Fungos amazônicos sofrem com microplásticos e mudanças climáticas

Pesquisadores da UFPA e do Inpa revelam que microplásticos e o aquecimento global afetam a reprodução e a diversidade de fungos que sustentam a vida nos igarapés da Amazônia.

Em meio a folhas submersas nos igarapés da Amazônia, fungos microscópicos regulam o equilíbrio das cadeias alimentares e transformam a matéria orgânica em nutrientes para insetos, peixes e, indiretamente, milhões de pessoas. Um estudo publicado em junho, na revista científica Science of the Total Environment, aponta, no entanto, que esses discretos organismos podem ser impactados pela combinação de microplásticos e das mudanças do clima, alterando a sua reprodução, a diversidade e a decomposição mediada por eles.

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Novo Recreio, no Acre: igarapés são parte importante da ecologia amazônica. Alexandre Cruz Noronha/Amazônia Real

Conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com colegas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o trabalho utilizou câmaras climáticas capazes de simular em tempo real cenários previstos para a região amazônica até o ano 2100. Nessas condições, os cientistas expuseram organismos responsáveis pela decomposição de folhas a diferentes níveis de microplásticos e variações de temperatura e gás carbônico. “Observamos que houve uma alteração da reprodução desses fungos”, destaca a bióloga Viviane Caetano Firmino, da UFPA e primeira autora do artigo. “O impacto foi ainda maior quando as concentrações de microplásticos e os cenários climáticos extremos atuaram em conjunto.” A riqueza total de espécies não diminuiu, mas houve substituição de espécies das comunidades fúngicas. Algumas mais tolerantes ou competitivamente superiores surgiram no ambiente e se tornaram dominantes, enquanto outras praticamente desapareceram.

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Além disso, a capacidade de decomposição da matéria orgânica sofreu impacto, sugerindo riscos diretos à ciclagem, que é o processo de decomposição que devolve nutrientes ao ambiente, permitindo seu reaproveitamento por outros seres vivos. “Os microplásticos já estão presentes nos igarapés amazônicos. Com isso, alguns serviços ecossistêmicos essenciais podem ser perdidos, e essa é nossa maior preocupação”, destaca o biólogo Leandro Juen, da UFPA. Ele é um dos autores do artigo e líder do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Síntese da Biodiversidade Amazônica (SinBiAm).

A apreensão do pesquisador se deve ao risco de que mudanças na base da cadeia alimentar provoquem efeitos em cascata, atingindo não apenas insetos e peixes, que dependem diretamente da ciclagem promovida pelos fungos, mas também a segurança alimentar de milhões de pessoas. “Os fungos tornam o material vegetal mais palatável para outros organismos e por isso funcionam como engrenagens invisíveis na manutenção dos riachos amazônicos”, explica Juen. Quando a decomposição da matéria orgânica perde eficiência, a água tende a se tornar mais ácida e menos potável.

Lacia / InpaAlterações ambientais afetam fungos aquáticos e a decomposição de matéria orgânicaLacia / Inpa

O estudo foi conduzido em câmaras de simulação climática instaladas no Inpa, em Manaus, capazes de reproduzir em tempo real diferentes cenários previstos para a floresta (ver mais detalhes no box). No cenário extremo, a temperatura da água foi elevada em 5,1 °C e a concentração de dióxido de carbono (CO₂) alcançou mais de 1.080 ppmv (partes por milhão por volume), enquanto no cenário intermediário o aquecimento chegou a 3,3 °C e o CO₂ a cerca de 700 ppmv. Esses cenários seguem as projeções estabelecidas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU (Organização das Nações Unidas).

Paralelamente, os fungos foram submetidos a distintas concentrações de microplásticos, variando entre a ausência completa e níveis considerados baixos (1,8 × 10 partículas por mililitro) e médios (1,8 × 10² partículas por mililitro). Para avaliar o efeito combinado desses fatores, os pesquisadores utilizaram discos cortados de folhas de louro-preto (Nectandra cuspidata), uma planta amplamente distribuída na Amazônia, preparados para permitir a colonização natural dos fungos decompositores de igarapés amazônicos.

Durante 15 dias de experimento, o grupo monitorou parâmetros como a produção de esporos, a diversidade de espécies presentes e a eficiência na decomposição da matéria orgânica, indicadores-chave da saúde e do equilíbrio dos ecossistemas aquáticos.

Para a ecóloga espanhola Luz Boyero, da Universidade do País Basco, investigar múltiplos estressores de forma combinada é fundamental, pois mostra que os efeitos interativos entre eles não são simples e podem se reforçar mutuamente (efeitos aditivos) ou se comportar de forma mais complexa (efeitos não aditivos). “No caso dos fungos amazônicos, a produção de conídios [os esporos responsáveis pela reprodução] reagiu de forma diferente aos microplásticos dependendo das condições climáticas. Isso pode estar ligado ao fato de que algumas espécies são mais sensíveis que outras e variam em suas taxas de reprodução”, explica.

