Na Mata Atlântica, florestas secundárias — formadas naturalmente após a remoção da vegetação original — estão perdendo sua longevidade. Essa tendência ameaça funções ecológicas essenciais, como o sequestro de carbono. A constatação vem de uma pesquisa realizada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP em Piracicaba, que analisou métodos para avaliar a qualidade da regeneração florestal em regiões tropicais.
Segundo o engenheiro florestal Frederico Miranda, autor da tese de doutorado, o fenômeno está ligado principalmente ao avanço das atividades agrícolas e à brecha legal que permite a intervenção em estágios iniciais da regeneração florestal. “A modelagem espacialmente explícita, que projeta mudanças futuras no uso da terra com base em dados atuais e passados, mostra como a paisagem pode se transformar diante de diferentes cenários políticos e climáticos”, explica o pesquisador.
Essa abordagem permite antecipar os efeitos de alterações na legislação ambiental ou nos padrões climáticos, orientando decisões mais estratégicas no presente. No entanto, Miranda destaca que a alta variabilidade das dinâmicas florestais tropicais e os cortes recorrentes nas florestas secundárias dificultam a precisão das projeções.
Análise global e estudo de caso na Mata Atlântica
A pesquisa teve duas etapas. A primeira foi uma revisão sistemática de estudos que utilizaram modelagem espacial para prever a regeneração natural em regiões tropicais e subtropicais. A maioria dos trabalhos analisados focava na América do Sul, especialmente no Brasil. “Essas áreas combinam alta produtividade vegetal com grandes desafios socioambientais, o que as torna estratégicas para a mitigação das mudanças climáticas”, afirma Miranda.
A segunda etapa foi um estudo de caso na Mata Atlântica, bioma que abrange cerca de 1,1 milhão de km², mas que, em 2023, conservava apenas 27% de sua vegetação original. Além de ser um dos maiores hotspots de biodiversidade do planeta, a região abriga cerca de 70% da população brasileira.
A fragilidade das florestas secundárias
A regeneração natural tem sido a principal forma de recuperação da vegetação nativa em áreas tropicais, ocorrendo sem intervenção humana direta após desmatamentos, queimadas ou deslizamentos. Com o tempo, essas áreas se transformam em florestas secundárias. No entanto, segundo Miranda, essas formações vêm sendo repetidamente cortadas antes que atinjam estágios mais maduros.
A lógica por trás desses cortes frequentes envolve fatores como disputa por posse de terra, especulação imobiliária, manutenção da fertilidade do solo (pousio) e, sobretudo, a tentativa de impedir que a vegetação alcance estágios mais avançados — o que resultaria em proteção legal conforme a Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006).
“A lei protege vegetações primárias e florestas secundárias em estágios médio e avançado, exigindo autorização para intervenções. Mas não proíbe ações nas fases iniciais da regeneração”, observa Miranda. Isso abre margem para que proprietários limitem deliberadamente a evolução da vegetação, mantendo o uso futuro da terra livre de restrições legais.
Ganho de cobertura, mas com baixa qualidade ecológica
Embora os dados mostrem um aumento na área coberta por vegetação, esse crescimento é marcado por sucessivos recomeços do ciclo de regeneração. O resultado é um tipo de ganho florestal de baixa qualidade ecológica, sem tempo suficiente para que a floresta recupere plenamente sua biodiversidade e capacidade de estocar carbono.
“O que observamos é um processo de rejuvenescimento da paisagem florestal: florestas mais velhas estão sendo substituídas por florestas jovens, o que compromete os serviços ecossistêmicos e a conservação da biodiversidade”, destaca o pesquisador.
Diretrizes para conservação e restauração
A pesquisa propõe diretrizes metodológicas mais realistas para representar a dinâmica da regeneração natural em florestas tropicais, com ênfase na necessidade de prolongar a permanência das florestas secundárias na paisagem.
“Identificamos padrões espaciais e temporais que mostram como essas florestas estão cada vez mais vulneráveis. Para garantir seus benefícios ecológicos, é urgente implementar políticas que favoreçam sua permanência e, idealmente, sua perpetuação”, afirma Miranda.
Ele ressalta ainda a importância de aprofundar os estudos sobre as causas subjacentes dos cortes recorrentes. “É preciso adotar uma abordagem interdisciplinar, que considere os fatores biofísicos, legais e socioeconômicos. Só assim poderemos desenvolver estratégias realmente eficazes para conservar e manejar as florestas secundárias de forma sustentável.”
A pesquisa foi orientada pelo professor Pedro Brancalion (Esalq), com coorientação de Paulo Molin (UFSCar) e Sean Sloan (Vancouver Island University, Canadá). O trabalho contou com apoio da Capes e do governo canadense, por meio do programa Emerging Leaders of the Americas Program (Elap).
Fonte: Jornal da USP
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