Ibama autoriza testes da Petrobras, mesmo com parecer técnico contrário, e revela o que muitos temiam: a política ambiental do atual governo pode não ser tão diferente assim da anterior.

No dia 2 de junho de 2025, a Folha de S.Paulo publicou uma denúncia que escancarou uma grave contradição no discurso ambiental do governo Lula. Segundo a reportagem, a presidência do Ibama autorizou os testes da Petrobras na Foz do Amazonas, região de altíssima sensibilidade ecológica, mesmo após 29 técnicos do próprio órgão recomendarem a rejeição do pedido.
Essa autorização não foi fruto de um avanço técnico ou de adequação da Petrobras aos requisitos ambientais. Pelo contrário: ela foi viabilizada por meio de um “parecer alternativo”, assinado por apenas dois técnicos e classificado como uma “decisão alternativa”, ignorando ou relativizando os alertas e críticas técnicas anteriormente registradas.
Entenda o que está em jogo:
- A Foz do Amazonas é uma das últimas fronteiras preservadas da costa brasileira, uma área com rica biodiversidade marinha, espécies endêmicas e presença de comunidades costeiras e ribeirinhas. Explorar petróleo nessa região implica riscos irreversíveis.
- O plano de proteção da fauna da Petrobras foi rejeitado sucessivas vezes desde 2023. Os técnicos apontaram falhas na simulação de vazamentos, subestimação de impactos meteorológicos, deficiências no resgate de fauna e ausência de estrutura logística para mitigação de danos.
- Mesmo com atualizações no plano, o entendimento técnico não mudou. Em fevereiro de 2025, novo parecer reiterou: o plano não é viável e os testes deveriam ser barrados.
Mas o Ibama decidiu seguir outro caminho:
- Em maio de 2025, a presidência do Ibama determinou a “aprovação conceitual” do plano da Petrobras e autorizou a realização de uma Avaliação Pré-Operacional (APO) — uma simulação de vazamento de óleo.
- Essa manobra foi vista por especialistas como uma inversão do processo técnico-científico: usar o próprio teste, antes inviável, como justificativa para aprovar o que foi rejeitado.
- A decisão final saiu em questão de minutos: menos de 20 minutos após o novo despacho, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, publicou a autorização.
Pressão política explícita
A reportagem da Folha revela ainda que o Ibama atua sob intensa pressão política vinda do alto escalão do governo federal:
- O presidente Lula tem defendido a ampliação da exploração de petróleo na costa norte.
- Ministros como Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil) são defensores ativos do projeto.
- O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), aliado de primeira hora da Petrobras, conseguiu inclusive emplacar uma emenda que flexibiliza o licenciamento ambiental, acelerando empreendimentos como esse.
- O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), também atua a favor da liberação do bloco 59 na Bacia da Foz do Amazonas.
A Petrobras, por sua vez, segue tentando garantir a licença antes do leilão de petróleo marcado para 17 de junho, visto por muitos como a última chance do governo Lula ampliar a exploração na região.
O discurso não combina com a prática
Durante as eleições, o presidente Lula prometeu colocar o Brasil como líder da transição energética e da diplomacia ambiental. A COP30 em Belém (2025) foi anunciada como símbolo dessa virada. Mas decisões como essa colocam em dúvida a coerência do projeto ambiental do governo.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), foi direto:
“Estamos diante da tentativa de justificar a continuidade de um empreendimento ambientalmente descartado por meio de simulação semântico-burocrática. A avaliação ambiental, ao que parece, está migrando do plano técnico-científico para incongruente conveniência política.”
A boiada voltou a passar
A diferença entre Bolsonaro e Lula está no tom — mas a lógica do atropelo técnico por conveniência política parece a mesma. Assim como em 2020, quando o ex-ministro Ricardo Salles propôs “passar a boiada”, o atual governo está permitindo que os interesses econômicos passem por cima do conhecimento técnico, da biodiversidade e do futuro climático do país.
E o que diz o Ibama? Em nota, afirma que o processo corre em “absoluta segurança técnica e jurídica”.
Mas como confiar na imparcialidade de um processo onde 29 pareceres contrários são vencidos por um parecer alternativo assinado por apenas 2 técnicos, elaborado às pressas e referendado em 20 minutos?
Conclusão: não há transição energética com petróleo na Amazônia
Se o governo quer de fato liderar uma nova era ambiental, decisões como essa precisam ser revistas. O licenciamento ambiental não pode ser palco de disputas políticas — precisa ser técnico, transparente e comprometido com o futuro.
A Foz do Amazonas não pode virar a próxima bacia sacrificada em nome de arrecadação de curto prazo.
Se a boiada está passando de novo, a sociedade precisa levantar a cerca.
Leia a denúncia completa: Folha de S.Paulo
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