Boyero não participou do trabalho, mas um de seus estudos sobre microplásticos, publicado em 2023 na revista Environmental Pollution, serviu de referência para a metodologia adotada pelos pesquisadores brasileiros. “Em um de nossos estudos, observamos que o aumento da temperatura, combinado à eutrofização [excesso de nutrientes na água], afetou a forma como organismos que se alimentam de matéria orgânica equilibram os elementos químicos em seus corpos, embora o processo de decomposição não tenha se alterado.”

Na prática, isso significa que os organismos que se alimentam de matéria orgânica em decomposição, como insetos e outros pequenos invertebrados aquáticos, passaram a apresentar diferentes proporções de carbono, nitrogênio e fósforo em seus corpos. Embora a decomposição das folhas continuasse ocorrendo, essa alteração na química interna desses animais pode influenciar a qualidade do alimento disponível para níveis superiores da cadeia alimentar.

O biólogo Adalberto Val, pesquisador do Inpa que não participou do estudo, celebra os resultados obtidos pelos colegas da UFPA, mas lembra o quanto evidenciam o tamanho do desafio imposto pela emergência climática. “As mudanças climáticas na Amazônia tornam águas que já são quentes, mais quentes; águas que já são hipóxicas [com pouco oxigênio], mais hipóxicas; e águas que já são ácidas, mais ácidas. Daí a importância de estudos como esse sobre o futuro do ecossistema”, resume.

Leem/InpaNo Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular, pesquisadores expõem organismos a condições previstas de mudanças climáticasLeem/Inpa

Uma janela para o futuro da Amazônia

Instalado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, o Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular (Leem), onde foi realizado o estudo publicado em junho na Science of the Total Environment, abriga um conjunto de quatro salas de cerca de 25 m³ projetadas para testar como organismos amazônicos reagem às mudanças do clima.

A sala-controle reproduz o clima atual da floresta, enquanto as demais simulam cenários previstos até 2100, segundo o IPCC. A umidade relativa é mantida entre 80% e 90%, enquanto sensores instalados em uma torre em uma reserva próxima ao Inpa transmitem dados a cada dois minutos para os computadores do instituto, ajustando automaticamente os parâmetros. Assim, as condições oscilam como na floresta real, variando ao longo do dia e da noite, acompanhando a cobertura de nuvens e a chegada da chuva.

“Essas câmaras permitem simular com precisão o futuro climático da Amazônia, criando uma ponte entre o que está acontecendo hoje na floresta e o que poderá acontecer nas próximas décadas”, enfatiza Adalberto Val, um dos idealizadores do Leem. Pesquisador do Inpa, atualmente ele é coordenador do INCT Adapta-Amazônia.

Ao visitar o espaço, impressiona a atmosfera controlada e silenciosa. O acesso exige protocolos rigorosos para evitar contaminação, além de restrições quanto ao tempo de permanência em cada sala. No ambiente que simula o cenário mais drástico, com a maior concentração de gás carbônico, não é permitido ficar mais do que alguns minutos, e sempre há alguém para monitorar a segurança dos pesquisadores e visitantes.

Dentro das câmaras, também é controlado o ciclo de luz e escuridão, o que garante a reprodução fiel do ritmo diário da floresta. Para evitar interrupções em uma cidade marcada por oscilações no fornecimento de energia, o sistema foi projetado com redundância elétrica, incluindo gerador e banco de baterias capazes de manter os parâmetros estáveis por até duas horas em uma eventual falta de luz.

Essa infraestrutura permite manter não apenas fungos e peixes, mas também insetos, plantas e outros organismos por longos períodos em condições controladas, revelando de maneira dinâmica como eles respondem a cenários climáticos extremos. “É um dos laboratórios mais modernos que temos aqui no Brasil. Seria necessário ter um em cada bioma brasileiro, para fins de comparação entre os resultados e o alcance de padrões gerais sobre os efeitos das mudanças climáticas”, defende Viviane Firmino, da UFPA.

A construção do Leem, em 2016, foi viabilizada pelo programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) do governo federal, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e também com recursos do próprio Inpa.

O laboratório integra o Adapta 3, a nova fase do INCT Adapta-Amazônia. “Recentemente tivemos a aprovação do INCT na qual vamos procurar responder como os organismos amazônicos vão lidar com a intensificação das mudanças globais, avaliando desde mecanismos fisiológicos até implicações ecológicas e sociais”, explica Val.

A reportagem acima foi publicada com o título “Fungos invisíveis, impactos visíveis” na edição impressa nº 356, de outubro de 2025.

Artigos citados
FIRMINO, V. C. et al. Climate change and microplastic effects on conidial fungal assemblages associated with leaf litter in an Amazonian stream. Science of The Total Environment. v. 992, 179968. 25 ago. 2025.
PÉREZ, J. et al. Warming overrides eutrophication effects on leaf litter decomposition in stream microcosms. Environmental Pollution. v. 332, p. 121966. 1º set. 2023.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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