Exportação de madeira da Amazônia cai pela metade em dez anos

Regras mais rígidas, cenário político instável, insegurança jurídica e exigências de mercado e ambientais promovem “seleção natural” das empresas do setor, que avança nas práticas sustentáveis e agregação de valor, substituindo mera extração por produtos beneficiados

Texto de Eduardo Laviano / O Liberal

(Sidney Oliveira / O Liberal)

 

Um dos principais itens de exportação da Amazônia, a madeira sofreu uma queda de 46% no volume exportado ao longo dos últimos dez anos. O dado, se observado superficialmente, pode ser lido de duas formas: negativa, por representar redução de um setor econômico ou positiva, por dar indicativo de que, por tabela, foi reduzida a pressão sobre a floresta.

Porém, o dado traduz uma mudança de perfil e de mercado do setor, que possui cada vez mais regras e exigências, exige profissionalização dos investidores, afasta empresas sem robustez e revela uma profunda mudança em pleno andamento: a base da exportação está sendo alterada, de extração e venda de toras de madeira in natura para produtos com maior valor agregado – e maior geração de emprego para a região.

A Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará (Aimex) viu seu quadro de empresas associadas também cair pela metade no mesmo período: eram 45 em 2010 e hoje conta com 22. Hoje, além dos documentos relacionados à área onde a madeira é obtida, uma empresa exportadora precisa cumprir outras nove etapas, envolvendo quatro órgãos de esferas de atuação diferentes, como a Receita Federal e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), do Governo Federal e as secretarias de meio ambiente e de fazenda, do governo estadual. Todo o processo pode levar até meses.

Historicamente, o Estado do Pará, localizado na Amazônia Legal brasileira, é um dos principais pontos de saída da exportação de madeira para o mundo. Hoje, no entanto, cerca de 65% das exportações de madeira do Pará são de produtos com valor agregado, especialmente pisos, compensados, portas e objetos de cozinha. Toda essa produção cumpre um rigoroso rito de exigências legais. A mudança de foco da atividade, agora com valor agregado, é percebida quando se observa o passado. Na década de 1970, a situação era oposta: as exportações de madeira em tora, sem qualquer beneficiamento, representavam 60% do total dos produtos de madeira que saiam dos portos do Pará rumo ao exterior.

A mudança para o atual cenário foi intensificada a partir dos anos 1990, com a importação de máquinas e equipamentos que redefiniram o panorama da qualidade dos produtos madeireiros beneficiados no Pará. A adaptação do setor também se dá por uma questão econômica e crucial: a cobrança do mercado internacional em relação ao meio ambiente e a pressão por verticalização da produção no Estado, o que além de agregar valor, aumenta nível de empregos. Em 2021, setor é responsável por 80 mil empregos no Pará.

De acordo com dados fornecidos pelo Centro Internacional de Negócios (CIN), da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), nos últimos 10 anos, o Pará exportou aproximadamente 2,4 bilhões de dólares. A década, porém, foi marcada por altos e baixos para o setor.

Se no início dos anos 2010 o Pará exportou mais de 397 milhões de dólares em madeira, o número chegou a pouco mais de US$ 170 milhões em 2016. Desde então, o setor vem crescendo novamente e, em 2020, chegou a exportar US$ 211 milhões.

“Essa diminuição ocorreu por diversos fatores, como a substituição de madeiras por porcelanatos, plásticos, ferros e outros materiais. Outro motivo é a própria profissionalização do setor, com aumento do controle de qualidade e do cumprimento da lei, muitas empresas saíram do setor. Hoje, vemos esta retomada pautada por práticas legais e sustentáveis, que tem sido possibilitada pela ampliação das áreas de concessão florestal pela União, destinadas a empresas sérias e comprometidas com a floresta”, avalia Deryck Martins, diretor técnico da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará.

Manejo é prática necessária para viabilidade do setor

A demanda internacional por práticas sustentáveis que alinhem as empresas aos princípios de preservação da floresta também entrou na equação, o que criou uma cultura de preocupação com o futuro da Amazônia e de como este futuro englobaria a geração de emprego e renda em uma das regiões mais pobres do país.

Garantir os serviços ambientais prestados globalmente pela região, mas permitir que a população local tenha acesso ao trabalho e serviços básicos tem sido um dos pontos mais destacados atualmente no chamado “paradoxo amazônico”.

Hoje, o manejo florestal é uma prática obrigatória entre as empresas comprometidas com o meio ambiente. Trata-se da administração da floresta para obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando os ecossistemas e garantindo que a floresta esteja em pé, produzindo e se regenerando.

