Extremamente importantes para a sobrevivência de inúmeros animais, as florestas podem ser a salvação também das milhares de pessoas que sofrem com a fome no mundo. É o que afirma o grupo de cientistas responsável por um relatório divulgado esta semana pela União Internacional de Organizações de pesquisa Florestal (Iufro, na sigla em inglês). O documento destaca o imenso potencial das matas para fornecer alimentos que não só enchem a barriga como podem melhorar a qualidade nutricional de populações pobres.
Mais de 60 pesquisadores colaboraram com a publicação, chamada Florestas, árvores e paisagens para a segurança alimentar e nutricional – Um relatório de avaliação global. Lançado em Nova York, paralelamente ao Fórum das Nações Unidas, o trabalho frisa a necessidade de estratégias que ajudem a extinguir a fome. “Um total de 805 milhões de pessoas estão subnutridas em todo o mundo, e a desnutrição afeta quase todos os países do planeta”, afirma ao Correio Christoph Wildburger, coautor do relatório e pesquisador do Iufro.
Além disso, hoje, 1 bilhão de seres humanos dependem dessas áreas para dietas equilibradas e rendimentos sustentáveis. O trabalho também estima que uma em cada seis pessoas tirem diretamente das matas a alimentação e a renda. “Florestas e suas árvores podem contribuir para acabar com a fome. Para fazer isso de forma eficiente, precisamos de uma gestão eficaz dessas paisagens, a ser feita pelos governos. Esses ecossistemas podem fornecer produtos para dietas balanceadas, especialmente para grupos marginalizados”, destaca Wildburger.
O relatório documenta esforços em curso na África que usam as florestas para desenvolver novos produtos que preencham a demanda de alimentação. No Sahel, uma das regiões mais pobres do planeta, que engloba vários países da África Subsaariana, as árvores contribuem com cerca de 80% dos rendimentos das famílias, que ganham com a produção de produtos como a castanha de carité. Já na Tanzânia, há um grande esforço na produção da colheita das sementes de allanblackia, que resultam em um óleo comestível com potencial para o mercado global. “O que mantém as pessoas com fome, muitas vezes, não é a falta de alimentos, mas a falta de acesso a eles e o controle sobre a produção. Precisamos reconhecer reivindicações sobre a soberania alimentar que dão à população local maior controle sobre seus alimentos”, ressalta, em um comunicado, Bhaskar Vira, pesquisador da Universidade de Cambridge e também autor do relatório.
Agricultura
Segundo os especialistas, o aumento de florestas complementaria as atividades agrícolas, que não conseguem sustentar a produção de alimentos sozinha. “Há uma crescente evidência de que as estratégias agrícolas convencionais ficam aquém da eliminação da fome global, resultando em dietas desequilibradas e aumentando a exposição dos grupos mais vulneráveis à volatilidade dos preços dos alimentos”, afirma Wildburger.
O pesquisador lamenta, porém, que o movimento observado seja o oposto, com as plantações avançando sobre áreas naturais. “A expansão de terras agrícolas tem ocorrido em grande parte à custa de florestas, elas mesmas fontes valiosas de alimento para muitas pessoas”, observa. Wildburger ressalta que o papel das matas na complementação da produção Agrícola não tinha sido destacada ainda, nem as evidências científicas sobre esse potencial estavam compiladas em escala global, como feito agora pela Iufro. “Os tomadores de decisão de todos os níveis, do local ao global, precisam assumir essa informação e adaptar suas políticas em conformidade”, prega.
Carlos Francisco Rosetti, doutor em economia política e florestal e professor associado júnior da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB) também acredita que manter as florestas pode evitar problemas graves ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, assegurar produção de alimentos. “Ao retirar árvores, o ambiente fica inóspito, o que prejudica a produção em larga escala de alimentos. Outro problema é que a retirada das árvores pode provocar erosão genética, na qual inúmeras variações de espécies se tornam extintas, o que acarreta grande prejuízo de biodiversidade”, aponta o especialista, que não participou da elaboração do relatório.
Rosetti acrescenta que muitas medidas dependem da aplicação de leis. “Temos um exemplo claro: as nascentes. Muitas têm sido compradas por grandes empresas, pensando no seu valor no futuro. Precisamos que as leis de proteção ao meio ambiente sejam cumpridas, para garantir que os benefícios vindos dessas áreas verdes permaneçam futuramente.”
Nutrientes
Mais que oferecer alimentos, as florestas podem incrementar as dietas, levando à mesa produtos com alto valor nutritivo, garantem os cientistas. “Evidências sugerem que cerca de 50% dos frutos consumidos no mundo vêm das árvores. E estudos recentes mostram que o acesso às florestas e aos sistemas baseados em árvores estão associados ao aumento da ingestão de vitamina, a partir do consumo de frutas e vegetais”, destaca Wildburger.
Em algumas regiões, a contribuição das áreas verdes para uma dieta rica é evidente, como o uso do açaí das regiões Norte e Nordeste do Brasil. “É cada vez mais reconhecido que os alimentos provenientes de florestas fornecem micronutrientes e contribuem para a diversidade alimentar, apoiando assim uma mudança da ingestão calórica como a principal métrica para garantirmos a segurança alimentar”, explica o autor.
Para Murilo Pereira, coordenador do curso de nutrição do Centro Universitário Iesb de Brasília, a alimentação com base em frutos e sementes pode sim contribuir para uma melhor dieta, caso seja utilizada de forma correta. “Na economia de hoje, a agroindústria depende de sementes manipuladas, e isso é ruim, pois há um domínio de grandes empresas, e nós temos ignorado a alimentação saudável. O ideal é fugirmos dessa industrialização e voltarmos a consumir o natural”, defende.
O especialista também destaca outra opção: a Agricultura familiar. “Ao produzir o que consumimos, conseguimos economizar e também utilizar alimentos em sua forma natural, como as frutas. É muito interessante acompanhar a época em que elas são produzidas e aproveitar seus nutrientes. Comer melancia na época da melancia faz com que ela tenha maior valor nutricional.”
Mudanças promissoras
“Acredito que esse relatório agrega pontos interessantes de discussão para o combate à fome mundial, como a necessidade de intervenções em países africanos, que são os que mais sofrem com a questão alimentar. Essa biodiversidade permite que gestores públicos, ligados a formação de políticas de preservação, adotem mudanças promissoras na luta contra a falta de alimentos, garantindo uma alimentação de qualidade e respeitando os aspectos culturais e locais. Acredito que essas duas vertentes, unidas à análise do ecossistema, podem auxiliar na ideia de conservação e contribuir para o fim da fome.” – Rumi Regina Kubo, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Fonte: Painel Florestal
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