Cores que salvam: estudo global revela estratégias de defesa dos insetos

Pesquisadores mostraram como diferentes espécies de insetos utilizam cores vivas ou camuflagem para se proteger de predadores em ecossistemas variados do planeta.

As estratégias de defesa dos insetos chamam a atenção de cientistas do mundo todo por revelarem como cores e padrões visuais influenciam a sobrevivência das espécies. Um estudo global, publicado na revista Science, mostrou como insetos utilizam tanto a camuflagem quanto cores de alerta para escapar de predadores em diferentes biomas, incluindo a Mata Atlântica e o Cerrado brasileiros.

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Mariposas e borboletas são presas frequentes das aves insetívoras como esse cartaxo-comum (Saxicola rubicola), na Europa. Stanislav Harvancik

Em linhas gerais, quando há muitos predadores insetívoros e a competição é alta, as aves ficam mais propensas a atacar qualquer presa – mesmo aquelas aparentemente desagradáveis ao paladar. Nesse caso, ter a coloração de alerta (aposemática) deixa de ser uma vantagem. Por outro lado, quando há muitos insetos aposemáticos em uma área, aumenta a chance de os predadores terem más experiências e aprenderem com elas, passando a evitar essas presas. Quando, ao contrário, há uma abundância de mariposas camufladas, ou crípticas, as aves treinam o olhar e ficam melhores em encontrá-las nos troncos. Os dados indicam ainda que esse disfarce não é eficaz em condições mais luminosas, porque fica mais fácil distinguir o animal do substrato.

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Erik KaritsA borboleta-tigre (Danaus chrysippus), da África, é impalatável graças às plantas que consome e representa um exemplo de coloração aposemáticaErik Karits

O experimento buscou enganar aves predadoras de insetos com triângulos coloridos à guisa de mariposas. Eles eram pregados nas árvores junto com larvas vivas de tenébrios, um tipo de besouro, que podem ser obtidas comercialmente. Quando a larva sumia, era sinal de ataque por ave; quando os predadores eram vespas ou formigas, os pesquisadores encontravam a isca parcialmente consumida. Três colorações simulavam diferentes estratégias: marrom, semelhante à casca das árvores; listrada de laranja e preto, considerada uma coloração típica de alerta; e azul-turquesa e preto como controle, por ser igualmente fácil de enxergar, porém não comum na natureza. Allen tomou o cuidado de imprimir as mariposas falsas em uma mesma impressora e enviar para os colaboradores que realizariam o experimento no Brasil, no Canadá, na República Tcheca, em Camarões, na Índia e na Austrália.

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O grupo brasileiro foi liderado pelo biólogo Rhainer Ferreira, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), junto com o entomologista Vinicius Lopez, à época seu aluno de doutorado. Por coincidência, o estudante procurou Allen em 2021 para pedir sugestões em um artigo que estava preparando sobre a coloração de formigas-feiticeiras – que na verdade são vespas da família Mutilidae (ver Pesquisa FAPESP nº 349). “Poderia ter sido só mais um e-mail perdido na caixa de entrada, mas ele causou uma guinada no meu doutorado”, conta o pesquisador, agora em estágio de pós-doutorado na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Isso porque o britânico percebeu que a linha de pesquisa orientada pelo entomologista Rhainer Ferreira se encaixava no experimento global que tinha nascido em 2019, durante um congresso no qual especialistas em coloração se reuniram para pensar um trabalho conjunto. Allen convidou o estudante brasileiro a integrar o projeto.

Matteo CassellaA mariposa Coenipeta bibitrix, das Américas, é críptica quando pousada na casca de uma árvoreMatteo Cassella

Lopez e seus colegas escolheram trabalhar na Reserva Biológica da Serra do Japi, em Jundiaí, interior paulista, uma floresta de Mata Atlântica, e na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Vale Encantado, uma área de Cerrado em Uberaba, Minas Gerais. “Foi o trabalho de campo mais cansativo que já fiz”, conta o entomologista. Ao longo de oito dias consecutivos, uma hora antes da aurora era preciso pregar mariposas falsas em 90 árvores sorteadas entre as 180 pré-selecionadas ao longo de uma trilha de 2 quilômetros (km). Depois disso, conferir todas elas ao meio-dia, de novo uma hora antes do pôr do sol e mais uma vez no dia seguinte, uma hora depois de o sol nascer (quando outras 90 árvores já tinham ganhado suas mariposas experimentais). Diariamente também era necessário fotografar algumas delas, ao lado de um quadrado cinzento também impresso em Swansea, como controle de luminosidade. Era preciso, ainda, percorrer a trilha anotando as aves avistadas e gravando suas vocalizações, para gerar um catálogo da comunidade de predadores da área. As equipes dos outros quatro continentes faziam exatamente a mesma coisa. “À noite precisávamos cozinhar, jantar, lavar a louça, cortar os triângulos, sortear as árvores e quando víamos já era meia-noite, precisando acordar às 4h30”, conta Lopez.

“Achei os resultados muito interessantes”, avalia o biólogo Paulo Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que não participou do estudo. “Entretanto, quando se faz algo muito grande, em uma ampla escala geográfica, perdem-se os detalhes locais que talvez expliquem melhor os resultados.” Por esse caráter global, ele ressalta, não é possível tirar muitas conclusões sólidas. Das condições nas quais o aposematismo ou a camuflagem se revelaram mais vantajosos, o estudo depreende uma tendência geral: a camuflagem é uma estratégia menos estável, mais sujeita a alterações causadas por atividades humanas como modificações na luminosidade por desmatamento, ou na coloração das árvores por poluição. As cores vivas funcionam como alerta em qualquer ambiente, com alguma variação conforme a luminosidade e a comunidade de predadores presente.

Vinicius Lopez / UFTMTriângulos de colorações diferentes e larvas de tenébrio simularam mariposas no experimento globalVinicius Lopez / UFTM

Para Oliveira, o estudo pode ser um rico ponto de partida para experimentos locais, em ecossistemas brasileiros distintos. “Seria interessante comparar a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga para investigar mais detalhes sobre a prevalência de insetos camuflados e aposemáticos nesses três biomas”, sugere, já que o objetivo do trabalho feito não era comparar, mas encontrar pontos em comum. Outra próxima etapa possível seria verificar as estratégias de defesa predominantes em diferentes florestas, para tirar a limpo se o que parece mais vantajoso é de fato favorecido pela seleção natural. “Seria um excelente próximo artigo”, concorda Lopez.

Artigo científico
MEDINA, I. et al. Global selection on insect antipredator coloration. Science. 25 set. 2025.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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