“As imagens de balsas cheias de madeira chocam as pessoas, mas quando você estuda a fundo e vê que aquela madeira vem do manejo florestal, você vê que o impacto é muito pequeno. O manejo, quando bem realizado, ajuda na manutenção da floresta, na captação de carbono e até acelera o processo de regeneração. A partir de estudos aprofundados, você faz um corte seletivo de algumas árvores, invés de sair cortando indiscriminadamente como muitos imaginam. Quando você corta a árvore que está com a copa fechada, por exemplo, você abre uma clareira de sol e outras árvores começam a crescer, de maneira natural”, afirma Jessica Dalmaso, da Cemal Comércio Ecológico.

(Tarso Sarraf / O Liberal)

 

A aplicabilidade de um plano de manejo está relacionada aos estudos da composição florística, da estrutura fitossociológica e da distribuição das espécies. Quanto mais os processos naturais e a biodiversidade de uma região de mata são investigados, com mais precisão os planos de manejo são realizados.

“Além disso, as concessões determinam que parte do valor da produção seja repassada para o estado, municípios e entidades da área, bem como prevê a destinação de valores para projetos em comunidades ribeirinhas, o que faz muita diferença para municípios com o Índice de Desenvolvimento Humano baixo. Temos iniciativas que buscam gerar mais do que emprego e renda, mas uma integração socioeconômica”, lembra Dalmaso, que é mestranda em ciências florestais pela Universidade de Brasília.

Para José Maria Mendonça, vice-presidente da Federação das Indústrias do Pará, o manejo florestal para o setor produtivo é um dos mecanismos de controle da floresta em pé.

“A melhor forma de manter nossa floresta nativa em pé é trabalhando com o manejo florestal, que além do ganho econômico proporciona também um ganho ambiental, já que as árvores adultas retiradas serão substituídas por novas árvores, que sequestram muito mais carbono da atmosfera, e, com isso, antecipamos o ciclo natural do carbono”, destaca.

De acordo com Thiago Valente, membro do conselho deliberativo da Associação Paraense dos Engenheiros Florestais, por meio do Manejo Florestal são postas em prática pesquisas já consolidadas dentro das florestas da Amazônia que “consideram não somente a utilização dos recursos de forma sustentável para abastecimento do mercado, mas considera, primordialmente, a relação da atividade com comunidades que habitam e sobrevivem da floresta”, ressalta.

Para ele, “a intervenção em uma floresta em regime de manejo garante não apenas a manutenção da paisagem florestal, como, de forma substancial, permite a conservação do conteúdo das florestas, suas relações ecológicas e, como consequência, além da lógica comercial de abastecimento do mercado, tem-se a manutenção do clima e o equilíbrio das relações sociais”, afirma.

Além disso, atualmente existe ainda a crescente prática de reutilização de madeira, evitando descarte. “Hoje a madeira que é reaproveitada é em uma quantidade bem grande, de 50%. Além de virar objetos do dia a dia, as partes menores e irregulares e a serragem são usadas para gerar energia, com filtros, e que polui bem menos que outros componentes como óleo e gasolina. Além disso, existem outros mercados que utilizam também, como o mercado de móveis rústicos”, diz Deryck Martins, da Aimex.

Deryck acredita que o distanciamento de parte da sociedade em relação aos processos produtivos da madeira geram imagens negativas sobre o setor, especialmente por conta das atividades ilegais que acabam contaminando a percepção pública sobre quem, de fato, age corretamente na hora de reduzir os impactos ambientais da atividade.

Ele ressalta que é também papel dos consumidores assumirem a responsabilidade de fiscalizadores das compras que realizam, uma prática que ele entende como simples, mas que contribuiria e muito para o combate ao desmatamento e a extração ilegal de madeira na Amazônia.

(Tarso Sarraf / O Liberal)

“Quando compramos um eletrônico, por exemplo, você sabe que se for no camelô, não é a mesma qualidade. Você compra mais barato, faz uma opção. Com a madeira essa relação não existe, pois elas podem, a ilegal e a legal, serem trabalhadas e vendidas de maneira semelhantes. O consumidor pode, na hora de comprar a madeira, perguntar sobre a origem dela e a empresa que está vendendo precisa apresentar as documentações ou selos sustentáveis. Muitas vezes os clientes miram no preço e na qualidade sem saber a origem, sem saber se estão financiando atividades ilegais”, alerta Martins.

Beneficiamento triplica valor da madeira

Cada vez mais as empresas brasileiras que trabalham com madeira têm incorporado o incentivo a práticas sustentáveis como ativos dos seus negócios. No Pará, a Tramontina, por exemplo, busca aliar o beneficiamento da madeira no próprio estado com a preocupação legal e ambiental.

