, apenas R$ 77,7 bilhões são destinados à agricultura familiar, que é responsável por 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. É necessário rever isso, pois grande parte do agronegócio produz apenas para exportação, enquanto os pequenos produtores alimentam a população brasileira”, argumentou Araújo.
As diferenças entre o agronegócio e a agricultura familiar são notáveis. “O pequeno agricultor ara e semeia a terra em seu próprio habitat, com mãos calejadas pelo uso de seus instrumentos e um olhar solidário. Por isso, nosso lema é a sustentabilidade associada à solidariedade”, afirmou Araújo.
“Já o agronegócio trabalha focado apenas no grande mercado, sem preocupações com a sustentabilidade. O resultado são tragédias ambientais, como a ocorrida no Rio Grande do Sul. Eles são, na verdade, grandes empresários que exploram a terra com o objetivo de maximizar lucros por meio de produções mecanizadas. Por isso, sequer têm as mãos calejadas e geram cada vez menos empregos para aumentarem seus lucros”, acrescentou.
Regularização de posses
Os calos nas mãos do agricultor familiar Valdinei Grigório de Lima, 62, foram adquiridos ao longo de anos cultivando mandioca e milho. Em um pequeno pedaço de terra em Vila Bela, Mato Grosso, ele também produz leite e capim para o gado. Além disso, cria peixes de tanque, porcos e galinhas, o que ajuda a garantir seu sustento e a gerar um rendimento extra com a venda dos excedentes.
O que mais o motivou a enfrentar 24 horas de ônibus para participar do Grito da Terra foi a defesa da reforma agrária. “Nós queremos regularizar nossas posses”, afirmou, relatando a situação agrária em sua região.
“Vila Bela é uma localidade histórica, datando do período da escravidão, com muitos quilombolas que fazem parcerias com os agricultores familiares. Trabalhamos todos juntos, comercializando produtos em um clima de muita solidariedade. Minha posse, inclusive, está localizada em um terreno quilombola”, explicou.
“No entanto, enfrentamos muitos problemas com fazendeiros do agronegócio na região. Como são muito ricos, compram grandes áreas de terra, cercando as propriedades dos pequenos agricultores. Eles dificultam o escoamento de nossos produtos e cometem muitas injustiças. Já despejaram famílias para tomar suas terras, apresentando títulos de propriedade falsos para áreas que pertencem à União ou a comunidades quilombolas. A Justiça nos aconselha a não desistir, mas nunca aparece para nos ajudar. Sempre foi assim”, denunciou.
Merenda escolar
Os pés de coco licuri da agricultora familiar Glória Carneiro, 69, são ideais para fazer cocada. A cocada comprada pelo governo se transforma em merenda escolar em Várzea da Roça, na Bahia, um município a cerca de 300 quilômetros de Salvador.
“Em apenas seis meses, produzi e vendi uma tonelada de cocada para distribuição em escolas, eventos e cooperativas de alimentos. Construi minha casa com o dinheiro obtido a partir dessa cocada de licuri, um coco pequeno e oleoso, excelente para fazer doce. E o melhor de tudo é que ele se torna um alimento bom e de qualidade para os meninos das escolas da região”, explicou.
Como secretária da Terceira Idade do Sindicato Rural de Várzea da Roça, Glória destaca que a solidariedade é um valor comum entre os agricultores familiares. “Não deixamos ninguém passar fome em nossa região. Estamos sempre nos mobilizando para alimentar aqueles que precisam”, afirmou.
Aposentadoria e Pronaf
A agricultora familiar Gilda Lima, 58, enfrentou três dias de viagem de ônibus, partindo de Bom Jardim, Pernambuco, um município a cerca de 70 quilômetros de Recife, até Brasília.
Como presidente do Sindicato Rural da região, Gilda veio à capital federal com a esperança de facilitar o processo de aposentadoria para os agricultores familiares e melhorar o acesso ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que oferece apoio financeiro do governo federal para atividades agropecuárias realizadas com o trabalho direto do produtor e sua família.
“Também queremos políticas públicas mais voltadas para as mulheres, especialmente para as mães. Há muita burocracia para conseguirmos o salário-maternidade. No caso do INSS, eles pedem muitas provas materiais de várias coisas. São muitas dificuldades para o agricultor idoso, que acaba tendo que se deslocar bastante para conseguir o que é seu direito”, disse a produtora de milho, feijão, fava, mandioca, batata, galinha e ovos.
“Também tenho alguns bois. Às vezes vendo a carne deles para comprar outros bois”, acrescentou.
Fonte: Agência Brasil
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