Hoje, a empresa processa em torno de 1.200 m³ de madeira mensalmente. Através deste volume, são gerados US$ 2.3 milhões em produtos acabados. Segundo a empresa, o valor é quase o triplo do valor da madeira antes do beneficiamento. Além disso, nem mesmo pequenas sobras de madeira são dispensadas: até os menores pedaços dos processos são reaproveitados para objetos de cutelaria, por exemplo.

(Sidney Oliveira / O Liberal)

 

“Realizamos um conjunto de procedimentos de forma permanente, incluindo análises das autenticidades e validades dos documentos emitidos pelos órgãos licenciadores, nos diferentes elos da cadeia produtiva da madeira, a fim de garantir a madeira de origem legal, critério indispensável em nossa atuação e negócio. Adicionalmente faz uma rigorosa seleção de seus fornecedores, tendo como base o levantamento do histórico de débitos, registros criminais, crimes ambientais, crimes trabalhistas, dentre outras, sendo todas estas informações obtidas em bases públicas oficiais”, comenta o diretor da Tramontina, Antonio Pagliari.

Setor busca quebrar imagem ligada ao desmatamento ilegal

É consenso entre os empresários do setor que as atividades madeireiras legais ainda enfrentam entraves resistentes no Brasil, especialmente do ponto de vista burocrático. Além disso, a imagem da atividade de extração de madeira ainda é relacionada, muitas vezes, ao processo de queimadas ou de desmatamento ilegal, realizado por empresas que atuam à margem da lei e cujas práticas acabam respingando na reputação de quem trabalha de maneira sustentável.

(Sidney Oliveira / O Liberal)

 

Para o engenheiro florestal Thiago Valente, a responsabilidade econômica, social e ambiental são prerrogativas inerentes a qualquer projeto ambiental regular, e, por isso, representam a portal principal do combate ao extrativismo ilegal. “Projetos elaborados e executados dentro dos limites legais tem o condão de gerar bons empregos, permitem o estabelecimento de bons negócios, com clientes que primam pela atividade com base em critérios de sustentabilidade, fornecem um gradiente de proteção importante para as florestas e produzem dados estratégicos para a tomada de decisão do poder público”, afirma. O engenheiro destaca que a ilegalidade, por outro lado, vai exatamente na direção oposta e deve ser combatida.

“Enquanto que projetos ou atividades desenvolvidas à revelia da lei não apresentam compromisso coletivo, social e ambiental, objetivam apenas vantagens imediatas, sem geração de empregos perenes e com qualidade, sem o cumprimento de critérios técnicos necessários para a manutenção das florestas e, em via de regra, operam de forma clandestina com absoluto desconhecimento do poder público”, afirma.

Em 2020, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu quase 37 mil metros cúbicos de madeira ilegal – praticamente o dobro do apreendido em 2019. Já a Polícia Federal (PF) confiscou o equivalente a R$ 427,7 milhões de grupos ou pessoas flagradas cometendo algum tipo de crime ambiental – 81% a mais que o valor recolhido pelos mesmos crimes em 2019.

No dia 19 de maio deste ano, a Polícia Federal destacou 160 policiais para o cumprimento de 35 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, São Paulo e Pará, em endereços ligados ao Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A operação ganhou o nome de Akuanduba. A operação integra investigação sobre supostas práticas que estariam favorecendo exportações tidas como ilegais.

Para a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará e a Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais, não havia no âmbito da operação, madeira ilegal ou contrabandeada para fora do país.

“Ressaltamos a fundamental necessidade de um ambiente jurídico e político seguro no país, para que o empresariado possa trabalhar e produzir de forma legal e sustentável, como têm sido os esforços permanentes dos associados. Diferente disso, teremos apenas a repetição de espetáculos políticos e midiáticos, não necessariamente comprometidos com o verdadeiro desenvolvimento sustentável da nossa região”, disseram as entidades em nota.

Para José Maria Mendonça, da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), o setor precisa de discernimento, resiliência e coragem para seguir trabalhando dentro da legalidade apesar das críticas.

“Todos temos conhecimento que perdemos a batalha da comunicação; as inverdades são ditas como verdades absolutas. Nosso caminho para a recuperação do setor madeireiro do Estado é continuarmos qualificando mais as atividades do setor, modernizando, e convidar nossos políticos e a turma da mídia a visitar os manejos florestais. Insisto, só falando a verdade, defendendo a legalidade e expondo nossos procedimentos. Um dia mudaremos esta falsa narrativa disseminada sobre o setor”, afirma.


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